Diz-se que o segundo ano de Mourinho numa equipa é o melhor. E os números provam-no, uma vez que apenas quando comandou o Manchester United não foi campeão nacional no seu segundo ano. Será que depois de ter levado o Chelsea ao título 50 anos depois (aquando da sua primeira passagem pelos Blues), Mourinho vai conseguir colocar o Tottenham a vencer a liga inglesa 60 anos (!) depois da última conquista dos Spurs?
Essa é a questão que parece apaixonar os adeptos da Premier League nas últimas semanas – essa e a conferência viral de Jurgen Klopp ontem, depois do empate do Liverpool, campeão em título depois de uma longa travessia do deserto, frente ao Brighton. E o adversário de hoje, a equipa que teria de ser ultrapassada para devolver o Tottenham ao topo de classificação (e aí ficar isolado, beneficiando do referido empate do Liverpool), não podia ser mais especial.
O Chelsea, porta de entrada do treinador português no futebol britânico, tem vindo a fazer um arranque de época prometedor e, tal como o Tottenham, venceu todos os jogos que disputou no mês de novembro (competições europeias inclusive).
Além disso, ambas as equipas partilham os melhores ataques e defesas da Premier League – os Blues são o melhor ataque e a segunda melhor defesa, ao passo que os Spurs são o segundo melhor ataque e a melhor defesa –, mas, na verdade, o que é que isso tudo importa quando se trata de mais um regresso de Mourinho a Stanford Bridge?
É indesmentível que, nos últimos anos, a cotação do técnico português sofreu um revés. Conhecido pelo seu pragmatismo, Mourinho tornou-se menos sexy do que muitos treinadores, da “escola” de Klopp ou Guardiola, por exemplo, que nos últimos anos têm apaixonado adeptos um pouco por todo o mundo com o futebol das suas equipas. Ora, nesses últimos anos, o futebol praticado por Manchester United e Tottenham, as últimas equipas treinadas pelo português, não deixou propriamente os adeptos de água na boca.
E, de repente, a aura daquele que é, indiscutivelmente – e independentemente dos gostos –, um dos maiores treinadores da história do futebol, perdeu força. E mesmo que isso não se tenha propriamente refletido nos projetos e nos salários de Mourinho, a sua imagem tornou-se menos sexy. As suas equipas tornaram-se menos sexy.
Até que surge o documentário All Or Nothing da Amazon Prime (estreado no final do mês de agosto) e, com ele, uma espécie de início da redenção do técnico setubalense. Independentemente do amor que os adeptos dos Spurs – e do futebol em geral, já agora – possam ter por Maurício Pochettino, antecessor do português no clube londrino, ver Mourinho no seu “habitat natural”, dentro do balneário, a conversar com os jogadores e equipa técnica, devolveram ao Special One a tal “sexyness” que parecia ter perdido.
E quando a isso se alia o início de época que o Tottenham tem tido, com vitórias contundentes, uma dupla de ataque que mete medo nas primeiras nove jornadas da Premier League (Harry Kane, com sete golos e nove assistências, e Son, com nove golos e duas assistências) e a inexistência de lesões em jogadores-chave que dificultaram, e muito, a vida de Mourinho e dos Spurs na temporada passada, a ideia de que o português está “de volta” ganha forma. Mesmo que este “de volta” seja um tanto ou quanto exagerado, uma vez que em 2017 Mou venceu a Liga Europa, bem como a Supertaça e a Taça da Liga inglesa ao serviço do Manchester United.
Foi “só” em 2017 ou “já foi” em 2017? Fica a questão.
Mas vamos ao jogo. Os primeiros minutos foram dos Blues mas a primeira oportunidade do jogo foi dos Spurs, com um remate de Bergwijn a sair por cima da trave do guardião Mendy, na sequência de um contra-ataque rápido do Tottenham. Pouco depois, o alemão Timo Werner rematou para o fundo das redes do conjunto de Mourinho, mas o golo foi anulado por fora de jogo. E a seguir foi a vez de Mendy fazer uma grande defesa a remate de Aurier, de fora da área. Tudo isto em 15 minutos que, não sendo frenéticos, prometiam um bom jogo de futebol.
Contudo, os minutos seguintes tornaram-se... aborrecidos. Um remate por cima aqui a acolá, mas lances de perigo, nem vê-los. As equipas encaixaram-se e o jogo foi para o intervalo a registar um nulo no marcador.
O reatamento pareceu uma cópia do primeiro tempo, com o Chelsea a começar melhor mesmo sem criar grandes ocasiões de perigo, com exceção de alguns cruzamentos que causaram frisson na área dos Spurs. A mais flagrante foi uma emenda falhada por Tammy Abraham praticamente na cara de Lloris, ainda que pressionado por um defesa do Tottenham.
Mourinho sentiu que era preciso mexer no jogo e lançou o argentino Lo Celso para o lugar de Ndombele (jogador mais caro da história do Tottenham que, depois de uma primeira época dececionante, foi "recuperado" por Mourinho e estabilizou na equipa dos Spurs), a meio da segunda parte. Pouco depois, foi Lampard a lançar Pulisic para o lugar de Werner, na esperança de que um rasgo individual da jovem pérola norte-americana pudesse decidir o jogo a favor dos Blues, e também Olivier Giroud, que na passada terça-feira deu a vitória ao Chelsea frente ao Rennes com um golo em cima dos 90 minutos, para o lugar de Abraham. Isto porque, apesar do domínio do Chelsea, a verdade é que não existiam oportunidades de golo. E do lado dos Spurs a baliza de Mendy parecia quase uma miragem.
Ora, mesmo não tendo sido dos pés dos substitutos que surgiu o perigo, a verdade é que as alterações acabaram por surtir efeito. Primeiro foi Mason Mount que, num lance individual, rematou à entrada da área para grande defesa de Hugo Lloris. E depois foi Son que com um cruzamento venenoso obrigou Mendy a aplicar-se para afastar a bola das imediações da sua área. O aborrecimento que foi grande parte do jogo parecia querer desaparecer, para nos oferecer uns últimos minutos bem mais interessantes, ainda que os Spurs parecessem contentes com o empate.
Os minutos finais serviram para um corrupio de substituições - Kai Havertz entrou para o lugar de Zyech do lado do Chelsea e Ben Davies e Lucas Moura substituíram Bergwijn e Son do lado dos Spurs - e para confirmar que o jogo terminaria tal como começou, ainda que Lo Celso tenha desperdiçado uma boa ocasião para os Spurs no final.
O nulo permaneceu e o Tottenham voltou a apanhar o Liverpool no primeiro lugar da classificação (podia ter-se isolado em caso de vitória). Depois de Manchester City e Chelsea, Mourinho defronta o Arsenal na próxima jornada, num carrossel de três jogos que são uma prova de fogo para os Spurs e para a sua "aura", que parece cada vez mais estar "de volta".
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