#DiárioDaRússia: Oito coisas que aprendemos a andar de táxi na Rússia

Este artigo tem mais de 6 anos
Os relatos são muitos, as histórias ainda mais, assim como os possíveis perigos. A viagem de táxi é uma aventura e na Rússia há sempre espaço para o inesperado ou caricato. Esta é a nossa experiência dentro do famoso carro amarelo (ou cinzento, preto, azul e branco) em Moscovo e arredores, em época de Mundial.
#DiárioDaRússia: Oito coisas que aprendemos a andar de táxi na Rússia

Visitar qualquer país tem implícito, seja ele qual for, pensar não apenas em chegar lá, mas em como nos vamos deslocar quando lá chegamos. Se o país for a Rússia, este planeamento envolve mais que uma certa dose de cautela. Não é exagero. É uma aventura que pode ser perigosa. Qualquer site de viagens ou blog da especialidade descreve situações em que os “gipsy cabs” (pessoas que fazem o serviço de transporte nos seus veículos particulares) ou taxistas que levaram valores exorbitantes por uma viagem que normalmente seria barata; noutros casos, revelam mesmo assaltos a turistas. A situação é tão séria que até no Aeroporto de Domodedovo, em Moscovo, há um sinal de grandes dimensões que alerta para situações de “fraude” em táxis, assim como o facto de a segurança não estar garantida caso resolva entrar num deles.

Quando chegámos ao país anfitrião do Mundial 2018 já sabíamos de algumas coisas, e nunca descurámos a cautela — se pecámos, pode ter sido por excesso. Porque era o que se lia: "andar de táxi na Rússia envolve várias e imensas cautelas". Fomos ver o que dizia a Internet. E quase todos os sites recomendavam que se utilizassem as aplicações oficiais como a Yandex, Taxi, Gett ou Uber. Tudo o resto, não era a aconselhável, mas, para quem fosse corajoso o suficiente para o fazer, convém que leve na bagagem algumas palavras na língua local porque vai ter que negociar o preço.

Esticar o braço e pedir um táxi é um gesto quase universal e a Rússia não é exceção, apesar de não ser o mais comum. No entanto, quando acontece, o que se segue é uma negociação entre condutor e cliente que poderá não ter o melhor desfecho para o segundo. Não é invulgar ler-se por fóruns como o Tripadvisor, entre outros, dicas no sentido de não aceitar entrar num carro desconhecido ou que não tenha sido arranjado pelos serviços existentes em hotéis ou no aeroporto. Até aqui, não é assim tão incomum. Mas, nos mesmos fóruns, encontram-se também outro tipo de recomendações, como por exemplo de não aceitar o argumento do taxímetro (ainda que não tenhamos entrado num único táxi que tivesse um) e ter sempre um pé fora do carro. Porque é preferível gastar 50 euros numa deslocação do que ser apanhado numa situação em que o taxista cobra uma soma demasiado elevada e que sabe que à partida o cliente não tem como pagar em rublos (estas situações por norma acontecem à saída do aeroporto e/ou de hotéis).

Os esquemas de fraude são comuns, especialmente entre turistas. Na nossa experiência, não passámos até aqui por qualquer um destes problemas — a dificuldade tem sido mesmo a comunicação e a própria localização no GPS, que muitas vezes está errada. Na Rússia, Yandex e Uber pertencem ambas ao grupo da Yandex, numa empresa ainda sem nome. Portanto, não adianta muito comparar preços entre uma e outra porque vão, segundo a nossa experiência, bater quase sempre num valor idêntico. Os carros também são os mesmos, pois tanto aparece um táxi da Yandex quando utilizamos a app da Uber, como a situação inversa.

O veredicto

A verdade é que temos passado imenso tempo dentro de táxis. Apesar do nosso percurso principal ser feito de comboio e metro, os primeiros seis ou sete quilómetros até à estação são feitos de carro. Não tendo qualquer registo dos males maiores para que alertam sites sobre a Rússia, há um tema que tem sido recorrente connosco: recibos. Se for à Rússia e conseguir encontrar um condutor que passe recibo, não deixe de nos dizer. É que pedimos sempre e é raro ouvir outra coisa que não seja “Nyet, nyet” e um abanar de cabeça negativo.

Tem, no entanto, sido nos táxis que temos aprendido várias coisas e são essas histórias que hoje partilhamos. Não lhes vamos chamar lições, porque não o são. Vamos antes dizer que são algumas curiosidades sobre o que é andar de táxi na Rússia:

1) Hyundai Solaris é marca que domina o espaço automóvel. Em Kratovo, já houve dias em que das quatro viagens de táxi feitas, todas 'calhavam' em carros da marca coreana. Pode ser que exista algum acordo local com a marca, pode ser apenas uma estratégia muito bem sucedida da Hyundai por aqui. A verdade é que parece muito difícil encontrar outro carro para nos levar que não seja o Solaris de caixa automática. São bons, confortáveis e fazem o seu trabalho. Nada contra. No entanto, ainda mantemos a esperança de nos virem buscar num Lada.

2) Os condutores de táxi gostam muito (muito mesmo) de música alta. Por alta, queremos dizer que as colunas tem de estar a bufar decibéis que se fazem sentir e garantem estremecimento corporal durante a viagem. Na amostra que podemos usar do nosso transbordo diário, é justo aferir que a maioria prefere música eletrónica. Tem que ter ritmo - parece que o carro não anda se não for desta forma.

3) Generosa oferta de líquidos. É verdade. Sim, bebem enquanto conduzem, mas não álcool. Por norma bebem um refrigerante e oferecem sempre. Pegam na garrafa ou latinha, dão uma valente golada e de seguida oferecem aos passageiros. De início, estranha-se. Ao fim de quinze dias aceitamos que é tão somente uma espécie de hospitalidade cultural automobilística.

4) Quando se 'apanha' um táxi, não é de estranhar se o condutor parar a meio da viagem para tratar de outro assunto qualquer. Já nos aconteceu ter que vir de madrugada de Moscovo para Kratovo (entre as 00h00 e as 05h00 não há comboio suburbanos) e a meio da viagem o condutor sair para comprar tabaco e 1,5L de Ice Tea. O cliente espera um bocadinho. E tem por quase garantido que o condutor vai propor partilhar o que comprou.

5) Tão comum quanto o refrigerante, é o condutor fumar enquanto guia. Faz parte. Há até quem fume com a mão esquerda e enquanto guia e consulta o GPS com a direita. Também não são os maiores adeptos de cinto de segurança. Na esmagadora maioria dos casos é normal ver-se uma espécie de moeda das que se usam em carrinhos de supermercado no lugar onde deveria encaixar o cinto. Com o passar do tempo e com o trânsito que existe, dia-a-dia, a situação vai parecendo normal.

6) Se na rodovia existir espaço para três carros, mas efetivamente o leitor pensar que só cabe um, tenha a certeza que, por exemplo, numa rotunda ou entroncamento, vão estar lá três carros. Esqueça o que poderá dizer o código da estrada: a realidade é outra e a agressividade na condução também.

7) É frequente não ter táxis disponíveis nas aplicações e estar a olhar diretamente para 20 carros à nossa frente. Isto, caro leitor, acontece quase todos os dias à boca das estações de comboios, especialmente, em Moscovo. É quase um suplício querer apanhar um carro para fazer uma viagem curta de dez minutos e não ter quem nos leve, estando tanto carro à mercê dos seus olhos. Aparentemente, mais vale esperar por um cliente que não aparece do que por outro que quer pagar alguma coisa. Em três ou quatro situações, foi o que aconteceu usando a Yandex, a Gett e por fim a Uber. Pedíamos uma viatura para nos levar do hotel em Kratovo para a estação que fica a seis ou sete quilómetros, e nada. Truque: pedir Uber sem destino. Apareceu sempre pouco tempo depois do pedido. E muito provavelmente acabou por fazer uma viagem que não queria fazer.

8) Falámos das dificuldades, falemos do que corre bem. Se puderem ajudar, ajudam. Se o GPS funcionar mal (como quase sempre acontece, por muito que a Google ou a Yandex digam que se está no local correto) e o local de destino não for aquele que deram ou que está no site do local para onde se pretende ir, preocupam-se sempre connosco e procuram levar-nos onde era suposto. E tentam comunicar. Sempre em russo, claro. Os cinco primeiros minutos vão envolver pela certa Cristiano Ronaldo. É garantido.

P.S.: Se vai a Moscovo num futuro próximo assistir a um jogo do Mundial, vá com atenção e preste atenção. E cuidado. Muito cuidado com os cavalos. Os vídeos na Internet sugerem que o animal local e perigoso é o urso pardo, mas a polícia em Moscovo gosta manter a ordem de forma tradicional, ou seja, montada em cavalos. Por norma, em dias de jogo, à boca das estações do Metro existe um cordão policial que faz uma espécie de escolta, quase como uma caixa dos espectadores, até que estes se encontrem dentro da estação. Quando assim for, tenha cuidado: se vir o animal, que é bem bonito, a abanar muito a cabeça na sua direção, procure afastar-se. Porque o cavalo pode querer brincar consigo e tentar dar-lhe uma dentada. Acredite, é conselho de amigo. Este que assina sabe da experiência na primeira pessoa (ainda que tenha só trilhado a pele e não tenha efetivamente mordido).


Diário da Rússia é uma rubrica pela voz (e teclas) de Abílio Reis e Tomás Albino Gomes, equipa do SAPO24 enviada à Rússia para fazer cobertura do Mundial. Um diário que é mais do que futebol, porque a bola não se faz só de bola, mas também das pessoas que fazem a festa. Acompanhe a competição a par e passo no Especial "Histórias de futebol em viagem pela Rússia".

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