Mal sabia Anthony Lopes, à entrada para o túnel no Estádio da Luz, que o seu nome ia ser alvo de uma comparação com o seu (ex-)colega de seleção. Patrão da baliza dos Goners desde 2013, o luso-francês é um dos atuais símbolos do Lyon e das poucas (boas) constantes que o clube francês tem tido desde que entrou numa seca de títulos em 2009 que dura até hoje (excluindo uma taça de França e uma taça da liga francesa).
Porém, tal como Éder foi instrumental na vitória de Portugal sobre a França no Euro 2016 (só que, nesse caso, como todos sabemos, a frase aplicada ao desfecho do seu remate vitorioso é bem mais corriqueira), também aqui Anthony Lopes providenciou o desenlace da vitória lusitana sobre um adversário gaulês. Mas já lá vamos.
O Benfica caminhava para este terceiro jogo da fase de grupos da Liga dos Campeões com a corda à volta do pescoço. Com zero pontos averbados no seu grupo e com o péssimo historial de jogos que os perseguia (recorde-se: apenas quatro vitórias nos últimos 20 jogos na competição, derrotas inquestionáveis contra Leipzig e Zenit), os encarnados tinham mesmo (MESMO) de vencer esta partida em casa para continuar a disputar o apuramento e teriam nos Goners uma oportunidade soberana para fazê-lo, dada a crise que os franceses atravessam.
Dificilmente algum adepto do Lyon teria antecipado o funesto destino da sua equipa ao início da temporada. Com duas lendas a chegar ao clube — Juninho Pernambucano para diretor desportivo, Sylvinho para treinador — e com bons reforços — Thiago Mendes e Jeff Reine-Adélaïde, entre outros — para suprir a saída de jogadores fundamentais (Ndombélé, Fekir e Mendy), as peças estavam montadas para a equipa tentar disputar o campeonato francês com o PSG. O início foi auspicioso, mas foi fogo de vista.
Depois de duas vitórias no arranque do campeonato, o Lyon só soube perder e empatar. Alguém se esqueceu de avisar Sylvinho que talvez não fosse boa ideia estrear-se no comando técnico de uma equipa com estas responsabilidades e o brasileiro saiu com a equipa perto da linha de água. Para seu lugar entrou Rudi Garcia, nome muito pouco consensual para amenizar uma massa associativa em pânico, menos ainda quando a sua estreia foi com um desperançoso empate em casa.
Só que o campeonato é o campeonato, Champions é Champions. Se o 17.º lugar na Ligue 1 é razão para soar os alarmes, o Lyon vinha para esta partida no topo do grupo graças a única vitória que teve nos últimos dez jogos que disputou, frente ao Leipzig (na Alemanha, ainda por cima). O Benfica tinha todas as condições para vencer, mas apenas se se aplicasse, já que jogaria contra uma equipa que conta com nomes como Depay e Aouar (sem surpresas, dois dos melhores jogadores desta partida).
Para se preparar para o embate, Bruno Lage voltou a mexer na equipa, que não tinha um real desafio há mais de três semanas (com todo o respeito para o Cova da Piedade). Em relação à partida com o Zenit, o técnico encarnado substituiu Jardel por Ferro, Fejsa por Florentino, Pizzi por Cervi e Taarabt pelo homem que provavelmente teria tido as honras de ocupar o título desta crónica, não fosse o azar bater-lhe à porta (de novo).
Recuperado de uma lesão contraída durante o estágio da seleção nacional, Rafa Silva foi chamado à equipa principal e cumpriu, enquanto pôde. No início da partida, o Lyon tentou pressionar, mas foram os encarnados logo a marcar. Perante uma defesa com pés de barro, incapaz de tirar uma bola da zona de perigo (e é por isso, rapaziada, que têm 12 golos sofridos em 13 jogos), Rafa Silva viu-se isolado e atirou para marcar o primeiro, colocando o Benfica pela primeira vez a vencer um jogo nesta edição da Champions
Este, senhoras e senhores, foi o único remate à baliza na primeira parte. A esta triste constatação devem-se alguns factores. O primeiro é que 13 minutos depois do seu golo, Rafa Silva esticou demasiado a perna a disputar um lance e esta cedeu (e, quando estava a recuperar, rasteirou o árbitro da partida sem querer). O Benfica perdia o seu melhor jogador (e assim o foi mesmo tendo jogado apenas 20 minutos) e para o seu lugar entrava Pizzi. O capitão voltou a mostrar dificuldades em impôr-se num duelo europeu, mas o azar e a sorte bater-lhe-iam à porta, entretanto.
De resto, a contribuir para uma primeira parte onde nenhum guarda-redes teve de se sujar esteve o contínuo divórcio de Seferovic com as balizas contrárias — nos dois lances que teve para ampliar a vantagem, num não aproveitou uma falha incrível do central Denayer, noutro atirou num balão por cima a passe de Tomás Tavares (outro grande jogo do miúdo) —, assim como o incrível corte de Grimaldo já na pequena área, a negar remate de Cornet. A selar 45 minutos de muito esforço e pouca inspiração de parte a parte, esteve um livre de Depay para o terceiro anel.
No segundo tempo, tudo mudou e o Benfica pode agradecer a Anthony Lopes a mãozinha que deu para garantir vitória. Apesar de manter uma linha defensiva inexcedível, os encarnados perderam o controlo do meio-campo, com a combinação de Florentino, Gabriel e Gedson a funcionar muito mal, somando passes perdidos e péssimas tomadas de decisão. A piorar a situação, Seferovic vinha-se a ressentir de um lance na primeira parte e teve de sair, dando o lugar para um Carlos Vinícius que pouco melhor fez.
Nisto, o Lyon foi crescendo e encostando o Benfica às cordas, aproveitando o nervosismo que já vem sendo costumeiro nos encarnados nesta época. Em vez de guardar a bola, as águias davam-na aos franceses e estes, apesar dos seus problemas defensivos, foram tomando conta do jogo já que o adversário mal atacava.
Ao fim de dois ensaios, marcaram mesmo. Primeiro, Cornet fez um magnífico trabalho pela direita e deixou a bola para o médio Tousart, que desferiu um potente tiro apenas parado pela cabeça de Ruben Dias. Depois, o mesmo extremo costa-marfinense conseguiu rematar e a bola, prensada por Ferro, fez um balão que acabou a resvalar na trave de Vlachodimos. Finalmente, à terceira foi de vez e, de primeira, respondendo a centro de Dubois e nas costas de Tomás Tavares, Depay empatou para o Lyon. Estava feita a igualdade num jogo onde nenhum guarda-redes tinha feito sequer uma defesa.
Presume-se que os adeptos presentes no estádio tenham começado a ver o filme das últimas épocas a correr-lhes do lobo frontal ao hipotálamo. Especialmente quando a equipa continuava a não reagir, mesmo com a entrada de RDT por Cervi, e o Lyon continuava a somar ataques perigosos, nomeadamente o remate de Depay em arco para uma bela defesa de Vlachodimos.
Já tinham passado passado 82 minutos de jogo e o Benfica não rematava à baliza há 45. Foi então que Pizzi teve uma ideia de génio: que tal rematar? A epifania quase surtiu efeito, já que o capitão do Benfica fez um magnífico disparo que bateu no poste esquerdo da baliza de Anthony Lopes e saiu de campo.
Lembra-se quando foi referido acima que Pizzi tinha tido azar e sorte no jogo? Este foi o momento azarado, mas pouco depois surgiu a fortuna. Num incompreensível lance, especialmente para um guarda-redes da sua craveira, Anthony Lopes, fora da baliza, tentou atirar a bola para Dubois mas esta foi parar aos pés do capitão encarnado que, a 35 metros das redes francesas, bombeou o esférico para o 2-1.
A cara de Anthony Lopes disse tudo depois do lance: os colegas foram aplacar a sua dor, o amor dos adeptos permanecerá por si vivo, mas aos 85 minutos, dificilmente o Lyon voltaria a disputar a partida. E assim foi. Apesar de permanecer no último lugar do grupo G, o Benfica volta a ter uma palavra a dizer no apuramento para fase a eliminar. Mantendo o seu registo de invencibilidade contra equipas francesas, os encarnados bem que podem agradecer ao guardião luso-francês.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
Acho que não é preciso adiantar muito quanto ao momento que vai direitinho para esta secção. Nunca na Catedral houve uma oferenda tão generosa como aquela que Anthony Lopes concedeu à nação encarnada. Num jogo onde mal teve de se esforçar (a única defesa que fez foi a um remate em fora de jogo de Gedson Fernandes), a sua única ação de significância foi a que saldou a derrota para o Lyon.
Rafa, a vantagem de ter duas (?) pernas
Não, o ponto de interrogação não é um erro de formatação. Era bom que Rafa Silva, ou melhor, as suas duas pernas, não fossem tão propensas a lesões quanto uma traça é à luz. Em 20 minutos de jogo, conseguiu ser o jogador mais consistente de toda a partida. É quase certo que, se não tivesse saído lesionado, o Benfica teria respirado bem melhor.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
Fixe este nome: Houssem Aouar. Há uma razão para os gigantes europeus já andarem a cobiçá-lo há algum tempo. Médio criativo de apenas 21 anos, foi um dos jogadores mais perigosos do Lyon, a par de Memphis Depay, e dos que mais classe espalhou em campo. É, provavelmente, o próximo a ter guia de marcha para fora de França.
Nem com dois pulmões chegava a essa bola
Nem com dois, nem com quatro, nem com quantos haja para ter. Ninguém chegaria à bola que Memphis Depay atirou no final da primeira parte. Num livre de longe que pedia um centro ou um remate extraordinário, o avançado holandês não escolheu nenhuma das opções e preferiu antes oferecer a bola a alguém no estádio. Porque os craques também têm coração.
(Artigo corrigido às 11h58 de dia 25 de outubro)
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