Eu vi Diego Armando Maradona ao vivo. Repito: Eu vi “Deus”. No campo. Com a bola nos pés. Colada à bota. O episódio decorreu na partida da primeira eliminatória da Taça UEFA. Sporting defrontou o Nápoles. Local: Estádio José de Alvalade. Dia: 14 de setembro de 1989. Hora: 21h00.

Nesse dia, vesti-me a rigor após o pequeno-almoço. À concentração caseira, com mais de uma dezena de amigos, seguiu-se a romaria para a Alvalade. Às 15h00, já estava no estádio. Seis horas antes da entrada das equipas. 360 minutos de espera para ver, em carne e osso, aquele que estava habituado a seguir e idolatrar pela televisão. Que tinha visto chegar, nas vésperas, a um aeroporto de Lisboa repleto de milhares de adeptos à sua espera, tal como Sousa Cintra, o presidente leonino na altura.

Gonçalo Rocha, filho do antigo presidente, João Rocha, e líder da claque, Juventude Leonina, foi quem me permitiu entrar no Olímpio dos Deuses naquela noite. Da sua mão saíram os meus bilhetes para ver o jogo. Para ver a estrela planetária. Ele, que até esteve para não vir a Lisboa, nem para jogar. Mas veio e jogou.

A longa espera na companhia de chocolates

As portas só abriram às 18h. Durante 3 horas fiquei debaixo da bancada (Bancada Nova, do antigo estádio), num “cordão” humano à espera da permissão oficial de entrada.

Esmagado entre a multidão, com a cara colada, ora nas grades, ora num ombro desconhecido, recordo-me de uma ação comercial dos chocolates Mars, patrocinadora da equipa napolitana.

Duas meninas vestidas, também elas a rigor, com uma camisola preta e letras douradas, simpáticas, cuja beleza crescia a cada minuto que passava, estavam ali para oferecer aquela imensidão de juventude o objeto da propaganda.

Nós, adeptos, de um lado. Elas, do outro, a salvo daquela selva. Uma mão estendida. Um chocolate oferecido. Mais um encontro de mãos, separadas pela barra de chocolate. Senti-me um orangotango a ser alimentado numa jaula, entre gritos de guerra que antecedem sempre as grandes tardes e noites futebolísticas.

Creio que comi quase uma caixa. Não sei ao certo quantos. Sei, sim, que me senti, então, parecido com o Maradona, na fase descendente da carreira. Não no jeito com a bola, longe de mim, mas devido à “barriguinha” provocada com a injeção calórica. Já nem falo da placa de caramelo colada aos dentes e que levou horas a desaparecer. Tantas quantas a espera só para ver um jogo de 90 minutos. 

Recordar para sempre o aquecimento de Maradona

Entrar no estádio foi como entrar no Coliseu para ver o melhor Gladiador do mundo.

Muitos dizem que a jogada, no Mundial de 1986, nos quartos de final diante a Inglaterra, foi o seu momento mágico. Ou até a "mão Divina", quatro minutos depois, que colocaria a Argentina na final. Não para mim. Para mim, foi o aquecimento de Diego Maradona naquela noite. Durou 10 minutos, ou um pouco mais.

De meias em baixo, atacadores desapertados, displicente, ordinariamente displicente enquanto o resto do plantel exercitava músculos e ensaiava trocas de bola, Diego, tinha uma bola só para ele. Ele era o dono da bola. Do jogo. Do estádio. Do mundo.

Posicionou-se, propositadamente, virado para a bancada onde estava a Juventude Leonina. Onde eu estava. Deu uns toques no esférico. Acariciou-o. Beijou-o. Bola ao ar, toque de ombro, cabeça faz de mola e cai no pé. Uma colagem na ponta da bota, meros segundos para eternidade. Registados na memória, para sempre.

Tudo aquilo, aquele desprezo, o olhar, o bailado do corpo, os toques de bola, espoletaram em mim, e no resto da bancada, sensações mistas. Animalescas. Um desejo de invasão do campo. Para lhe tocar. Para dar uns toques. Para pedir um mano a mano. Mas também do insulto fácil perante o que considerava de provocação daquele “jogador nascido na rua”.

Maradona de Alvalade, foi uma versão a preto e branco. Jogou apenas 20 minutos. O estádio, cheio, abanou. Ouviram-se assobios. Palmas. Gritos. Sensações várias que só um "Deus" consegue provocar. Foi o ponto alto de um jogo sem grande interesse, que até acabou a zero.

Para mim, contudo, estava feito um dos “checks” da vida. A sorte dá muito trabalho, dizem, e eu tive essa sorte. Vi Maradona ao vivo. Vi "Deus" ao vivo. Em Alvalade.

PS – Nesta vistoria dos "Deuses", agradeço a benção de ver igualmente Cristiano Ronaldo, em estreia, em Alvalade e Leo Messi, no Dragão, na inauguração do estádio. E já agora, acrescento, Roger Federer, no Estoril Open, os All Blacks, no Mundial de Râguebi e ter deslizado nas ondas da Nazaré, numa mota de água, agarrado a Sérgio Cosme, o guardião das Ondas Gigantes.