Ricardo Fonseca é um dos nomes incontornáveis do skate em Portugal. Antigo profissional, pentacampeão nacional de street skate, treinador, editor numa revista da especialidade, ajudou a profissionalizar a modalidade enquanto desporto.
Primeiro skater português a alcançar o estatuto de profissional, um dos melhores de sempre em Portugal, reconhece, sem falsas modéstias, que, antes da sua aparição, muitos foram “melhores” que ele. “Mas os tempos eram diferentes”, diz, sem papas na língua o atual júri.
Imortalizado com o nome gravado numa tábua, viveu num tempo em que não se vivia dentro da bolha da internet e da publicação instantânea no Facebook, YouTube e Instagram de toda e qualquer manobra. O que Ricardo, e outros, fizeram foi partilhado por quem ali estava por perto a ver. Ao resto, chegou por transmissão oral.
Considera-se um homem bafejado pela sorte. “Tive muita sorte naquilo que fiz e queria na altura. Quis muito e consegui algumas coisas. Mas tive sorte pelo meio”, reconhece. “Fui pro de uma marca europeia conceituada comprada por uma gigante internacional, era patrocinado por marcas de roupa, mochilas e relógios”, recorda.
Continuou às voltas com a palavra sorte. “O querer ajuda muito, mas a sorte também. Estava no sítio certo, à hora certa e fui à procura da sorte. A sorte dá muito trabalho”, admitiu em conversa com o SAPO24 durante o Red Bull Lisbon Conquest, prova realizado na capital portuguesa.
O evento citadino, segunda edição do formato, um ano depois da estreia em Paris, juntou a elite internacional e nacional do street skate, entre os quais Gustavo Ribeiro, Bruno Serra (vencedor em Lisboa) e Rafaela Costa, jovem de 16 anos, natural da Maia, cujo sonho é representar Portugal nos Jogos Olímpicos. Mas, até lá, nesta idade, “prefiro ir para a rua do que andar em competição”, murmurou timidamente.
Nada se faz sem esforço e dedicação relembra Ricardo Fonseca. “Se não dedicasse muitas horas do meu tempo, não conseguia. Não foi nada forçado”, garante. “O skate é um desporto de muita dedicação, exige muito, mas é muito gratificante. Quando chegamos a um certo nível parece que sai naturalmente”, explica.
Os anos hardcore
Sentia-se vivo a viver em cima de um skate. “É um jogo emocional e físico, para andar é preciso muita motivação. Batia muito na mesma tecla, treinava muito, andava pelo país todo, Espanha e França”, recupera.
As viagens foram parte integrante do quotidiano. “Estava sempre a viajar. O meu pai trabalhava numa companhia aérea, um grande amigo meu, o “França” (Francisco Lopes), a mãe era assistente de bordo, o Carlos Vieira, idem. O meu pai pagava as viagens e descontavam-lhe no ordenado”, sorriu.
Começou a ganhar asas nas competições no estrangeiro (Open Europeu) e passou a ser conhecido fora de portas. Não se recorda dos anos de competição neste circuito. “Deve ser das coisas que comia na altura, tenho aqui uma falha de memória”, gracejou. “Foi neste século, tinha vinte e poucos anos estava a estudar Biologia na Universidade Lusófona. Fui até ao 2.º ano e perdia as aulas práticas de sábado para ir a estas provas”.
Hoje, com mais de duas décadas em cada perna, olha para o passado com alguma distância e discernimento. “Faço aqui uma analogia. Na altura, fazia o que fazia e, mesmo que não me pagassem nada, pagava para fazer aquilo. Hoje em dia, nem que me pagassem aquilo que me pagavam quando era muito bem pago voltava a fazer aquilo e ter a vida de tinha”, refere. “Era muito hardcore”, exclama.
Continua no passado. “Éramos marginais, ninguém gostava de nós. A polícia andava atrás de nós quando andávamos pelas ruas. Nesses anos, fui detido, detido e não preso, e fugi muita vez à polícia”, relembra.
Ricardo Fonseca, primeiro profissional de skate em Portugal, reconhece que a rebeldia ficou presa lá atrás. “Hoje estou menos contra o sistema e rebelde. A paternidade mudou-me. É tudo o que eu tenho à minha volta. Decidi assentar quando soube que a minha mulher estava grávida, o miúdo tem 8 anos”, confidencia.
“Agradado por se lembrarem de mim e de me convidarem para ser júri”
A estrutura montada na Praça do Comércio recriou sete locais icónicos de Lisboa. Do banco situado no local onde se realizou o Red Bull Lisbon Contest, ao curb da Ribeira das Naus, passando por uma rampa de escadas na Almirante Reis.
Olha para o recinto onde está a exercer o papel de júri e recorda os passeios, bancos, escadas e corrimões onde deslizava a tábua. “Adorava vir aqui ao coração de Lisboa. Vivia na Pontinha e ia até à Praça da Figueira, Rossio, Terreiro do Paço, Bairro Alto, Miradouro de Santa Luzia, Martim Moniz, os skate parks de Pedrouços e Expo. Hoje sinto-me um estrangeiro na cidade”, atirou.
As quedas e os acidentes fazem parte da vivência de quem desafia a arquitetura urbana. São elas que, muitas das vezes, ditam, mais tarde, outras opções de vida.
“Parei de andar porque magoei-me nas costas, tive um acidente, parti a cabeça em dois sítios. Estive no hospital, em Lyon, fiquei a bater mal a nível psicológico”, sublinhou. Um acidente de alguém próximo catapultou a tomada de decisão para pendurar o skate. “O meu amigo Erick, assistente de bordo, caiu no snowboard, partiu o pescoço e ficou tetraplégico. Hoje está na seleção de râguebi em cadeira de rodas. Mexeu comigo”, admite.
Andar livre e descomprometido em cima da tábua são memórias do passado. Os tempos são agora outros. Trabalha como “picas” no Aeroporto. “Estou no check-in e no handling. Trato de ajudar as pessoas numa situação de stress, de alguém que acorda cedo, faz malas, apanha um táxi, depara-se com um acidente, chega tarde, enfrenta a segurança no aeroporto, as perguntas e o ckeck-in...”, descreve.
A esse trabalho, Ricardo Fonseca acrescenta outro que entra no domínio dos hobbies. “Aquariofilia de Corais. É o meu segundo trabalho”, informa. “É um mundo complexo e tem tudo para dar mal. Em 10 anos tudo pode correr bem, mas um dia corre mal e morreu tudo. Basta 1 a 3 horas sem eletricidade, sem oxigénio ou não ter a salinidade correta. A nível pessoal, financeiro e emocional é um esforço muito grande, mas é uma paixão”, reconhece.
Ofícios à parte, o skate será sempre a maior das paixões e, por isso, “fico agradado por se lembrarem de mim e de me convidarem para ser júri”, rematou.
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