A Volvo Ocean Race (VOR) é uma regata de circum-navegação para ser sentida e vivida de forma intensa e obsessiva por quem nela participa. É igualmente uma competição única para ser vista por quem a quer acompanhar em terra.
É a pensar neste imenso mundo continental, menos aventureiro, mas ávido de momentos únicos sentados no sofá, que, desde a edição 2008-2009, a organização da VOR decidiu introduzir a bordo um “passageiro” extra: On Board Reporter (OBR), traduzindo, um repórter de bordo.
Escolhidos entre milhares de candidaturas, treinados para andarem em alto mar na companhia de velejadores, dias e noites a fio, enfrentando sol, chuva, frio, vento e tempestades, desafiando os limites físicos e psicológicos, partem nesta aventura munidos do melhor que a tecnologia tem para oferecer. Levam máquinas fotográficas, de filmar e um computador. A bordo dispõem ainda de sete câmaras que controlam e satélites que lhes permite enviarem tudo o que recolhem longe da costa para o centro de controlo da Volvo Ocean Race, em Alicante, em terra firme.
Os OBR são, desta forma, os olhos e ouvidos do dia-a-dia da tripulação durante os oito meses da competição. James Blake (Nova Zelândia /Inglaterra) é um dos tais repórteres que partiu na viagem que liga Alicante, em Espanha, a Haia, na Holanda, 45 milhas náuticas (83 mil quilómetros), passando por 12 cidades e cinco continentes, cabendo-lhe a tarefa de fotografar, filmar e relatar o que vai vendo a bordo pelos olhos das lentes.
No curriculum soma uma reputação conquistada na fotografia e nos documentários de natureza, que lhe valeram trabalhos para a BBC e para o Discovery Channel. Mas não só. Não chegavam só essas aptidões. O mar tinha que entrar em cena. E aí, nesse campo, James não necessitou de qualquer introdução ao mundo náutico ou não tivesse “crescido num barco” por causa “do pai”.
27 anos depois há um outro Blake a velejar pelo mundo. Segue de máquina em punho
A entrada na mais dura regata do mundo tem, assim, uma razão biológica. Uma questão de ADN. James Blake, 30 anos, decidiu seguir as pisadas do pai, Sir Peter Blake, uma das lendas da Volvo Ocean Race. Uma figura enorme (2,03 metros), de cabelos louros e bigode, cinco vezes participante da Whitebrad (antecessora da VOR) e vencedor na última vez em que participou, na edição de 1989-1990, cumprindo, dessa forma, um sonho de uma vida. Uma vida que terminou abruptamente aos 53 anos num assassinato perpetrado por piratas quando participava numa viagem das Nações Unidas na América do Sul.
27 anos depois desse feito, em 2017, há um novo Blake a bordo desta volta ao mundo de barco, batizada de Volvo Ocean Race. Mas não parte ao leme. “Escolhi as câmaras porque sempre gostei mais de filmar do que velejar. Intrigava-me porque o meu pai tinha sempre uma a bordo e era por ela que me interessava e não tanto as velas”, recorda numa troca de palavras com o SAPO 24 na Doca de Pedrouços após um dia de trabalho a fotografar um treino da equipa da AkzoNobel. Um lado artístico que ganhou da mãe, Lady Pippa, também ela artista.
Os repórteres de bordo circulam por todo o lado medindo bem os passos que dão ao longo dos 20 metros (65 pés) de comprimento do Volvo Ocean 65. “Tens que saber onde por os pés. Mas se não estiveres habituado a navegar não duras os 8 meses”, avisa. Vão à proa e à popa. Estão atentos ao que se passa a bordo ou a estibordo. Andam pelo convés e vão às profundezas da embarcação, entrando e saindo do local reservado à tripulação para descanso, um exíguo espaço no qual ainda sobram metros quadrados para uma cozinha minúscula, uma sanita (único local com privacidade) e uma mesa reservada ao skipper e ao navegador. É ali, em pouco mais de dois metros quadrados que o repórter de bordo tem o seu escritório de onde alimenta o mundo.
Não se pense que se trata de um trabalho de sonho para um fotógrafo-redator que conta histórias. Passam grande parte do tempo ajoelhados, curvados em busca do melhor ângulo, procurando captar instantes que se querem únicos. De ação, da frustração e da dor, do trabalho de equipa, do drama e da alegria.
Ajuda? Só na cozinha e nas limpezas
Reconhecendo ser “difícil andar nestes barcos durante tanto tempo a bordo e não nos envolvermos”, sabe, à partida, que não podem, nem devem interferir com a competição entre velejadores e estão proibidos de participar na “corrida”. Por isso não podem pôr as mãos nos cabos ou no leme. “Podemos sempre ajudar na cozinha, nas limpezas ou atirar água fora. Podemos ajudar desta forma”, sustenta, avisando que tentam, ao máximo, passar por homens (e mulheres) invisíveis. “O meu trabalho é operador de câmara. Estou habituado a manter-me lá atrás, quieto e atento a filmar o que se está a passar”, frisa.
Vistos como “intrusos” a bordo são obrigados a um compromisso com a tripulação para não perturbar a obsessão dos velejadores que navegam 24 horas. A cumplicidade poderá, ou não crescer com os dias e noites. “Os velejadores percebem que temos um trabalho difícil também”.
Se os velejadores seguem um programa, que nem sempre é cumprido à risca, de quatro horas a trabalhar, quatro horas descanso, alerta que os repórteres de bordo também eles seguem o seu “próprio programa”. Blake, sabe que, ao longo do tempo, conseguirá desfrutar de pausas num terraço com vista para as mais belas paisagens que o globo pode oferecer. Mas não se pense que vai estar no meio dos oceanos em passeio a filmar. Sofre como os velejadores. “Da última vez um OBR perdeu 10 kg até à cidade do Cabo. Temos que comer”, assegura. “Exatamente a mesma comida dos velejadores”, garante.
Uma frase escrita pelo pai Blake que explica a razão de ser da longa travessia
Sobre o trabalho para o qual foi contratado, reconhece que “hoje com a qualidade das câmaras podemos filmar à noite com qualidade. Tento sempre acompanhar o que vão fazendo. Se durante a noite se mexerem tenho que acompanhar”, reforça.
“Levo várias máquinas, de vários tamanhos e ainda uma antichoque que caso se destrua conseguimos recuperar os últimos 5 minutos”, assegura. Diz que pode “levar 12 kg” de bagagem. Logo a decisão do que levar recai sobre essencialmente “roupa para os mares do sul e chapéus”, descrimina. Nada de livros, nem outros objetos que não estejam diretamente ligados à viagem. A razão é simples. “São pesados e ocupam espaço”. Podia socorrer-se das tecnologias e levar audio books, “mas corremos o risco de adormecer”, sorri.
Nas vésperas da partida de Lisboa rumo aos mares do Sul, explica a dinâmica que se seguirá. Embora mudem de barco “podemos estabilizar durante 2 ou 3 pernas (etapas) com a mesma equipa”. Vai ficar com a AkzoNobel de Lisboa à cidade do cabo e daí até Melbourne. “Depois, logo se vê”, atira.
No meio da incerteza, emerge uma. De uma frase que leu e que pai, Sir Peter Blake deixou imortalizada nas paredes de Alicante, sede da Volvo Ocean Race: “You'll be probably frightened at times, scared, worried. You'll hate it, you'll absolutely despise the fact that you're involved and when you get to the finish, you'll know why: because there's nothing like it. It gets in the blood and you can't get rid of it". Traduzindo: provavelmente estarás às vezes amedrontado, preocupado. Vais detestar, desprezar o facto de estares envolvido, mas quando chegares ao fim, saberás porquê: porque não há nada como isto. Entra no sangue e não consegues livrar-te disto”.
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