Sendo a equipa com a melhor prestação de toda a fase de grupos da Liga dos Campeões, o FC Porto foi encarado como o natural favorito no embate contra a Roma, mesmo tendo em conta que iria jogar sob o fervoroso ambiente do Stadio Olimpico. A contribuir para esse favoritismo estava o histórico de jogos entre as duas equipas - em quatro jogos, os portistas nunca perderam com os romanos, empatando e ganhando em dose dupla - e o facto da turma de Eusebio Di Francesco estar a realizar uma época inconsistente, atualmente num sexto lugar a 25 pontos da líder Juventus.
Contudo, toda a equipa vive de fases, e a equipa de Sérgio Conceição que arrumou o Galatasaray com alguma displicência a 11 de dezembro de 2018 não foi a mesma que se apresentou nesta ronda dos oitavos de final. A fase de inverno já é tradicionalmente difícil para equipas envolvidas em várias frentes, pior ainda para turmas tão fisicamente intensas como a do treinador português e, não se podendo propriamente falar de crise, os dois empates cedidos ao Vitória de Guimarães e ao Moreirense não foram os mais auspiciosos dos tónicos para este jogo.
Apesar de evocar o seu passado feliz nos eternos rivais da Roma e de lembrar que o Porto é uma equipa “de topo mundial” na antevisão ao jogo, o treinador dos dragões sabia que este ia ser um jogo complicado, especialmente sabendo que não poderia contar com duas das suas mais letais armas no ataque: Marega (lesão) e Corona (castigo).
O Porto apresentou-se organizado e preparado para combater, mas foi surpreendido, porque a Roma, que tem vindo a demonstrar uma incomum falta de solidez defensiva ao longo de toda a campanha, deve ter ido “marrar” os manuais da sua gloriosa história militar e foi praticamente intransponível durante todo o encontro.
Aos azuis e brancos, a aposta forçada em Tiquinho Soares e Fernando Andrade - duas estreias, a do segundo absoluta, na Liga dos Campeões - resultou numa notória ausência de poder de fogo, faltando-lhes a verticalidade que o jogador maliano oferece, a proverbial lança para perfurar a formação de tartaruga dos giallorossi. Da parte da Roma, antecipando que o exército guerreiro acamparia às suas portas e tentaria forçar a entrada, preferiu-se prescindir da iniciativa de jogo e tentar chegar a Casillas através de raids, estratégia que acabou por ser vitoriosa.
No entanto, a falta de acerto ofensivo da parte de um lado e o excesso de cinismo do outro resultaram numa primeira parte a que o lendário historiador Tácito não dedicaria mais do que duas ou três linhas nos seus tomos, tal foi o marasmo.
Do Porto, um remate solitário de Fernando Andrade aos 26 minutos, apesar de toda a pressão alta e posse de bola. Já à Roma pertenceu a melhor oportunidade dos primeiros 45 minutos, com Džeko encostado à esquerda a responder a um cruzamento com um primeiro toque sublime, fletindo para dentro e tentando colocar a bola entre o poste esquerdo e Casillas - acertou no primeiro. Estes dois lances, em conjunto com um remate de Pellegrini à figura do guarda-redes portista, resultaram nos três únicos remates à baliza até ao intervalo, um cômputo francamente negativo para um jogo ao nível da Liga dos Campeões.
créditos: EPA/RICCARDO ANTIMIANI[/caption]
Findado o descanso, a segunda parte parecia seguir o mesmo rumo da primeira, com o Porto a pressionar alto e a Roma a procurar o contragolpe para criar perigo. Nos primeiros minutos, cada equipa dispôs de uma oportunidade flagrante para se adiantar no marcador: nos romanos, Bryan Cristante fez uma fantástica receção orientada dentro da área azul e branca e rematou para defesa atenta de Casillas; nos portistas, Danilo respondeu ao canto batido por Alex Telles com uma cabeçada de cima para baixo ao primeiro poste que fez a bola rasar o ferro contrário.
Contudo, algum romano deve ter feito uma oferta aos deuses, porque no espaço de 10 minutos a estratégia do Porto desabou numa sequência que foi de mal a pior. Brahimi lesionou-se e teve de abandonar o campo, sendo substituído por Adrián López e enquanto a equipa se procurava reorganizar, a Roma marcou o primeiro. Depois de um lançamento lateral, El Shaarawy cruza para Džeko e este, no coração da área, deixa para Nicolò Zaniolo, que num remate cruzado da direita para a esquerda bateu Casillas.
Tendo de correr atrás do prejuízo, o Porto lançou-se num ataque ainda mais desenfreado, mas a decisão custou caro à equipa portuense. Perda de bola da equipa azul e branca, Edin Džeko galga terreno e remata rasteiro ao poste, sobrando o esférico de bandeja para Zaniolo, menino de 19 anos a bisar na elite do futebol europeu.
No entanto, apesar de ver as adversidades avolumarem-se, a equipa de Sérgio Conceição já deixou claro mais do que uma vez que, quer jogue bem ou mal, nunca desiste, e tal bravura compensou o Porto. Se todos os caminhos vão dar a Roma, os dragões encontraram a da baliza adversária num lance algo fortuito e que não resultou propriamente de uma jogada bem construída. Como já vinha sendo ensaiado ao longo de todo o jogo, Felipe lançou uma bola longa para a área contrária, que Adrián López amorteceu para Tiquinho Soares disparar à baliza. No entanto, se o Porto já tinha sido atacado pelo azar com Brahimi, aqui foi bafejado pela sorte, sendo que o remate, completamente torto, foi parar aos pés de López, que, estando em jogo, rematou para o 2-1 e devolveu a esperança aos azuis e brancos.
A partir daqui, os giallorossi perderam o critério defensivo que até então vinham exibindo e deixaram-se consumir pelos nervos, mas o Porto, já com Hernâni em campo - ele que foi o talismã frente ao Galatasaray - não foi capaz de voltar a bater Mirante e foi até a Roma a dispor de uma última oportunidade para matar o jogo, com Kolarov a permitir mais uma defesa de Casillas.
O Porto finalmente sentiria o amargo sabor da derrota, mas não é perdendo uma batalha que se perde a guerra. Agora é no Dragão, dentro de três semanas, que tudo se decide.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
Felipe é um belo defesa em direito próprio, mas também mostrou ser uma pessoa repleta de ironia ao longo da primeira parte. Isso, ou falta de auto-reflexividade, porque andar a gritar aos colegas para terem calma na fase de construção e depois fazer passes arriscados ou tentar sair a jogar em drible e perder a bola é um exercício capaz de fazer perder a paciência ao mais espiritualmente pleno dos jogadores. A sorte da equipa é que deixou de fazer disparates ao longo da segunda parte e foi dum passe longo dele que resultou no golo do Porto.
Casilhas, a vantagem de ter dois braços (e uma cara)
Os líderes dão a cara nos momentos complicados. No caso de Iker Casillas, essa interpretação pode ser tomada como literal, já que no último lance de ataque do jogo, a Roma podia ter ampliado o resultado para uma preocupante vantagem de 3-1, mas o remate de Kolarov esbarrou na fotogénica face do guardião do Porto, com direito a sangue do nariz e tudo. O experiente guarda-redes foi um poço de serenidade - fazendo várias defesas que mantiveram a equipa azul e branca em jogo -, qualidade apenas equiparada na figura de Danilo Pereira, que foi o mais criterioso dos jogadores portistas em campo. No esquadrão romano, o destaque vai todo para Nicolò Zaniolo, que com 19 anos nem tem direito para jogar com este critério, muito menos para marcar dois golos com toda a classe.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
No melhor pano cai a nódoa, ou, neste caso, uma das melhores jogadas de todo o encontro teria sido imaculada se não tivesse nascido torta. Lance na direita do ataque da Roma, Bryan Cristante, trabalha muito bem sobre dois jogadores do Porto, fazendo, inclusive, um “cabrito” para depois conseguir cruzar a bola para Pellegrini, já dentro da área portista. Este, querendo manter a bitola, fez um potente remate rasteiro e, como não há duas sem três, Casillas fez uma grande defesa. O problema de tudo isto? É que não devia ter acontecido, já que Brahimi estava no chão e Casillas já tinha colocado a bola fora.
Nem com dois pulmões chegava à bola
“O futebol é isto” arrisca-se a ser a frase mais nauseante de uma larga coletânea de aforismos cansados dedicados ao desporto-rei. Mas o que dizer da “assistência” que Tiquinho Soares fez para o golo de Adrián López? Dum remate mais enroscado que uma lâmpada surgiu um golo, da nabice a glória, da mais fina falta de jeito um passe que deixou o avançado espanhol completamente isolado para deixar tudo em aberto para a segunda mão, provando que, sim, o futebol é mesmo “isto”.
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