900 pessoas, 900 interrogatórios. A notícia foi avançada sexta-feira pelo ‘Guardian’. O jornal britânico explica que a Associação Japonesa de Sumo preparou um painel externo para interrogar os 900 membros da associação, incluindo lutadores e veteranos do desporto. Também os antigos membros da associação vão ser convidados a contar as suas versões de incidentes que possam ter ficado por denunciar.
As investigações surgem depois de uma série de problemas terem abalado o mundo do sumo. No final do ano passado, o organizado mundo do sumo japonês foi abalado por um escândalo: um dos grandes campeões da modalidade foi acusado de quebrar uma garrafa de cerveja na cabeça de outro lutador. Em lágrimas, Yokozuna Harumafuji (na imagem) anunciou que se ia reformar antecipadamente.
"A minha conduta não foi digna de um Yokozuna", declarou um emocionado Harumafuji numa conferência de imprensa em Fukuoka (sudoeste do país), antes de se curvar profundamente como pedido de desculpa.
De 33 anos e nacionalidade mongol, o grande campeão, que alcançou o título de Yokozuna em 2012 e ganhou cinco vezes a prestigiosa Taça do Imperador, afirmou que assume "a total responsabilidade" pelo sucedido.
Durante um encontro de lutadores regado a álcool em outubro de 2017, Harumafuji andou à briga com outro lutador sumo mongol, Takanoiwa. O rival acabou no hospital com uma fratura craniana e uma concussão cerebral.
Pouco depois de a notícia sair para fora do círculo do sumo, a equipa de Takanoiwa apresentou queixa e logo em novembro a polícia abriu uma investigação, assim como a Associação Japonesa de Sumo.
Harumafuji negou ter quebrado uma garrafa de cerveja na cabeça de Takanoiwa, mas confessou que o socou e golpeou com o comando de uma máquina de karaoke. O Yokozuna explicou que perdeu a cabeça quando Takanoiwa, de 27 anos, começou a escrever mensagens por telefone à namorada no momento em que Harumafoji lhe dava uma reprimenda por uma atitude errada.
O escândalo teve enorme repercussão no Japão. Apesar de previsível, o anúncio do fim da carreira desportiva de Harumafuji chegou a disputar a primeira página dos jornais do país com mais um teste norte-coreano.
O assunto reabriu as cicatrizes dos bastidores do sumo, que já contou nos últimos anos com acusações de abusos físicos extremos, casos de drogas, apostas ilegais e ligações ao mundo do crime organizado, e precipitou o inquérito às sombras da prática tradicional.
O caso de Harumafuji não é único. Um outro lutador encheu as letras gordas da imprensa japonesa depois de — alegadamente —, apesar de não ter carta, ter tido um acidente com o carro que conduzia.
Também um árbitro desta milenar modalidade se viu envolvido num escândalo de assédio sexual. Shikimori Inosuke, de 58 anos, era o árbitro melhor classificado no sumo. Abandonou a associação japonesa da modalidade depois de ter sido acusado de beijar repetidamente um árbitro adolescente e de lhe tocar no peito depois de se embriagar num torneio regional.
Antes, um mestre foi condenado a seis anos de prisão após a morte, em 2007, de um jovem aprendiz, que sofria bullying dos mais velhos, supostamente para fortalecê-lo.
O caso Harumafuji lembra o de outro Yokozuna mongol, Asashoryu, que terminou a carreira em 2010 depois de ter sido acusado de agredir um homem à entrada de uma boate em Tóquio, capital do Japão.
Os campeões de sumo são endeusados neste país asiático, mas devem teoricamente apresentar uma conduta exemplar, inclusive fora do "dohyo", o ringue deste desporto de luta tradicional, cujas origens remontam a mais de dois mil anos e que conserva muito dos rituais religiosos shinto.
O caso Harumafuji é "extremamente lamentável", disse em novembro último o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, durante uma sessão parlamentar, prometendo "medidas apropriadas" do ministro do Desporto quando a investigação sobre estiver concluída.
"As pessoas comprometidas com o sumo devem ter a consciência de que se trata do desporto mais antigo do Japão. Devem atuar com responsabilidade para evitar que esta violência aconteça novamente, e nunca trair as expectativas dos japoneses", completou o ministro da Educação e Desporto, Yoshimasa Hayashi.
O agora anunciado painel de investigadores vai ser liderado pelo procurador-geral Keiichi Tadaki, que, citado pela Kyodo News, diz que o objetivo da investigação é “preservar o sumo”. E para isso, “é importante conhecer a realidade” deste desporto de combate.
A degradação da reputação do sumo chegou ao imperador Akihito. Conscientes dos problemas, decidiram não estar presentes no importante torneio de ano novo, na capital nipónica. Foi a primeira vez em quatro anos.
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