Solidariedade e picardia podem andar de mãos dadas. Vivendo-se ainda o rescaldo do Caso Marega, o jogo de hoje entre o FC Porto e o Bayer Leverkusen era previsto como um duelo onde apenas o orgulho clubístico, e não a dignidade humana, seria ferido.
O clube alemão desde logo anunciou que se encontrava solidário com a afronta a que Moussa Marega foi sujeito, mas o discurso azedou quando Peter Bosz, o treinador dos farmacêuticos, comentou que se tal acontecesse com um jogador seu, “toda a equipa sairia do campo também”. Em resposta, Sérgio Conceição acusou a indireta. “Aqui ninguém dá lições de moral a ninguém”, disse.
Estavam, à partida, reunidas as condições certas para um duelo intenso, até porque ambas as equipas se encontravam à entrada desta partida num período ascendente. Por um lado, um Porto que no espaço de duas semanas diminuiu o fosso de sete para um ponto para os líderes do campeonato e apurou-se para as final da Taça de Portugal; do outro, o Leverkusen já levava seis vitórias nos últimos sete jogos, uma das quais um intenso 4-3 contra o Borussia Dortmund e ocupava um quinto lugar na Bundesliga que escondia o facto de estar apenas a 6 pontos do primeiro posto do campeonato alemão.
Do lado dos dragões, a equipa chegaria à Alemanha quase na máxima força, faltando-lhe apenas Otávio (castigado) e Pepe (lesionado), já com Danilo na convocatória. No entanto, o capitão, mesmo recuperado, ficou no banco, sendo os lugares no miolo do meio-campo ocupados Sérgio Oliveira e Uribe.
A ala esquerda da defesa voltaria a ser ocupada por Alex Telles, ao passo que na direita o lugar ficou à responsabilidade de Manafá, subindo Tecatito Corona no terreno, com a outra posição lateral de ataque assumida por Luís Díaz. À frente, Marega e Soares voltaram a ser dupla.
Já para os farmacêuticos, não houve baixas, e Peter Bosz surpreendeu, dando a titularidade a Edmund Tapsoba, defesa central contratado ao Vitória de Guimarães no mercado de inverno, e deixando Jonathan Tah no banco. Esperava-se que o ex-vitoriano entrasse num sistema de três centrais, como tem sido usado nos últimos jogos, mas o jogador atuou apenas tendo Sven Bender como parceiro na zona central.
Na frente de ataque dos alemães constavam nomes capazes de pôr em sentido qualquer defesa do mundo, tendo no jovem prodígio Kai Havertz a criatividade para fazer render os avançados Lucas Alário e Kevin Volland, com a máquina a carburar a meio-campo com Amiri, Dembiray e Aranguiz. No banco tinha ainda craques como Bailey, Paulinho e Palacios, bem conhecidos de quem anda pelas lides de jogos como o FIFA e Football Manager.
Falou-se na antevisão da partida como estas eram duas equipas “de Champions” — o Bayer encontra-se nesta competição por ter ficado no terceiro lugar do seu grupo na Liga dos Campeões, atrás da Juventus e de Atlético Madrid — mas só uma o mostrou ao longo da primeira parte.
A partida iniciou-se sob chuva copiosa de forma extremamente disputada a meio-campo, com as duas equipas num jogo de forças sem vencedores óbvios. No entanto, com o passar do tempo, o Bayer começou a impor o seu jogo e os dragões a ver jogar.
Se há característica que define esta equipa de Sérgio Conceição é a forma como a sua pressão alta e intensidade física permite rápidas transições em contra-ataque, mas o FC Porto que entrou na BayArena foi a sua versão mais amorfa, parecendo doseada com barbitúricos quando precisava verdadeiramente de um estimulante.
Perante este onze zombificado, o Bayer Leverkusen não precisou de acelerar muito o ritmo para provocar estragos e, mesmo sendo uma equipa fã do futebol espetáculo, nesta noite fria, preferiu optar pela consistência.
Os avisos foram sendo dados: primeiro, isolado, Alário cabeceou sem convicção por achar-se em fora de jogo; depois, um passe formidável de Demirbay encontrou Volland solto do lado esquerdo. Este meteu uma bola de morte para o centro da defesa, tendo Havertz alvejado a trave e, na recarga, Dembiray bateu em esforço uma bola indefensável que Alex Telles tirou in extremis.
Após esta súmula de ensaios, o Bayer Leverkusen marcou mesmo, e de forma clínica. Um centro de Lars Bender foi cabeceado ao primeiro poste por Dembiray e Alário concluiu, sozinho, do outro lado da baliza, com a equipa do Porto apanhada em contrapé. O lance foi ao VAR, que primeiro anulou e depois validou o tento do argentino.
Os alemães marcavam assim numa fase em que os dragões não tinham sequer rematado à baliza ainda, defendendo frequentemente com 11 homens atrás do meio-campo, com as figuras da frente órfãs de bola.
Como uma dose de veneno que provoca a cura, o Porto ressentiu-se do golo, acordou e tentou correr atrás do prejuízo, mas na primeira parte as únicas oportunidades de que dispôs foi um remate a meia-distância de Sérgio Oliveira e — aí sim, com perigo — uma bomba de Uribe sacudida por Hrádecký, depois de uma jogada de insistência de Marega pela direita.
As equipas foram para o intervalo, com Sérgio Conceição a precisar seriamente mudar a prescrição da sua equipa se quisesse vencer este encontro. Mas a nova bula ficou no balneário.
O Porto até entrou mais agressivo na segunda parte, mas foi Bayer a duplicar a vantagem. Volland, que estava a ser a unidade mais incómoda dos alemães, rodou sobre Manafá já dentro da grande área. Este, incapaz de contê-lo, fez falta sobre o avançado e seguiu-se uma atribulada marcação de grande penalidade.
Num lance capaz de causar qualquer esgotamento a um adepto portista, Havertz bateu um penalti de forma extremamente deficiente e Marchesin defendeu sem problemas. Porém, o lance foi ao VAR e acabou por ter de ser repetido, pois o guardião argentino — resultado de uma paradinha do alemão que passou impune — estava com os pés fora da linha no momento do remate. Na repetição, o craque atirou para o mesmo lado mas não voltou a falhar.
Como tinha ocorrido na primeira parte, à medicação dolorosa do Bayer Leverkusen, o Porto respondeu com novo e revigorado despertar. Apesar dos farmacêuticos ainda somarem alguns lances perigosos, os dragões passaram a dividir as operações, muito por força das entradas de Nakajima, Danilo e Zé Luís. Foi a vinda deste segundo, aliás, que mitigou o mau jogo da sua equipa.
Incapaz de criar lances letais em jogo corrido, o Porto serviu-se de uma bola parada para finalmente marcar golo. O livre lateral marcado por Alex Telles encontrou a cabeça de Zé Luís, que fulminou Hrádecký. O guarda-redes, defendendo com a cara, deixou a bola a pairar sobre a linha de golo, com Luís Díaz a certificar-se que os dragões reduziam a desvantagem.
O Porto melhorou na sua postura em campo, mas tal não produziu resultados efetivos, e até ao fim do jogo o melhor lance pertenceu a Volland, perdendo o derradeiro duelo com Marchesin, que esteve intratável. Os dragões mantiveram o seu mau registo na Alemanha e não foi desta que encontraram a panaceia que lhes permita contrariar esse histórico.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
Desde que foi contratado ao Portimonense, no mercado de inverno de 2018-19, Wilson Manafá nunca deu provas de ser verdadeiramente o lateral que o Porto necessitava. Hoje não foi o dia em que contrariou essa visão. O seu lado foi o mais visado pelo ataque do Leverkusen e o defesa está nos dois golos dos alemães: se no primeiro, Alário está por si a ser marcado — mas apenas com os olhos —, no segundo foi a sua inabilidade de parar Volland que o fez consentir um penálti.
Volland, a vantagem de ter duas pernas
Eram prometidos grandes voos a Kevin Volland, mas o avançado alemão, apesar de toda a sua classe, nunca chegou a abrir verdadeiramente as asas. Ainda assim, é um valor seguro neste Leverkusen, tal como o demonstrou hoje. Apesar de Havertz ser o menino de ouro desta equipa, foi por Volland que passaram grande parte das ocasiões de perigo da equipa da casa, testando Marchesín mais do que uma vez e ganhando o penálti que garantiu a vitória.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
Cheirinho a FIFA Street em Leverkusen, com dois lances de "joga bonito". Se por um lado não estranha ver Alex Telles a dar continuidade a essa nobre tradição, sendo ele brasileiro, ao dar uma "nozada" com uma roleta num raid ofensivo, por outro desconhece-se se Kevin Volland tenha sangue proveniente de Vera Cruz, mas o avançado mostrou atrevimento num passe sem olhar que isolou Amiri.
Nem com dois pulmões chegava a essa bola
É um lance triste em que ninguém fica bem visto. Kai Havertz marca um pénalti péssimo, Marchesin responde a essa demonstração ao defender fora da linha de golo e o árbitro esquece-se que o guardião argentino apenas o fez ao responder a uma "paradinha" no lance. Pode haver muitas curas a serem desenvolvidas pela indústria farmacêutica, mas não para a nabice.
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