No depoimento como testemunha arrolada pela defesa do criador da plataforma eletrónica, na 42.ª sessão do julgamento que decorre no Tribunal Central Criminal de Lisboa, Rui Santos reiterou a sua defesa de um futebol “mais transparente” e que há “um antes e um depois” do ‘Football Leaks’, que considerou ter ajudado a “fazer luz sobre muita coisa”, à qual o acesso “foi sempre muito difícil”.

“O contributo de Rui Pinto é uma luz ao fundo do túnel daquilo que percecionamos, mas não temos acesso. Vejo nessas revelações algo de muito importante e que a sociedade e as suas instituições devem aproveitar no sentido de aumentar a vigilância”, disse, sublinhando: “Não tenho dúvida sobre o interesse público. Faço a distinção entre como os documentos foram obtidos e o seu conteúdo. É de indiscutível interesse público, porque os mecanismos de regulação são absolutamente insuficientes e ineficazes”.

No entender do comentador da SIC Notícias, “a sociedade não devia precisar destes mecanismos para chegar à verdade”.

Questionado múltiplas vezes por advogados de assistentes no processo e até pelo coletivo de juízes sobre a amplitude e os limites a que o conceito de interesse público deve estar sujeito, Rui Santos considerou que “não deviam ser necessários ‘Ruis Pintos’”, embora tenha vincado a relevância da sua ação.

“O limite do interesse público tem muito a ver com a nossa definição de preocupação de legalidade”, explicou. Perante exemplos, como exfiltração de caixas de correio eletrónico na íntegra e com a eventual exposição de dados pessoais, a presidente do coletivo de juízes, Margarida Alves, indagou se, na perspetiva do comentador, isto seriam “danos colaterais que ficam aquém de um bem maior”, algo que Rui Santos subscreveu: “Sim, é a minha perspetiva”.

Por sua vez, Paulo Morais defendeu a sua visão do criador da plataforma eletrónica como “um cidadão informado” e que devia ser “equiparado a um denunciante” pela importância das informações divulgadas, quer pelo ‘Football Leaks’, quer pelo caso ‘Luanda Leaks’, que expôs em janeiro de 2020 alegados esquemas financeiros da empresária Isabel dos Santos e do marido, que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais.

“As revelações do ‘Football Leaks’ e do ‘Luanda Leaks’ foram de máximo interesse público para que a comunidade nacional e internacional tenha conhecimento de casos de corrupção”, notou o docente, que se destacou a nível social nos últimos anos pelas suas posições em relação ao combate à corrupção.

Paulo Morais valorizou, sobretudo, o conhecimento que o ‘Luanda Leaks’ proporcionou, ao permitir “concretizar com documentos aquilo que já era por muitos conhecido”, segundo a testemunha.

“A proteção económica de Isabel dos Santos era grande, tal como do espetro político. Portugal era a porta de lavagem do dinheiro angolano na Europa. Foi um ato de grande higiene pública em Portugal e fica aqui a minha homenagem”, concluiu.

Rui Pinto, de 32 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.

O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.