O conceito de pós-verdade começou a estar mais em voga em 2016 com Donald Trump e com a introdução do termo alternative facts [factos alternativos]. Estávamos perante novas versões de uma mesma história que ignorava os factos apurados das coisas e que, pelo discurso populista, apelava às emoções e às crenças pessoais para a credibilizar. Na era das notícias falsas, a palavra veio para ficar.
Contudo, a verdade é que no futebol este conceito já existia cada vez que se discutia um lance dúbio e em que os adeptos dos dois clubes se esgrimiram em argumentos para defender a sua versão de um acontecimento. Quem é que hoje se arrisca a sentenciar a verdade sobre o golo de Luisão ao Sporting CP na época 2004/05? Um lance que deu três pontos importantes às águias para a conquista do campeonato, e que ainda hoje não é consensual entre encarnados e verdes e brancos. Uns chamavam a isso a magia do futebol enquanto outro pediam a implementação do tão apregoado VAR.
O sistema de vídeo-árbitro acabaria por chegar em força esta temporada desportiva aos principais campeonatos europeus - com a exceção da Premier League - para repor a verdade e pôr fim ao maior número de erros possível. Habituámo-nos a desconfiar dos golos, ficámos hesitantes em relação à possibilidade de o árbitro encostar o auricular ao ouvido enquanto fala com os auxiliares do VAR, tememos (ou desejamos, depende) o rectângulo desenhado no ar. Passámos a desistir de festejar golos, logo à partida anulados e mais tarde validados.
O futebol mudou e ontem, quarta-feira, foi o verdadeiro exemplo disso quando Sterling marcou o quinto golo do jogo da Liga dos Campeões entre Manchester City e Tottenham, o tento que valia a passagem dos citizens às meias-finais da competição e que, depois de momentos de festejos completamente extasiantes - quase a fazer recordar o momento em que Kun Aguero marcou o golo da vitória que deu o campeonato ao City em mais de 40 anos, diante do Queen Park Rangers na época 2011/12 - , foi anulado. Pep Guardiola estava louco, os jogadores e os adeptos festejavam. A conta do clube no Twitter digitou teclas ao calhas num ato (mais tarde infeliz) de felicidade louca, e de repente o árbitro desenhou o retângulo e foi ver à televisão. Aguero estava ligeiramente adiantado no início da construção da jogada. Na era antes do VAR talvez tivesse passado, mas, com a análise tecnológica à disposição dos árbitros, impunha-se a anulação do lance.
A UEFA habituou-nos a isso, mas por alguma razão na Liga Europa o futebol é o de outros tempos. Mesmo quando há um lance duvidoso os adeptos pedem VAR, esquecem-se que aqui o futebol é à antiga. Mas se a nostalgia pode parecer boa de alguma maneira, deixa de ser quando esta é uma competição isolada como se este fosse um relvado isento do mesmo nível de justiça do que os outros.
Estes três parágrafos são de introdução ao primeiro golo do jogo do Eintracht Frankfurt, aos 36 minutos, quando após um remate de Gaćinović ao poste, a bola sobra para Kostić que, em posição de fora de jogo, faz golo na recarga. O erro de arbitragem parece não ter suscitado uma revolta grande no plantel encarnado presente no relvado, como quem espera que a verdade fosse reposta pelo VAR. Mas aqui ainda se vive na era da pós-verdade futebolística, em que os factos não são devidamente apurados e ficam resignados à interpretação imediata de cada um dos decisores.
O SL Benfica tem razão para se queixar disso, mas perde quando tenta esgrimir argumentos futebolísticos. Até ao golo alemão, os encarnados não tinham qualquer remate ou cruzamento efetuados. Mais, as águias não tinham tocado na bola dentro da área do Frankfurt.
A equipa portuguesa entrou no jogo com uma posição de contenção, à espera de causar o erro no adversário, a jogar aberto à espera de conquistar espaços entre linhas e posições e a partir para o contra ataque. Era um Benfica estranho, mais posicional do que perigoso, com os avançados a serem anulados pela defensiva alemã quando conseguiam dominar a bola na sequência de um passe longo. A última linha do Frankfurt estava subida e isso permitia conter os encarnados.
Os pupilos de Bruno Lage, treinador que foi expulso por protestos após o golo em fora de jogo de Kostić, fizeram uma prestação ofensiva fraca, criando poucas ocasiões para uma equipa que precisava de marcar depois de, na primeira mão no estádio da Luz, ter facilitado quando o jogo estava 4-1, permitindo um segundo golo fora da turma germânica.
De relevo há a assinalar aos 47 minutos um grande trabalho de João Félix na esquerda, cruzamento do português e corte de Falette, que, para impedir que a bola chegasse a Rafa, quase fez autogolo. Cinco minutos depois, Samaris levantou a bola para a cabeça de Seferović, que tentou fazer o chapéu de cabeça e deixou a bola nas mãos de Trapp. Quando já estava 2-0 para a equipa da casa, Salvio enviou uma bola, com estrondo, ao poste. Em comparação, o Frankfurt foi sempre perigoso através dos pés de um Rebić irrequieto, de um Kostić que esteve sempre de pé armado, de Jović, que apesar de discreto, teve duas oportunidades para fazer golo, de Gaćinović e, claro, de Rode, o autor do segundo golo.
O jogador emprestado pelo Borussia Dortmund marcou o segundo tento do jogo com um remate forte à entrada da área, ele que desde 2016 que não fazia abanar as redes duma baliza e que, minutos depois, quase conseguiu bisar com um remate em arco que proporcionou uma grande defesa a Vlachodimos.
O Benfica saiu da Europa e mostrou a permeabilidade do Lageball em momentos decisivos, depois de já ter acontecido com o FC Porto nas meias-finais da Taça da Liga, na segunda mão das meias-finais da Taça de Portugal diante do Sporting e no momento em que se perderam os dois pontos de avanço sobre os dragões na liderança do campeonato nacional. A equipa encarnada que sabe jogar em sintonia, um futebol de ataque vertical, bonito e inteligente, em orquestra, desafinou perante um tipo de jogo que não é o seu e dando a ideia de que o resultado da primeira mão apenas aconteceu porque a formação alemã ficou reduzida a dez unidades.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
Esta terá sido a frase dita em coro por Jorge e Álvaro, os adeptos que saíram de Portugal para ir apoiar a equipa portuguesa além-fronteiras, mas que foram parar à Frankfurt errada (a Oder, em vez de ser a am Main), quando o árbitro validou aquele golo de Kostic.
Samaris, a vantagem de ter duas pernas
Porque no Benfica nem tudo foi mau, quem diria que Samaris faria de Fejsa um jogador que atrapalha mais do que ajuda? O grego fez um grande jogo no meio-campo encarnado e deu a Seferović a oportunidade de mostrar ao Frankfurt o avançado que é hoje, apesar do suíço não ter aproveitado.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
João Félix fez uma coisa bonita na esquerda. Não foi nada de especial, mas no global permite tirar algumas conclusões acerca dos níveis de criatividade deste jogo.
Nem com dois pulmões chegava à bola
Tenho as minhas suspeitas de que este Ljubomir Fejsa não seja o original, parece-me ser um clone estranho. Alguém deveria averiguar a situação. À falta de um lance chave, tentemo-nos esquecer de todas as vezes que o sérvio tocou na bola.
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