Os avanços significativos registados na Ciência e na Alquimia têm-se revelado insuficientes para estabelecer a fórmula mágica da replicação futebolística. Por sua vez, os deuses do Olimpo têm-se apoderado da ignorância terrestre e distribuído inequitativamente alguns magos do Desporto Rei pelos quatro cantos do Mundo. Este é o retrato de 5 lendários executantes da bola que desafiaram os desígnios celestes e que deram um rosto à sua pátria, até então desconhecida para a maioria dos mortais.
George Weah (Libéria)
Poderoso. Tecnicista. Lutador. Oportunista. Matador. Velocista. Percursor de uma nova classe de goleadores capazes de fazer o golo de todas as formas e feitios a partir de qualquer zona do terreno. Em suma, o melhor jogador africano de todos os tempos.
Nascido e criado nos subúrbios da capital do país mais corrupto do mundo, George Weah foi descoberto por um tal de Arsène Wenger em 1988, nos meandros de um campeonato doméstico demasiado pequeno para o seu talento inato. Em França, ao serviço do Mónaco e do PSG, Weah venceu todas as competições internas e sagrou-se o melhor marcador da Liga dos Campeões em 1994-1995.
O capítulo seguinte reporta-nos para um casamento perfeito de 5 anos entre o liberiano e o AC Milan, onde conquistou dois scudettos e fez esquecer na íntegra um tal de Marco van Basten. Ninguém ficava indiferente ao slumdog de Monróvia, abençoado pelos deuses africanos e reconhecido pelos eruditos do futebol: Jogador africano do ano em 1989, 1994 e 1995, Melhor jogador do Mundo em 1995, Jogador africano do Século XX.
Inversamente proporcional ao trajeto glorioso ao nível individual e de clubes, Weah jamais chegaria a envergar a camisola dos lone stars num Campeonato do Mundo e só em duas edições da CAN é que foi possível à estrela liberiana ouvir o “All Hail, Liberia, Hail!” numa grande competição pelo seu país. Fado inglório e imerecido para um homem tão humilde como as suas origens e que financiava do seu próprio bolso os jogos da sua seleção.
Herói nacional, bandeira de uma nação que só conhecia a Libéria pelo seu génio futebolístico, King George nunca renegou as suas origens e luta ainda hoje pela paz na sua pátria como senador e filantropo.
Cha Bum-kun (Coreia do Sul)
Ainda a Coreia do Sul percorria o seu itinerário industrial rumo à família dos felídeos económicos da Ásia, já o Velho Continente tinha sido tomado de assalto por uma tecnologia de ponta sul-coreana capaz de balançar as redes como poucas armas europeias.
Cha Bum-Kun começou cedo a desafiar os standards futebolísticos. Aos 17 anos já era internacional sub-20 e aos 19 anos internacional A pela Coreia do Sul. Contudo, só viria a abandonar a sua pátria aos 25 anos.
Em 1978, quis o destino que abandonasse a sua Coreia fracionada para aterrar numa Alemanha também ela dividida pelas convicções ideológicas do Homem, para jogar ao serviço do SV Darmstadt. No entanto, devido a complicações com o serviço militar obrigatório, disputou apenas uma partida com os lilies antes de regressar ao seu país.
No ano seguinte, seria o Eintracht Frankfurt a requisitar Cha Bum-kun. Em 4 temporadas com a camisola dos eagles, Cha Bum-kun contribuiu decisivamente para a conquistar de uma Taça UEFA e de uma DFB-Pokal (taça da Alemanha), ganhando a alcunha de Cha Boom graças à sua velocidade felina e capacidade de drible estonteante capaz de fazer corar um processador tecnológico Made in Korea dos anos 80.
Cha Bum-Kun abandonaria o coração financeiro alemão para se estabelecer durante 6 anos na cidade industrial de Leverkusen, onde ajudaria o Bayer 04 a conquistar a Taça UEFA.
Em 1989, Cha Boom pendurou as botas, deixando uma marca imensa e perpétua no futebol germânico, sul-coreano e asiático: melhor marcador estrangeiro (à data) da história da Bundesliga, melhor marcador de sempre da seleção sul-coreana e jogador asiático do Século XX.
Cha Bum-Kun continua ainda hoje a ser um dos maiores embaixadores da Coreia do Sul, tendo cumprido na íntegra a premissa que o permitiu renunciar ao serviço militar obrigatório e deixar um legado no Velho Continente: tornar a sua pátria conhecida e aprender o máximo sobre futebol além fronteiras para ajudara posteriori a Coreia do Sul no seu desenvolvimento futebolístico.
Dwight Yorke (Trinidad e Tobago)
Genuíno no sorriso caribenho, mortífero no olfato futebolístico. Eis Smilling Assassin, quem mais poderia ser?!
O soberano arquipélago de Trinidad e Tobago é um daqueles territórios transoceânicos que desafia as leis das probabilidades e multiplica em quantidades industriais talento artístico para todo o mundo. É neste contexto de evidente abundância que ilustres como Vidiadhar Naipaul ou Trevor McDonald partilham agora a fama com Dwight Eversley Yorke, um jovem de Canaan que aos 18 anos foi descoberto num périplo do Aston Villa pelas Caraíbas.
Os desígnios de Yorke estão umbilicalmente ligados ao emblema de Birmingham, pois foi aí que durante 9 longas temporadas o trinitino-tobaguense despertou a curiosidade dos deuses do futebol. O instinto matador invulgar docemente caracterizado pelo sorriso bem aberto de Yorke deram-lhe a alcunha de Smilling Assassin em Terras de Sua Majestade.
Em 1998, mudou-se para o noroeste de Inglaterra, para o Manchester United, onde viria a formar a parceria mais mortífera da Premier League com outro striker implacável, Andy Cole. Durante 4 temporadas, Yorke encantou Manchester e iluminou o Teatro dos Sonhos, recheando o seu currículo com diversas consagrações individuais e coletivas, tais como, três Premier Leagues, uma Liga dos Campeões, uma FA Cup e ainda o título de melhor marcador da Premier League e da Liga dos Campeões em 1998-1999.
O talento do trinitino-tobaguense era incomensuravelmente superior ao da sua seleção nacional. Nesse sentido, os resultados coletivos nunca corresponderam à mais-valia individual de Yorke. Porém, o destino guardou o melhor para o fim e, já nos últimos suspiros da sua carreira futebolística, Smilling Assassin contribuiu decisivamente para a primeira qualificação da Trinidad e Tobago para um Mundial, mais concretamente, o de 2006 onde viria a capitanear e participar em todas as partidas.
A principal proeza de Dwight Yorke não foi conquistada dentro das quatro linhas. O maior mérito de Smilling Assassin foi ter conseguido colocar no mapa do futebol um pequeno estado insular com pouco mais de um milhão de habitantes que brotou do amor pela liberdade.
Wynton Rufer (Nova Zelândia)
Escondido no extremo oriente do hemisfério sul, num país insular onde a forma geométrica desportiva mais apreciada é oval, nasceu o melhor jogador de sempre da Oceânia.
Wynton Rufer, filho de pai suíço e mãe maori, é um nome incontornável da história do futebol neozelandês, estabelecendo-se como o primeiro e o único compatriota de Russell Crowe a singrar na Europa do futebol.
Os pergaminhos futebolísticos de Rufer desenvolveram-se na capital Wellington, até este tentar a sua sorte no Velho Continente, primeiramente e sem sucesso em Inglaterra e, de seguida, na familiar Confederação Helvética.
Após 7 temporadas maioritariamente em Zurique, Rufer mudou-se para o Werder Bremen onde iria brilhar a grande nível e colocar o seu nome nas bocas do mundo. Entre 1989 e 1995, o neozelandês deu definitivamente a conhecer à Bundesliga e à Europa a sua frieza goleadora, a sua técnica requintada e o seu arsenal de armas multifacetado capaz de fazer inveja a qualquer potência militar. O contributo de Wynton Rufer durante este período foi absolutamente vital para que o Werder Bremen conquistasse uma Bundesliga, duas DFB-Pokal (taças da Alemanha) e uma Taça UEFA, o que motivou uma enorme admiração da afición pelo atacante neozelandês.
Ao serviço da sua nação, Rufer não deixou os seus créditos em mãos alheias e, além de se ter estreado com apenas 17 anos pela seleção A, o goleador neozelandês marcou o golo decisivo frente à China que qualificou a Nova Zelândia pela primeira vez para um Mundial de futebol.
Os feitos de Rufer são ainda hoje um motivo de forte inspiração para milhares de jovens neozelandeses que, desafiando a forte tradição da oval no território descoberto por Abel Tasman, procuram um dia igualar ou superar as conquistas do melhor jogador neozelandês de sempre.
Ryan Giggs (País de Gales)
26 anos de Manchester United. 43 anos de vida dedicados ao País de Gales. O mago galês de Canton é talvez um dos últimos rostos de uma geração de futebolistas irreplicáveis assentes em cânones como o low profile, a lealdade clubística e a entrega impreterível aos desígnios da sua seleção.
A formação de Ryan Giggs até pode ter sido segmentada entre os 2 principais emblemas de Manchester, no entanto, toda a sua carreira sénior foi desenvolvida ao serviço dos reds, o que fez com que o galês se tornasse figura de proa do sucesso desportivo recente do clube e personagem transversal a várias equipas memoráveis do Manchester United.
Dono de um pé esquerdo puramente lírico e de uma postura em campo digna de um chevalier, Giggs foi certamente um dos melhores extremos esquerdos da história do futebol mundial, algo perfeitamente ilustrado pela quantidade extraordinária de títulos, consagrações e homenagens que o galês acumulou ao longo de toda a sua longa carreira.
Dificilmente, Manchester irá encontrar alguém num futuro próximo que represente tão bem a cidade e o United como o galês criado nos arredores de Cardiff. Nem sempre o karma colabora estritamente com o mérito futebolístico e a geografia, nesse sentido, uma das ocorrências mais ingratas do futebol moderno é o facto de Ryan Giggs nunca ter pisado os relvados de uma grande competição de seleções com a camisola da sua pátria.
O sadismo dos deuses do futebol só ficou definitivamente consumado quando em 2012, Ryan Giggs envergou a camisola da seleção olímpica da Grã-Bretanha em plenos Jogos Olímpicos de Londres.
O futebol edificou-se como a Torre de Babel do mundo moderno, uma espécie de conferência de embaixadores não politicamente corretos disseminados pelos quatro cantos do mundo.
É neste contexto é "obrigatório" fazer uma menção honrosa a algumas personalidades cujo talento futebolístico catapultou o seu país para uma nova realidade desportiva, social e política, tais como, Jorge Gonzalez (o boémio e genial jogador de El Salvador), Jari Litmanen (o elegante e goleador finlandês), Rabat Madjer (o mágico e irreverente homem-golo da Argélia), George Best (o talento mais desconcertante e controverso norte-irlandês), Gheorghe Hagi (o eterno ídolo e mago da bola na Roménia) ou Stéphane Chapuisat (o profícuo e assertivo avançado suíço).
Apreciador insaciável da heterogeneidade do Desporto, Francisco da Silva é atualmente editor da Liga Ekstraklasa para o Fair Play.
O Fair Play é um projecto digital que se dedica à análise, opinião e acompanhamento de diversas ligas de futebol e de várias modalidades desportivas. Fundado em 1 de Agosto de 2016, o Fair Play é mais que um web site desportivo. É um espaço colaborativo, promotor da discussão em torno da actualidade desportiva.
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