Naquele jogo, que Portugal venceu por 5-3, depois de estar a perder por 3-0, os ‘magriços’ marcavam um golo, e, “sem festejarem, iam a correr ao fundo da baliza buscar a bola” para reatarem o jogo, recordou o professor da Universidade de Coimbra, que falava, ao final da tarde de hoje, em Coimbra, na apresentação do livro "Mundial 66. 100 Primeiras páginas".
“Nunca vi uma peça de teatro tão dramática como esse jogo”, entre Portugal e a Coreia do Norte, que apurou a seleção portuguesa para as meias-finais da prova, sublinhou o cientista, recordando ter seguido o encontro pela televisão, então a preto-e-branco.
“Portugal também era a preto-e-branco e aquilo [a prestação da seleção nacional] conseguiu levantar o país”, sustentou Carlos Fiolhais, que recordou o feito através de algumas das primeiras páginas de jornais e revistas da época, selecionadas no livro, que, editado pelas Edições Afrontamento, foi hoje apresentado em Coimbra.
Esta obra “também serve para conhecermos o mundo”, salientou Fiolhais, sem resistir referir-se a algumas outras notícias que, então, eram igualmente tema de primeira página dos jornais, desde a morte de Winston Churcill ao casamento da atriz francesa Brigitte Bardot, passando pela ocupação por tropas de um bairro negro de Chicago.
“Sei que é arriscado, mas vou arriscar dizer que, se calhar, foi mais extraordinário o terceiro lugar” conquistado pela seleção nacional, no mundial de futebol de 1966, do que a vitória no europeu deste ano, concluiu o cientista.
“Se nessa altura fosse possível fazer substituições [de jogadores durante os jogos], acho que Portugal teria sido campeão mundial”, arriscou o extremo esquerdo da seleção António Simões, que também participou na apresentação da obra.
“Eu sentia-me cansado, o Eusébio e o Torres”, por exemplo, também, disse Simões, considerando que se estes e outros atletas tivessem descansado alguns minutos, nos jogos que antecederam a meia-final, talvez a equipa tivesse conseguido chegar mais longe, arriscou o ‘magriço’, sem, todavia, pretender transformar essa circunstância em “desculpa”.
Depois do Mundial de 66, “Portugal, que tinha descoberto o mundo, foi descoberto pelo mundo”, voltou a “ser gente”, disse Simões, defendendo que a seleção de 66 “fez alguma coisa pelo seu país". "E fê-lo com gosto”.
Mas nem por isso, mais tarde, o futebol deixou de ser visto “como um deus menor”, designadamente por historiadores e cientistas sociais, apesar de ser um “extraordinário fenómeno de massa” e do seu “grande impacto mediático”, reconheceu, em declarações à agência Lusa, César Rodrigues, coautor – com Francisco Pinheiro – do livro.
O Mundial de 66 foi “um dos momentos mais significativos do Portugal daquela época, do país do 'orgulhosamente sós'”, dando-lhe uma imagem de grandeza e, metaforicamente, “uma nova esperança”, considera César Rodrigues, que está a fazer o doutoramento sobre Portugal e aquele campeonato e que é investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra, tal como Francisco Pinheiro.
Naturalmente, “o regime também quis aparecer na fotografia”, mas isso não significa que o modo como a seleção se preparou e participou no campeonato tenha resultado de uma estratégia programada pelo poder político.
“Não houve um pré-aproveitamento”, mas antes um ‘ir à boleia’ da seleção, concluiu.
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