“Para um jogo ser verdadeiramente memorável, o tipo de jogo que nos faz ir para casa a vibrar com a satisfação de tudo aquilo, é preciso que tenha o maior número das seguintes características: golos, tantos quantos possível...; decisões afrontosamente más do árbitro...; um público barulhento...; um membro da equipa adversária que recebe um cartão vermelho...”, e por aí fora.

O parágrafo de arranque desta crónica foi retirado a Nick Hornby, escritor inglês, apaixonado, ou antes, fanático pelo Arsenal (uma obsessão assumida), e é uma frase que está nas linhas finais das 301 páginas do livro “Febre no Estádio – Diário de um fanático”, num capítulo dedicado ao jogo que opôs o Arsenal ao Norwich, a 4 de novembro de 1989.

O livro é um relato da vida do autor à luz das classificações dos “gunners”, como se de um relato de futebol se tratasse. Das relações de amizade, das namoradas, da política e da sociedade, da escola e do emprego, das vitórias e derrotas em tardes, noites e dias a fio, numa ligação obsessiva que começou quando tinha 11 anos, em 1968, no primeiro jogo ao vivo a que assistiu - vitória do Arsenal diante o Stoke City (4-1) a 14 setembro de 1968 -, depois de no mesmo ano já ter assistido a dois jogos na televisão: a final da Taça de Inglaterra entre o West Bromwich e o Everton, e um Manchester United-Benfica.

Os eternos rivais dos leões acabam por estar presentes na prosa, quer com a referência a Eusébio, quer ao duelo europeu de 1992 (em que o Arsenal empatou na Luz e perdeu em Londres). Curiosamente, nem uma linha sobre aquele que era até à data o único embate com o Sporting Clube de Portugal, na extinta Taça das Cidades com Feira, em 1970, que os londrinos (0-0 em Alvalade e 3-0 em Londres) venceram, acabando por conquistar o troféu na final diante dos belgas do Anderlecht, pondo fim a 17 anos de seca de títulos.

Bem, mas o mote não é falar da obra literária, embora esta seja chamada à coação porque um dos intervenientes é precisamente o Arsenal, clube que se deslocou a Lisboa para defrontar o Sporting Clube de Portugal, em jogo da 3.ª jornada da Liga Europa. Isso, e porque as semelhanças entre os dois clubes são muitas, conforme se poderá ler mais à frente.

Chega de palavras escritas. Passemos à ação com os pés.

Deixemo-nos de literatura e vamos falar com os pés. Vejamos, então, os números, ou antes as linhas que segundo Hornby fazem com que os 40 mil adeptos possam regressar a casa felizes.

Do apoio do público os leões não se podem queixar. Não houve vermelhos (Coates fez por isso no final da partida), a única vez que a bola entrou na baliza (de Renan) foi através de Welbeck, que num lance anterior meteu a bola nas redes, mas que foi invalidado pelo árbitro Damir Skomina, árbitro que saiu, ao intervalo, apupado de Alvalade por não ter assinalado uma falta de Sokratis sobre Montero que seguia isolado para a baliza.

Os leões surgiram no tapete verde de Alvalade com um meio campo de músculo, com Gudelj, Petrovic e Battaglia. O Arsenal, conforme Emery tinha prometido após o jogo de 2.ª feira, colocou os titulares Ozil, Lacazette e Torreira no banco.

Se o primeiro canto leonino, decorria o primeiro minuto da partida, foi celebrado com aplausos, as palmas só voltaram aos 15 minutos depois  de um remate de Bruno Fernandes, por cima da trave. E para a primeira defesa de Renan, aos 23 minutos, na sequência de um livre direto na esquina da área.

Em dois minutos, duas atrapalhações dos centrais do Arsenal (Sokratis e Holding), um remate de longe de Nani que levanta o Estádio e a tal falta sobre Montero: o barulho das molas das cadeiras não perdoou a decisão da equipa de arbitragem.

Antes de terminar o primeiro tempo, Ristovski, depois de mais uma perda de bola, lesiona-se num despique no lado...esquerdo.

Luís Boa Morte: zero jogos na equipa principal leonina e o primeiro português no Arsenal

Tempo de intervalo, tempo em que estava anunciada uma homenagem a um jogador que passou pelos dois emblemas: Luís Boa Morte, atual treinador dos sub-23 do Portimonense, de 41 anos. Uma homenagem (conjunta) em tudo semelhante à que tinha sucedido com Paulo Futre, quando o ex-jogador de Sporting CP e Atlético de Madrid foi homenageado no jogo entre as duas equipas, em abril deste ano.

Uma polémica viral por causa de uma discussão antiga entre o ex-internacional português e Tiago Fernandes, atual adjunto de Peseiro, e um recado da claque leonina Juve Leo pelo facto do filho do antigo jogador jogar numa equipa da formação das águias, anulou a festa.

Bom. Pois, para quem não sabe, Boa Morte nunca jogou pela equipa principal leonina. No primeiro ano de sénior foi cedido pelo Sporting CP ao Lourinhanense antes de embarcar para Londres, para onde se mudou aos 19 anos. Aí, a conversa foi outra. Ao lado de Ian Wright, Patrick Vieira, Marc Overmars, Dennis Bergkamp, David Seaman, Anelka ou Emanuel Petit, foi o primeiro jogador português a representar o Arsenal (Amaury Bischoff e Rui Fonte, este último formado nos leões, também por lá andaram, mas de forma efémera) e o primeiro português a conquistar uma dobradinha em Inglaterra (campeonato e taça na época 1997-98), tendo ganho ainda duas Supertaças.

E já agora, para os fãs do Arsenal, uma curiosidade: van Persie, antiga glória holandesa dos Gunners (2004-2012) anunciou hoje que, aos 36 anos, esta será a sua última temporada nos relvados depois de 18 como profissional.

São as estatísticas. Não enganam.

E aproveitando a pausa (não que os primeiros 45 minutos nos tenham tirado o fôlego), tempo para recuperar a razão das parecenças entre os dois emblemas. Semelhanças comprovadas pelas estatísticas no que toca ao futebol doméstico.

Frederico Varandas, atual presidente leonino disse durante a campanha que olha para o clube londrino como uma referência (fidelidade do público e não tanto nos títulos que nos últimos 50 anos, que a nível doméstico são exatamente os mesmos que os leões nas duas principais competições, Campeonato e Taça).  No histórico a nível interno, contabilizando as duas principais provas (campeonato nacional e Taças) o Arsenal soma 13 títulos de campeão e 13 Taças de Inglaterra (FA Cup). Os leões respondem com 18 títulos nacionais (ou 22 conforme na interpretação caiba os 4 campeonatos de Portugal) e 16 Taças de Portugal.

Se olharmos para os últimos 50 anos, há semelhanças e algumas importantes diferenças. Gunners e leões lograram conquistar neste meio século de vida seis troféus máximos cada (ambos em 1970), sendo que o emblema português celebrou pela última vez o título nacional em 2001-02, enquanto o Arsenal fê-lo em 2003-04. A igualdade regista-se também nas Taças dos respetivos países: 10 para cada um, sendo que os leões ergueram pela última vez com Marco Silva (2015), enquanto Arsène Wenger conseguiu o feito em 2017.

E se a conquista da Taça das Taças une estes dois emblemas (Sporting em 1964 e Arsenal em 94), a também extinta Taça das Cidades com Feira teve a honra de colocar, pela primeira vez, os dois clubes frente a frente, como já foi explicado.

Agora, se olharmos para treinadores, a diferença é abissal: 11 sentaram-se o banco de Highbury Park e no Emirates Stadium, enquanto no José de Alvalade e Alvalade XXI, o entra e sai (ou o senta-levanta) atingiu o número de 66.

O “novo” Arsenal aparece no segundo tempo

No primeiro grande teste europeu, os “leões tiveram pela frente um candidato ao título inglês (4.º, com os mesmos pontos do 3.º, o Chelsea, e a dois pontos dos comandantes City e Liverpool), treinado pelo espanhol Unai Emery, depois de um reinado de 22 anos do francês Arsène Wenger (ganhou por três vezes a Liga Inglesa), e que chegou a Alvalade com dez triunfos nos últimos dez jogos.

E na Liga Europa soma agora três vitórias, reforçando o estatuto de favorito, acrescido com o facto de Emery ser um especialista na prova, com três triunfos consecutivos com o Sevilha, um deles sobre o Benfica. Ora bem, o “novo” Arsenal mudou a face no segundo tempo. Começou como tinha terminado, a rematar à baliza, a atacar, a jogar rápido, ao ataque e com a baliza no pensamento. Duas jogadas seguidas, dois remates de Aubameyang, duas grandes intervenções do guarda-redes leonino (homem do jogo para o SAPO24).

Entrou Torreira, marcou Welbeck, isolado com um toque de calcanhar de Aubameyang, em que Coates falha o corte e entra Lacazette. Decorria o minuto 77 e nem a entrada do número 77 leonino, Jovane Cabral, minutos antes mudou a história do encontro.

Fim de jogo. O emblema de Londres vence pela primeira vez em solo luso, depois de nunca o ter conseguido nas cinco vezes anteriores. E o Sporting soma a terceira derrota caseira diante equipas inglesas (perdera com Chelsea e Manchester United, na Liga dos Campeões, em 2014 e 2007).

Próximo embate em Londres, onde 5.355 adeptos leoninos vão marcar presença no Emirates Stadium (assumiu à Lusa fonte da equipa lisboeta) no encontro da quarta jornada do Grupo E da Liga Europa, a 8 de novembro, com início às 20 horas.

Bitaites e postas de pescada

O que é que é isso, ó meu?

Ao minuto 77, a dupla de ataque dos Gunners foi mazinha para Coates. Aubameyang dá de calcanhar para Welbeck, Coates não corta e o avançado inglês mete a bola na baliza de Renan.

Renan, a vantagem de ter duas pernas

O título não é o apropriado. Renan é o homem que ocupa a baliza leonina e o elogio aqui feito não é pelo bom jogo de pés que possa ter tido no decorrer do encontro mas sim pela meia dúzia de boas intervenções que prolongaram o nulo em Alvalade até ao tal minuto em que Welbeck marcou. Não merecia perder o jogo.

Fica na retina o cheiro de bom futebol

Dois remates seguidos da estrela gabonesa do Arsenal, Aubameyang, em especial o segundo pontapé que tinha selo de golo. Não foi, porque Renan fez a defesa da noite. Um lance que fica para a fotografia, pela arte do remate e pela beleza do gesto que impediu o golo.

Nem com dois pulmões chegava à bola

Ristovski tem o condão de perder demasiadas bolas de forma infantil. Na primeira parte subiu “à louca” para cortar uma bola e deu largos metros de avanço a um jogador do Arsenal. No segundo tempo, após corte atabalhoado, entregou a bola ao adversário e lesionou-se, após mais um despique, agora do lado esquerdo. O macedónio hoje esteve sem pernas e sem pulmões para a andar na linha.