Ao cruzar a linha da meta, Feyisa Lilesa cruzou os pulsos sobre a cabeça como se tivesse as mãos atadas. O protesto do etíope é em defesa da etnia Oromia, cujas recentes manifestações foram reprimidas com violência pelo governo.
"Realizei este gesto por causa atitude do governo do meu país contra a etnia Oromia. Tenho familiares na prisão no meu país. Se falas de democracia matam-te. Se eu voltar à Etiópia, talvez me matem ou me prendam", disse Lilesa, que pertence também a este grupo étnico, citado pela AFP.
Números da Human Rights Watch apontam para 400 mortos e milhares de detidos em junho na Etiópia, altura em que o governo tentou travar os protestos realizados por membros da etnia Oromia, que lutam desde novembro de 2015 contra a perseguição do governo.
Os membros da etnia Oromia manifestam-se regularmente desde esta data contra um projeto de apropriação de terras. Várias dezenas de manifestantes foram mortos também a 7 e a 8 de agosto, na região sul do país.
"É muito perigoso viver no meu país. Talvez eu tenha que ir para outro país. Protestei por todas as pessoas que, em qualquer lugar do mundo, não têm liberdade", acrescentou Feyisa.
Feyisa Lilesa venceu a medalha de prata na maratona masculina, que correu em 2:09:54. A medalha de ouro foi para Eliud Kipchoge, do Quénia, que fez o desafio em 2:08:44. Na terceira posição, com a medalha de bronze, ficou o norte-americano Galen Rupp, que completou a prova em 2:10:05.
O gesto do atleta etíope traz à memória a saudação do “black power”, protagonizada por Tommie Smith (ouro) e John Carlos (bronze) na cerimónia de entrega de medalhas dos Jogos Olímpicos de verão de 1968, no México.
No momento de receber as medalhas pela prova masculina de 200 metros, Tommie Smith e John Carlos subiram ao pódio, receberam as medalhas e, ao som do hino, ergueram o braço, de punho fechado, com uma luva preta.
O gesto contra a segregação racial valeu-lhes a expulsão da comitiva norte-americana e da aldeia olímpica.
Em entrevista ao The Guardian, em 2012, John Carlos disse que o gesto pretendia dizer: “Mundo, os EUA não são como vocês pensam para negros e outras pessoas de cor. O facto de estarmos com os EUA ao peito não significa que está tudo bem e estamos a viver à grande”. “Há algo de terrível em ver cinquenta mil pessoas ficarem em silêncio, é como estar no olho de um furacão”, contou. Depois vieram os insultos.
“Não tinha noção que o nosso momento no pódio seria eternizado. Não fazia ideia do que íamos enfrentar. Eu não sabia ou consegui perceber, nesse preciso momento, que a trajetória das nossas jovens vidas ficaria irremediavelmente mudada”, acrescentou.
O ex-atleta referia-se ao facto de ter sido marginalizado após o protesto olímpico. Trabalhou como segurança de um clube noturno e como auxiliar numa escola. Sem dinheiro, certa altura teve de se desfazer dos móveis para os usar como lenha para aquecer a casa. A pressão e a falta de dinheiro começaram a atingir a sua família. O casamento desmoronou.
Mais de quatro décadas depois, o The Guardian encontrou-o na escola secundária de Palm Springs, onde trabalhava como conselheiro, um emprego que dizia adorar.
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