Em meados de 2023, meia dúzia de meses antes do Open da Austrália, tinha perto de 900 euros na conta bancária. Recuperava de lesões e frustrações e ressacava de uma queda, no ano anterior, no ranking ATP para baixo da linha dos 500.

Na época passada começou, paulatinamente, a subir até ao lugar 138.º da hierarquia, com que viria a fechar a temporada. No início do ano 2024, subiu um degrau e acumulou prémios de pouco mais de mil e quinhentos euros, de acordo com os dados do principal circuito mundial de ténis.

Prescrito pela federação indiana de ténis que não lhe atribui vaga regional de wildcard para entrar no Open da Austrália, por não ter jogado frente ao Paquistão na Taça Davis, Sumit Nagal “pagou” a entrada no qualifying no primeiro Grand Slam da temporada 2024.

Antes de pisar os courts de Melbourne Park, o tenista indiano confessou, em setembro passado, ter investido todas as poupanças dos prize-money (de acordo com o ATP, 670 mil euros acumulados em jogos singular e pares ao longo da carreira de 10 anos), salários e apoio da Maha Tennis Foundation e da IOLC (empresa petrolífera indiana) para manter vivo o sonho de continuar no ATP, principal circuito de ténis a nível mundial.

Sem patrocínios, a treinar numa academia na Alemanha, em Peine, com a ajuda de amigos, bastaram três jogos na fase de qualificação e uma passagem à segunda ronda (onde seria eliminado) para Sumit Nagal, tenista indiano de 26 anos, acrescentar à conta bancária cerca de 150 mil euros, valor atribuído aos jogadores que atingem esta fase do Grand Slam.

Um valor arrecado num só torneio, cinco encontros (13 sets) e pouco mais de 10 horas de raquete na mão, que lhe garante mais dinheiro do que a temporada passada toda, durante a qual arrecadou 106 mil euros em prémios monetários. Em termos de comparação, em 2020 encaixou 140 mil e no ano seguinte atingiu o pináculo das receitas, 160 mil euros.

A eliminação nos courts de Melbourne Park, dará entrada para as estatísticas do ATP e do Happy Slam. O conto de fadas vivido por Nagal, esse, entra para a história do ténis mundial.

“Senti que estava a ter a minha segunda oportunidade no ténis”

Saltou para as bocas do mundo ao bater no primeiro encontro do quadro principal de singulares o n.º 25 ATP, Alexander Bublik, cabeça-de-série número 31, em dois sets, pelos parciais de 6-4 e 6-2.

“Obviamente, não vou chorar neste momento, mas ao mesmo tempo ainda não absorvi tudo totalmente”, disse após afastar o cazaque, Bublick, naquela que foi a sua segunda vitória da carreira num quadro principal de torneios de Grand Slam, três anos e meio depois o ter feito no US Open 2020, onde foi afastado por Dominic Thiem. Um ano antes, no mesmo torneio, tinha sido eliminado à primeira ronda pelo multicampeão de Grand Slams, Roger Federer.

“Às vezes, temos um ano bom, às vezes um ano mau. No ano passado foi provavelmente um dos melhores anos, (de ter apenas) 900 euros (valor na conta bancária), não entrar em torneios nos primeiros meses e depender de wild cards até terminar entre os 130 primeiros do ranking”, acrescentou à imprensa no recinto de Melbourne Park.

As dificuldades financeiras de Sumit Nagal não são tema novo. Em 2019, o tenista que assumiu em 2023 gastar perto de 100 mil euros/ano com despesas de viagens, treinador e fisioterapeuta, confessou ter apenas 6 dólares na carteira durante uma viagem entre o Canadá e a Alemanha após um torneio. Valeu-lhe a ajuda de Virat Kohli, profissional de críquete cuja fundação o “apoia” desde 2017.

“De onde comecei, fiquei muito orgulhoso de ter mais uma oportunidade de estar aqui, de me qualificar e disputar a segunda ronda. É uma sensação boa”, caracterizou.

Após a vitória frente ao tenista do Cazaquistão, escreveu história como o segundo indiano a passar a uma segunda ronda de um quadro principal em singulares ao bater um tenista do top-50, 35 anos depois de Ramesh Krishnan eliminar Matts Wilander, em 1989, no Open da Austrália.

“Trabalhei muito com a equipa e estou orgulhoso de mim mesmo por ser capaz de lidar com as coisas que passei e ter tido o desempenho que aspiro”, sublinhou. “Quero usufruir do momento, não ter pressa, desfrutar com meu treinador e conversar. Talvez coma um hambúrguer e termine a noite”, frisaria o tenista indiano.

A viver a alegria do presente, não esqueceu o renascimento em 2023. “Senti que estava a ter a minha segunda oportunidade no ténis. Coloquei tudo no ténis, tentei tudo. Tive provavelmente um dos melhores seis a sete meses, de abril a novembro”, assumiu, citado pelo site do ATP Tour.

“Cheguei a Melbourne a 26 de dezembro para me preparar para o Slam porque esse era o maior objetivo e senti que tudo valeria a pena”, reforçou Nagal. “É um sentimento muito emocional e de orgulho depois de tudo. Emocionante porque há 12 meses tinha muitos pensamentos negativos. Consegui reverter a situação e dar-me outra oportunidade para fazer o que quero”, acrescentou.

“Estou a aproveitar o momento, é claro, porque temos de aproveitar”, disse o jogador de 26 anos depois de vencer Bublik em dois sets. “Não dura para sempre. No ténis nunca se sabe o que acontece a seguir”, atestou.

Inspirar através do ténis um país cujo pedigree desportivo mora no críquete

Um dia de descanso e nova partida, na manhã desta quinta-feira. Juncheng Shang, 140.º ATP, da República Popular da China, um wildcard vindo igualmente do qualifying, num duelo entre representantes dos dois países mais populosos do mundo.

Sumit Nagal foi batido pelo jovem tenista chinês ao fim de 2h50m pelos parciais de 6-2, 3-6, 5-7 e 4-6. Não engordou mais a conta bancárias, mas, acima de tudo, caiu por terra a possibilidade de defrontar Carlos Alcaraz, n.º 2 ATP, oportunidade “sem preço”.

Para a posteridade, para além do estrelado mediático, fica o desejo manifestado aos jornalistas após a vitória na primeira ronda do Open da Austrália por parte deste tenista oriundo de um país de 1,4 mil milhões de pessoas cujo pedigree desportivo está mais inclinado para o críquete.

“No passado tínhamos muitos jogadores a jogar nos Slams. Sinto que estamos a falhar nos últimos anos, e o meu objetivo é mudar isso nos próximos anos”, afiançou. “Quando parar de jogar ténis, espero conseguir impactar no país e que possamos mudar o sistema e ter jogadores em singulares”, remataria na hora do triunfo.