Tendo antecipado o regresso de Mourinho em meados de outubro chega então altura de analisar o agora confirmado ingresso do português no Tottenham Hotspur.

Sendo que na altura colocámos em cima da mesa e analisámos os mais prováveis destinos de Mourinho (Tottenham e Everton), hoje, enveredamos por um caminho diferente. Tendo a experiência de Manchester não ter corrido de feição a José Mourinho, pelo menos após a primeira época, temos que, desde já, tentar perceber quais as diferenças na abordagem do treinador português. E, como tudo começa nas primeiras palavras proferidas pelo técnico, olhemos então para o discurso de Mourinho em 2016, quando assinou pelo United, e para o discurso proferido esta semana após ser anunciado como técnico principal dos Spurs.

O grande fator a ter em conta nesta nova aventura é de que José Mourinho ganhou troféus por todos os clubes que passou, apresentando no seu palmares 25 títulos, enquanto o Tottenham, em toda a sua história, venceu 24. Isso justificou, de imediato, uma diferença na abordagem de José Mourinho nas primeiras palavras ao clube, comparando 2016 com 2019.

Mourinho, em 2016, à Manchester United TV (MUTV): "Podemos olhar para o nosso clube de duas perspetivas. A primeira são os últimos três anos e a outra é a história do clube. Eu prefiro esquecer os últimos três anos e focar-me na história do clube. E acho que o que os adeptos esperam que eu diga é que eu quero ganhar. Acho que o que os jogadores precisam de ouvir é que eu quero ganhar; e, mais do que isso, eu preciso que os adeptos e os jogadores sintam que eu o digo. Mas eu acho realmente que o iremos conseguir, não que estou a dize-lo por dizer. Portanto sim, eu quero focar-me na história deste clube gigante e dar o que tenho e o que não tenho, dar absolutamente tudo para tentar ir na direção que todos nós desejamos".

A pressão de ganhar, pela responsabilidade, expectativa e pela grandeza do clube — recorde-se que a palavra gigante foi mencionada por diversas vezes na introdução em Manchester — foram uma constante nos ombros do treinador português ao longo dos quase três anos ao serviço da equipa. Pelo contrário, na primeira entrevista pelos Spurs, mais do que falar em ganhar ou na história e peso do clube — já que nesse campo ambos não podem ser comparados — Mourinho falou apenas no presente e passado recente.

Mourinho, em 2019, à Spurs TV (STV): "É um privilégio quando um treinador vai para um clube e sente felicidade pelos jogadores que vai assumir. Estas não são palavras do momento, não são palavras do agora treinador do Tottenham, estas são palavras que eu disse e repeti nos últimos 3, 4 ou 5 anos, mesmo enquanto adversário".


A primeira entrevista de José Mourinho ao canal do Tottenham


No United, a entrevista girou em volta de si mesmo; de como se sentia no cargo, de como era o homem certo para o cargo, da forma como estava no momento certo na carreira para enfrentar o desafio. Nem por um momento Mourinho se focou no plantel que tinha ao seu serviço. Ontem, pelo contrário, o tempo não chegou para os elogios àqueles que irão tentar colocar em pratica os seus conceitos e estratégias. (Incluindo, também, os que poderão subir à primeira equipa.)

"Eu gosto mesmo deste lote de jogadores e, olhando aos jogadores mais novos, não há um único treinador que não gosta de ajudar jovens jogadores a evoluir. Não há um. O problema é que por vezes vamos para clubes em que o trabalho que está a ser feito abaixo [na formação] não é bom o suficiente. Eu olho para a nossa história e vê-se que a academia está constantemente a oferecer o talento que a equipa principal precisa. E eu, claro, estou também ansioso por trabalhar com essa ambição", explicou Mourinho à STV.

Analisando com atenção, podemos até encontrar uma provocação ao United (no seguimento das criticas de que não utilizava da melhor forma os jogadores mais novos de Manchester ou que não confiava na formação) começando desde já com os tão famosos Mind Games [jogos psicológicos]. Mas o que é certo é que desde o início a abordagem do treinador parece fazer lembrar as suas equipas do Chelsea, Inter e Porto, onde o plantel e jogadores eram os primeiros a serem protegidos, elogiados e confiados.

"Sempre falei do potencial deste clube, sempre falei da qualidade dos jogadores, sempre falei do magnífico trabalho que o clube estava a fazer", disse Mourinho ao canal do Tottenham.

No United, mesmo antes de começar a trabalhar, o discurso apontava à grandiosidade do clube e à sua capacidade para o conduzir. Preocupado com a sua própria grandeza, a grandeza do clube, Mourinho enfrentou o desafio, parece, com alguma soberba, demasiado confiante, sem a sua estratégia habitual de coesão de grupo, de resguarda do plantel e ataque ao inimigo.

"Sinto-me ótimo [não conseguindo esconder o sorriso]. Acho que [o desafio] vem no momento certo na minha carreira porque o Manchester United é um clube em que temos que estar realmente preparados porque é um clube, como eu gosto de chamar, gigante. E clubes gigantes devem ser para os melhores treinadores e eu acho que estou preparado para tal", afirmou à MUTV em 2016.


A primeira entrevista de José Mourinho à Manchester TV


Por fim, ainda digno de mencionar, foi o esforço que fez ontem para levantar a moral do Tottenham. É mais uma prova de que a abordagem do treinador português mais galardoado é completamente diferente daquela que teve há 3 anos. Não só também porque os clubes são diferentes, mas porque algo parece ter mudado no treinador.

"Quando diz um estádio lindo, está a ser demasiado humilde [referindo-se ao comentário do jornalista]. Tem de dizer o melhor estádio do mundo. Eu acho que é essa a realidade. O centro de treinos não fica atrás de nenhum [outro], provavelmente só pode ser comparado com alguns campos de treino nos Estados Unidos, não podendo ser comparado com centros de treino europeus — e eu já conheci a maioria. Impossível de comparar, assim como o estádio. É algo que nos deve encher de orgulho", reforçou ontem à STV.

O que é certo é que todos passamos por momentos na vida, pessoais ou profissionais, que nos abalam mais que outros ou nos deitam ao chão. E parece ter sido o que aconteceu com Mourinho. É sabido que desde o início, pelo menos para quem acompanhou a estadia do treinador em Manchester, que foram aparecendo problemas atrás de problemas. Fossem eles pessoais, com a família do treinador a residir em Londres e este em Manchester, fossem com jogadores — tanto assim foi que o treinador passou uma bom tempo do seu reinado a apontar o dedo à qualidade do seu plantel. E tendo vindo da segunda aventura no Chelsea com o orgulho ferido, o ego do treinador, à partida cheio de confiança, parece ter disparado deixando-se levar pela situação em que o United se encontrava; e essa situação somada à qualidade dos adversários Liverpool e Manchester City, não requeria tal abordagem. Isto é, ignorar o passado recente do clube para se focar apenas na sua grandeza histórica.

Contudo, nos Spurs, o técnico parece estar, nesta fase, a abordar a aventura com outros olhos. Só o tempo o dirá mas, tendo em conta a frágil situação do Tottenham e a falta de motivação dos jogadores, espera-se que José Mourinho dê rapidamente a volta a toda esta situação e se lance para uma nova época em que, sem fazer promessas, o treinador já disse que o Tottenham voltará ao lugar que lhe é devido. No entanto, até lá, a tarefa de Mourinho passa por montar um grupo coeso. Os elogios ao seu plantel serão mais frequentes que em Manchester e, parece-me, veremos um grupo a lutar pelo seu treinador como talvez já não vemos, no caso de Mourinho, desde os tempos de Madrid.

Esta semana na Premier League

Como não poderia deixar de ser, o destaque vai inteirinho para o Tottenham de José Mourinho — logo com um derby londrino no cardápio. E também não teremos que esperar muito já que será o West Ham United vs. Tottenham a abrir a 13ª. jornada. No sábado, dia 23, pelas 12:30, joga-se então o primeiro jogo de, espera-se, uma longa era de José Mourinho ao serviço da equipa do norte de Londres. Mas, além do derby entre Hammers e Spurs, joga-se também um interessante Manchester City vs. Chelsea onde apenas um ponto separa as duas equipas. Será na mesma data, mas desta feita a fechar o dia de futebol, pelas 17:30.