Quem tem um jogador na seleção como Toni Kroos está sempre mais perto de ganhar, mesmo quando Joachim Löw tenta colocar essa verdade à prova, primeiro ao não convocar Leroi Sané - um criativo pela qual a seleção germânica ‘gritou’ durante os 90 minutos do jogo diante do México e este sábado diante da Suécia - e depois ao iniciar um jogo com Gündoğan, Mesut Özil e Khedira no banco.

Kroos falha, mas falha pouco. É capaz de lançar tão bem um contra-ataque com uma bola longa e com destinatário bem definido, como também é capaz de a pousar no chão, esperar e fazê-la circular. Já lhe era conhecido o dom da sabedoria e da eficácia que as estatísticas do final de jogo exacerbam com a quantidade de passes acertados. Hoje, no último minuto, quando, virtualmente, a Alemanha estava praticamente afastada dos oitavos-de-final do Mundial, mostrou a coragem de que são feitos os grandes jogadores e fez com que estas duas jornadas da seleção alemã na Rússia possam não ter sido nada mais do um "espirro".

Sim, a Alemanha "espirrou". Num jogo que se esperava de reviravolta nos prognósticos de duvidavam da continuidade em prova da campeã mundial e que lhe passavam o diagnóstico de "síndrome do campeão mundial" - um fenómeno que neste século fez com que as campeãs mundiais em título França (1998), Itália (2006) e Espanha (2010) não passassem das fases de grupo no Campeonato do Mundo em que iam defender o título (2002, 2010 e 2014, respetivamente) -, a Mannschaft entrou com uma ideia de jogo bem montada: sufocar a Suécia. Nos primeiros 10 minutos da partida, a Alemanha tinha feito 122 passes contra 6 dos suecos. Estava tudo dito.

No entanto, para que se possa encostar o adversário às suas linhas defensivas e estar constantemente mais perto do golo e de derrubar profecias, é preciso um bom alicerce. Como se costuma dizer, uma casa constrói-se pelo chão e não pelo teto.

A campeã do mundo ressentiu-se da falta de Mats Hummels na defesa, uma ausência que a dupla Rüdiger e Boateng, pela qualidade que apresentaram nos seus clubes ao longo da época, deviam facilmente fazer esquecer. Mas não. E a poderosa Alemanha tremeu. Primeiro, logo aos 13 minutos, quando num contra-ataque rápido da Suécia, Berg fugiu a toda a gente, mas deixou-se desarmar por Manuel Neuer, já na cara do golo. O avançado sueco do Al Ain ainda se queixou de penálti, cometido por Boateng (e os lamúrios não descabidos...), mas nada foi assinalado.

O eventual penálti acabaria por se dissipar da cabeça dos presentes no estádio Fisht, em Sóchi, quando aos 33 minutos Kroos comete um raro erro: entrega a bola ao adversário. Depois foi ver Claesson a desmarcar Toivonen e este a fazer o que ninguém esperava: entre Kroos e Rüdiger, recebe de peito e com a ponta da chuteira faz um chapéu a Neuer. 1-0 para os suecos, vida difícil para os alemães.

O árbitro apitava para o intervalo depois de 45 minutos em que a Alemanha não foi capaz de ser melhor do que a Suécia, e em que as melhores oportunidades de golo pertenceram mesmo aos escandinavos. Mas depois do intervalo parecia havier uma certeza, pelo menos: Kroos não ia errar mais.

O médio do Real Madrid é daqueles jogadores em que os adeptos sabem que podem confiar, que é praticamente impossível que no mesmo jogo cometa dois erros daquela magnitude. Nunca podia ser aquele lance a definir Kroos. O antigo médio do Bayern Munique é aquilo que os números dizem e será a partir de agora aquilo que ele afirmou ser no último minuto do jogo: um líder.

A Mannschaft tinha ido ao balneário e voltava de cara lavada. Atrás, menos errática; à frente, mais avassaladora. O que não havia por vezes em qualidade, sobrava em quantidade (de oportunidades para marcar). E foi assim que, logo aos 48 minutos, Reus fez o golo da igualdade, o seu primeiro tento na seleção em praticamente três anos. Os computadores já não tiravam a Alemanha do Mundial, mas apenas a vitória podia deixar os comandados de Löw a dependerem só de si.

E depois, uma avalanche...desorganizada. O ataque alemão, assente num Mario Gomez entretanto entrado para o lugar de Draxler, permitiu abrir mais espaços na frente e colocar mais um homem permanentemente na área sueca. O problema foi que tudo isto acontecia de forma muito pouco organizada assim que o esférico se aproximava da baliza de Olsen.

Durante momentos parecia inevitável que a Alemanha chegaria ao golo, mas depois da expulsão de Boateng aos 81 minutos, por duplo amarelo, e de uma grande defesa do guarda-redes sueco a um cabeceamento de Gomez, as notícias acerca da queda prematura da Alemanha passaram a não ser de todo exageradas.

Então, eis que "isto" acontece.

E "isto" é o que faz um grande jogador. Aliás, "isto" é um grande jogador. Porque os grandes jogadores fazem-se destas ocasiões, mesmo que durante os 90 minutos passem despercebidos ao olho comum do adepto naturalmente hipnotizado pela velocidade de um jogo que parecia de ‘mata mata’. E as estatísticas finais fazem "justiça": 93% de passes certos no jogo, 17 passes longos certos em 17 tentados e 10 recuperações de bola - não está ao alcance de qualquer jogador, só dos melhores do mundo.

Após uma bola violenta de Brandt ao poste, a Suécia tremia das pernas, fez uma falta infantil na zona lateral da grande área e Toni Kroos assumiu o livre. O relógio aproximava-se dos minuto 95 e sabia-se que era o último momento do jogo, o seu último suspiro. O último suspiro da Alemanha neste Mundial. Na área, todos à espera do cruzamento. Entre os postes, Olsen estava como todos: à espera do cruzamento. E então o médio alemão rematou direto, após um pequeno toque na bola do colega de equipa, e com um arco invejável curou todo e qualquer diagnóstico.

O erro faz o método. Mas só quando o erro é diminuído a uma ínfima parte do processo é que sabemos que a fórmula está correta. E a fórmula Kroos aproxima a Alemanha de um feito só conseguido pela Itália (1934/38) e pelo Brasil (1958/62), o bicampeonato. Mesmo que por esta altura seja cedo demais para acreditarmos todos nisso.

Foi mais do que um golo, foi um grito de que eles estão vivos. Bem vivos e ansiosos por corrigir tudo diante da Coreia do Sul.