Luke Shepardson é um nadador-salvador de 27 anos. Trabalha no North Shore de Oahu, no Havai. Num dia particularmente agitado, com registo de vários resgates a surfistas, cerca de 60 de acordo com a imprensa local, que se aventuravam a descer as enormes e poderosas paredes de água, Shepardson pediu autorização aos supervisores de Honolulu para entrar no Eddie Aikau Big Wave Invitational, evento realizado em Waimea Bay, no passado dia 23.

O seu nome surgiu na lista VIP, no meio dos 40 surfistas convidados, entre os quais Kelly Slater (o vencedor em 2002 viria, este ano, a desistir, à última hora), John John Florence, emprestados pelo circuito mundial de surf, Lucas Chumbo e Kai Lenny, profissionais de ondas gigantes, lendas locais, alguns deles lesionados, mas cuja vontade de participar superou as limitações físicas, seis mulheres, em estreia completa e o primeiro português a entrar neste evento, Nic Von Rupp.

Foram todos convidados para a prova (a única forma de entrar) que é algo mais que uma simples competição. É uma homenagem a um surfista, uma lenda das ondas grandes e nadador-salvador, Eddie Aikau, de quem se diz ter salvo a vida a mais de 500 pessoas e ter, ironia do destino, morrido durante uma operação de resgate em cima de uma canoa polinesa.

“Tenho de voltar para a torre de forma a assegurar que todos ficam bem até ao fim do dia”

Perante uma plateia de cerca de 50 mil pessoas dispersas pela Waimea Bay e ondas de 40 a 50 pés (equivalente a um 4.º andar), Luke Shepardson, o nadador-salvador local, deixou a torre de vigia e entrou, tal como os outros competidores, em duas baterias. No intervalo entre idas à água, teve o cuidado e preocupação de voltar ao local de trabalho.

Depois de oito horas, foi anunciado como o vencedor da 34.ª edição do icónico evento de homenagem a Eddie Aikau. O décimo vencedor diferente nesta prova obteve uma pontuação quase perfeita, 89,10 pontos, em 90 possíveis e sucede a John John Florence, segundo classificado e vencedor em 2016, ano em que a prova se realizou pela última vez.

“Disse para mim o dia todo que poderia ganhar. As ondas estavam monstruosas”, referiu Shepardson, após a participação no Super Bowl do surf, conforme é caracterizado, num longo dia em que muitos dos surfistas sofreram aparatosas quedas (wipe out) verticais e foram engolidos pela força centrífuga e turbulenta de uma estratosférica máquina de lavar roupa.

“Não acredito, é surreal, é um sonho transformado realidade”, acrescentou o novo herói do Havai, apresentando-se na flash-interview de camisola amarela e calções encarnados de nadador-salvador. “Tenho de voltar para a torre de forma a assegurar que todos ficam bem até ao fim do dia”, finalizou após a breve celebração de um final poético embrulhado pela vitória de um surfista e nadador-salvador do North Shore num evento que homenageia um surfista e nadador-salvador havaiano.

Clyde Aikau, irmão do Eddie e diretor da competição, entregou um cheque de 10 mil dólares e um prémio de 350 mil milhas aéreas (Havaian Airlines) para Luke Shepardson disfrutar. Um valor abaixo dos 70 mil dólares arrecadados por JJ Florence, há 7 anos, quando a prova vivia debaixo do patrocínio, perdido, entretanto, da Quicksilver.

A discrepância despertou a atenção da comunidade surfista local. Quase de imediato, encetaram uma campanha de fundos em benefício do novo herói do North Shore, Luke Shepardson, personagem principal desta história de Cinderela.

As outras novidades. Seis mulheres e um português

Para além da narrativa apimentada pelo nadador-salvador, o "Eddie" deu à luz duas outras histórias. Keala Kennelly já tinha sido a primeira mulher a entrar na lista, como suplente, 2016-17. Este ano, entrou, realmente, ao lado de outras cinco mulheres, entre as quais a francesa Justine Dupont, a brasileira Andrea Moller, a primeira mulher a apanhar uma onda no “Eddie” e Paige Alms (31.ª classificada na geral, a havaiana viria a ser a melhor entre as mulheres) e escreveu-se história na prova havaiana.

Terá sido o primeiro capítulo para as mulheres neste evento onde todos querem estar e foi, como a própria Kennelly escreveu, o último parágrafo nas ondas desta ativista do surf feminino.

Mas a história também teve outro protagonista e foi escrita em português. Nic Von Rupp, primeiro surfista nacional convidado para o prestigiado evento de ondas grandes, terminou a meio da tabela (22.º lugar, 56 pontos).

“Que dia incrível. Sempre sonhei competir no "Eddie" entre todas estas lendas que admirei. Hoje, não só aquele sonho ganhou vida, como pude experimentar o que a maioria chamou de melhor Eddie em 40 anos”, escreveu o big rider nas redes sociais, após as 8 horas de competição de remada que colocou oito havaianos nos oito primeiros lugares.

Lucas Chianca (9.º) terminou como melhor surfista internacional.