Dizendo estar a dar esta entrevista porque "era altura de dizer alguma coisa" perante a controvérsia em seu redor, Cristiano Ronaldo admitiu logo no início da conversa que esteve para ser contratado pelo Manchester City aquando da sua saída da Juventus no verão de 2021, mas que o seu passado no Manchester United falou mais alto.
Desafiado por Morgan a comentar quanto ao rumor de que quase assinou pelos rivais de Manchester antes de regressar aos Red Devils, Ronaldo disse que "esteve perto [de acontecer]".
No entanto, recordando o seu passado no Manchester United, o português disse que "o seu coração e o sentimento" pelo clube fez a diferença, assim como Alex Ferguson, que o treinou na sua primeira passagem pelo clube inglês.
"Essa foi a chave, foi a diferença naquele momento. Mas eu não posso ser verdadeiro se não admitir que estive próximo do Manchester City. Mas eu fiz uma escolha consciente. Não me arrependo dela", continuou Ronaldo, dizendo que falou com Ferguson antes de tomar uma decisão.
"Ele disse-me 'É impossível que tu vás para o Manchester City' e eu respondi 'OK, chefe'", revelou Ronaldo, entre risos.
Um clube "parado no tempo"
No segmento seguinte da entrevista, Ronaldo e Morgan falaram do jogo de regresso em Old Trafford, quando marcou dois golos na vitória por 4-1 sobre o Newcastle, com a mãe, Dolores Aveiro, a chorar de felicidade no estádio. "O sentimento foi incrível", diz, lembrando que na semana anterior tinha sido recebido com a ideia de que "estava de volta a casa".
No entanto, foi aí que parou de lembrar o passado de forma positiva, abordando um dos temas que já tinham sido revelados na antevisão a esta entrevista, a estagnação do Manchester United enquanto clube.
"Quando assinei, achava que tudo tinha mudado, porque se passaram 13 anos. Pensava que tudo ia ser diferente, a tecnologia, as infraestruturas, tudo. Mas fiquei surpreendido pela negativa porque vi que estava tudo na mesma", diz, lamentando também a "instabilidade" que viu no clube no seu regresso.
"Parece que pararam no tempo. Eu pensei que quando me contrataram, a mim ao [Jordan] Sancho e ao [Raphael] Varane, que as coisas iam voltar a ser como eram no Manchester, mas o Alex Ferguson deixou um grande vazio no clube", apontou. Comparando o seu regresso às suas passagens pelo Real Madrid e a Juventus, Ronaldo diz que esses dois clubes estão muito mais avançados "em termos tecnológicos, especialmente no que toca a treinos, nutrição e condições de recuperação física. O Manchester devia estar a par desses clubes, mas ficou para trás, na minha opinião."
"Desde que Sir Alex [Ferguson] foi embora que não houve evolução no clube, nada mudou” concluiu, sublinhando que "o progresso foi zero".
"Não entendo os treinadores que se acham a última Coca-cola no deserto"
A entrevista prosseguiu com o tema a centrar-se em Ralf Rangnick, o treinador austríaco contratado para substituir Ole Gunnar Solskjaer e assumir em simultâneo o papel de diretor desportivo, considerando-o um erro de casting.
“Se nem sequer és treinador, como podes ser o líder do Manchester United? Nunca tinha ouvido falar dele”, declarou sobre o austríaco. Ronaldo apontou também o dedo à direção, considerando "ridícula" a contratação. "Quando despedes o Solskjaer, tens de trazer um treinador de topo, não um diretor desportivo", atirou.
O português frisou na entrevista que tratou sempre Rangnick como seu superior, tal como fez com todos os treinadores na sua carreira. "Eu tratei-o como meu treinador, porque se alguém assume a posição, temos de encarar as coisas assim", afirmou Ronaldo, acrescentando, porém, que no fundo nunca o viu como treinador devido a diferenças na forma de encarar o trabalho.
Perante as críticas que o austríaco lhe dirigiu publicamente, Ronaldo devolveu que não entende "estes novos treinadores a aparecer, que acham que são a última Coca-cola no deserto" e querem "inventar".
Em sentido inverso, o português defendeu o treinador norueguês Ole Gunnar Solskjaer, que foi seu companheiro de equipa do português entre 2003 e 2007 e seu treinador no início da temporada passada, acabando por ser despedido em novembro de 2021, após uma goleada em Watford (1-4), da 12.ª ronda.
“Adoro-o e é uma grande pessoa. Aquilo que guardo é o coração das pessoas. Enquanto treinador, não conseguiu o que queria. É difícil assumir [o cargo de treinador] após Alex Ferguson, mas fez um bom trabalho. Talvez precisasse de mais tempo, mas vai ser bom treinador. Foi um prazer trabalhar com ele, ainda que durante um período curto”, avaliou.
Na sequência deste tema, Ronaldo lamentou ainda que os jogadores jovens não sigam os conselhos dos colegas mais velhos. "Eles ouvem, mas entra por um ouvido e sai pelo outro", disse, considerando que os atletas mais novos não são como os da sua geração. "É mais fácil para eles, não sofrem tanto, mas não podemos culpá-los, é parte da vida", continuou, apesar de admitir alguma tristeza.
"Se eles têm os melhores exemplos à sua frente e não tentam copiá-los um pouco, é para mim estranho, porque quando tinha 18, 19, 20 anos, estava sempre a tentar ver o que os melhores jogadores faziam, como o [Ruud] Van Nistelrooy, [Rio] Ferdinand, Roy Keane e o [Rio] Giggs. É por isso que eu tive o sucesso que tive e esta longevidade. Porque trato do meu corpo, da minha mentalidade, da minha cabeça — e aprendi-o com estes tipos", declarou.
No entanto, Ronaldo deixou palavras de apreço por um dos colegas de equipa portugueses.
“Quem mais admiro a nível de força mental? É uma questão difícil. Por exemplo, se me perguntar pelo que vejo no Manchester United, menciono provavelmente Diogo Dalot. É jovem, mas é inteligente e muito profissional. Não duvido de que vai ter longevidade no futebol. Temos mais alguns como o [Lisandro] Martínez, o Casemiro, que está nos 30 anos, mas digo Diogo Dalot”, confidenciou o capitão da seleção portuguesa, cuja primeira parte da entrevista concedida a um canal televisivo britânico foi hoje divulgada.
Querendo “liderar pelo exemplo”, o vencedor de cinco Bolas de Ouro (2008, 2013, 2014, 2016 e 2017) segue “orgulhoso” por ser a figura pública mais seguida nas redes sociais, comparando-se, em jeito de brincadeira, a “uma fruta que as pessoas querem trincar”.
“Significa muito, pois as pessoas gostam de mim. Para ser honesto, não apenas porque jogo bem futebol, mas o resto é relevante. Tens de ser carismático, encontrar uma boa conexão e ter boa aparência ajuda [risos]. Não sei a real razão, mas penso que sou uma fruta apetitosa, que as pessoas querem trincar. Vamos dizer morango [risos]”, gracejou.
Cristiano Ronaldo advertiu, porém, “ter de lidar com muitos obstáculos” durante as duas décadas vividas no futebol profissional, sobretudo “quando estava na maré de baixo”, defendendo que a “imprensa é lixo, não diz a verdade e está constantemente a mentir”.
“É fácil criticar-me quando queres camuflar outras coisas. A imprensa queria colocar-me na primeira página, porque sabia que ia vender mais. Habituei-me a viver assim. Quando estás na crista da onda não te apercebes de algumas coisas. É por isso que aprecio ter maus momentos para ver as pessoas que estão do teu lado ou quem te critica”, reiterou.
O dianteiro sentiu recentemente essa “negatividade” de antigos colegas de equipa, como Gary Neville ou Wayne Rooney, face ao início atribulado de temporada no Manchester United, três golos em 16 partidas, 10 das quais como titular, num total de 1.050 minutos.
“Nos últimos quatro ou cinco meses, a imprensa criticava-me ainda mais. Às vezes, não percebia o porquê. Até a imprensa portuguesa me criticava muito. Acredito que a inveja fará parte disso. Agora, quero saber das pessoas que gostam de mim e não perco tempo com quem não gosta. Gosto de estar rodeado pelas pessoas que me adoram”, agregou.
Em sentido inverso, Cristiano Ronaldo costumou ter ao lado Rio Ferdinand e Roy Keane, referindo que o ex-defesa inglês o “ajudou sempre”, enquanto o antigo médio irlandês foi “o melhor capitão de sempre”, mas sem querer elogiar ambos “porque falam bem” de si.
“É fácil criticar se não estás lá dentro. Quando estás a trabalhar numa televisão, tens de criticar para ser mais famoso. Eles tiram vantagem, porque não são estúpidos. É difícil e duro quando vês quem esteve contigo no balneário a criticar-te deste modo, mas não vou dormir mal por causa das críticas. Isso não é bom. É um pouco desapontante”, concluiu.
A morte do filho e a carta da família real
Na sequência final desta primeira parte da entrevista com Piers Morgan, foi abordado o tema da morte de um dos filhos de Cristiano Ronaldo, já que um dos dois bebés que esperava com Georgina Rodríguez não sobreviveu ao parto, em abril deste ano.
"Foi provavelmente o pior momento da minha vida desde que o meu pai morreu. Não conseguimos compreender porque é que nos aconteceu isto. Foi muito difícil", disse o português, admitindo a dificuldade de gerir os sentimentos dado que Bella, a sua filha, nasceu saudável. "Tentei explicar à minha família que não sabia como é estar feliz e triste ao mesmo tempo. Uma pessoa não sabe chora ou se ri. Não sabe como reagir", admitiu.
Em 18 de abril, o avançado anunciou “com a mais profunda tristeza” nas redes sociais a morte à nascença de um dos gémeos que esperava com a esposa Georgina Rodríguez, frisando, porém, “alguma esperança e felicidade” com o nascimento de Bella Esmeralda.
Ronaldo revelou também como tentou amparar os seus filhos perante a terrível notícia, principalmente o filho Cristiano, cuja idade de 12 anos já permite explicar as coisas. "Eu tive uma boa conversa com ele. Chorámos no seu quarto e ele ao mesmo tempo compreendeu e não compreendeu, foi confuso para ele", continuou.
“As cinzas estão comigo, tal como as do meu pai. Quero ficar com elas para o resto da vida e guardo-as para mim. Fiz uma capela em casa. Guardo o meu filho e o meu pai. Se falo com eles? Sim, muitas vezes. Ajudam-me a ser melhor homem e melhor pessoa e estão ao meu lado”, partilhou, durante a conversa.
A forma como teve de conjugar o luto e a atividade como jogador, disse, foi particularmente complicada. "Foi muito difícil jogar depois disto. Ainda por cima o futebol é tão rápido, há jogos, treinos, até a seleção nacional, tudo acontece tão rápido que uma pessoa não tem tempo para parar e aperceber-se do que se passa. A Georgina ajudou a dar-me estabilidade", afirmou.
Cristiano Ronaldo regressou aos trabalhos apenas dois dias depois do anúncio da morte, algumas horas volvidas sobre a goleada sofrida pelos ‘red devils’ em Liverpool (4-0), da 30.ª jornada da Liga inglesa, num jogo assinalado pela homenagem dos adeptos ‘reds’.
O avançado aproveitou então para agradecer o apoio público que teve por parte da sociedade inglesa. "Nunca tinha esperado isso. Agora tenho a oportunidade de agradecer à comunidade inglesa", afirmou, revelando ter recebido "uma carta da família real" de condolências.
Uma polémica que está para durar
Esta entrevista vinha a ser esperada com grande antecipação desde que começaram a ser divulgados alguns excertos no domingo, 13 de novembro.
Do que já tinha sido revelado, Ronaldo fala sobre os últimos meses no Manchester United , sobre como se sentiu "traído" e como, admite, não respeitar o treinador.
“Não sei se devia dizer isto, mas não me importa. As pessoas deviam ouvir a verdade: sim, senti-me traído, e senti que algumas pessoas não me queriam cá não só esta época, mas também na última”, declarou o avançado.
Segundo o jogador de 37 anos, “não é só o treinador”, Erik ten Hag, a não querer o jogador no plantel, mas também “dois ou três no clube”, clarificando, depois, que se referia a administradores, reforçando que se sentiu “traído”.
Sobre o ten Hag, Ronaldo diz: “Não tenho respeito por ele porque ele não mostra respeito por mim. Se tu não tens respeito por mim, eu nunca vou ter respeito por ti”.
Confrontado com as críticas que lhe têm sido dirigidas por Wayne Rooney, antigo colega de equipa na primeira passagem pelo clube, Ronaldo disse: "não me compreendo porque é que ele me critica tanto... provavelmente porque já acabou a carreira e eu ainda estou a jogar ao nível mais alto".
Cristiano Ronaldo queixa-se ainda de “falta de empatia” para com ele, quando perdeu um dos filhos no parto de Georgina Rodríguez, nascendo apenas um dos gémeos, e que o clube tenta pintá-lo como “a ovelha negra” do plantel.
O avançado, que ficou de fora dos últimos três jogos dos ‘red devils’, integra os trabalhos da seleção portuguesa, que ‘capitaneia’, de preparação para o Mundial 2022.
Ao todo, Cristiano Ronaldo soma esta época 16 jogos e três golos pelo clube inglês, depois de em 2021/22, época de regresso a Manchester, ter conseguido 24 golos em 38 encontros.
Esta tem sido uma época ‘problemática’ para o ‘astro’ madeirense, que regressou ao United, em que jogou primeiro entre 2003 e 2009, após passagens no Real Madrid (2009-2018) e na Juventus (2018-2021), tendo começado a carreira no Sporting.
No verão, a sua possível saída do clube foi o principal tema de discussão do mercado de transferências e, quando não se concretizou, prometeu que daria uma entrevista para esclarecer o assunto.
Desde então, a sua atuação nos relvados tem sido intermitente, entre a titularidade, o banco de suplentes e a ausência dos convocados, como quando foi afastado dos treinos da primeira equipa por abandonar um jogo ainda a decorrer, tendo-se recusado a ser suplente utilizado.
Com 191 jogos pela seleção principal de Portugal, e 117 golos, junta-lhes 145 tentos pelo Manchester United, em 346 partidas, 450 pelo Real Madrid, em ‘apenas’ 438 encontros, e cinco pelo Sporting, em 31 jogos.
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