O Manchester United não é um clube qualquer e os seus adeptos sabem disso melhor que ninguém. Tanto assim é, que estes são os primeiros a apoiar José Mourinho e a maioria não o culpa pelo que está a acontecer. Assim sendo, o que se está a passar com o Manchester United da era moderna?

De forma a irmos diretos ao assunto, vejamos a diferença, na prática, entre os rivais de Manchester. Na tabela são sete os pontos que separam as equipas. Em apenas oito jornadas o City lidera a Premier League com uns sólidos vinte pontos, enquanto o United se apresenta em oitavo lugar com apenas treze pontos. (A diferença é estonteante. O United perdeu praticamente um ponto por jogo para o rival.) Algo que contribui para esse efeito é a diferença entre golos marcados e sofridos por ambas as equipas. Se o City leva uma diferença de +18, tendo uma média de aproximadamente 2,6 golos marcados por jogo, com apenas três golos sofridos, o United leva um record negativo de -1 com aproximadamente 1,6 golos marcados e 1,8 golos sofridos por jogo. Mas de onde vem e de quem é culpa desta diferença abismal?

Manchester United: um gigante adormecido

Vamos ser muito frontais ao abordar este tema. É José Mourinho o último na lista de culpados pela situação em que se encontra o United? Não, mas também não é o primeiro.

O problema do United vem de algum tempo a esta parte. Vem de ter um — muito mais que um, na verdade — rival com capacidade ilimitada de investimento, mas também tem muito a ver com uma perda gradual de identidade. E no segundo fator reside o verdadeiro problema e a possível solução para os males dos vermelhos de Manchester.

Por incrível que pareça, o Manchester United está com problemas em fazer a transição para o futebol moderno. Se na história do futebol os Red Devils são um dos gigantes, no futebol moderno o United é um clube pequeno. E é isso mesmo que José Mourinho tem tentado gritar aos sete ventos desde que chegou, mas ninguém parece querer ouvir — talvez a forma como o tem feito também não seja a melhor.

O Manchester United da era moderna é um clube que nos últimos anos perdeu toda a identidade. Com as saídas de Paul Scholes, Michael Carrick, Wayne Rooney, Rio Ferdinand, Darren Fletcher, Ryan Giggs, entre muitos outros, só para mencionar os últimos sobreviventes de um United mais britânico, o clube bicampeão europeu perdeu o que lhe restava de personalidade.

Tende-se a falar de como Sir Alex Ferguson conseguia, quase que por magia, vencer com um United recheado de jogadores banais, envoltos num ou noutro jogador de classe mundial. Isto não é de modo algum mentira; o que falta mencionar é que não só o fez contra menos clubes com capacidade ilimitada de investimento, como o fez, e aqui sim reside a grande diferença, com a ajuda de jogadores que sentiam a camisola do United e que lutavam em nome de algo maior. E sim, vamos falar, não de amor à camisola, mas de respeito à camisola e profissionalismo. Existem centenas, ou até milhares, de jogadores estrangeiros que sentem a camisola do clube onde jogam, sendo Patrice Evra um dos meus exemplos favoritos no Manchester United. Mas existem também os que sentem as suas ambições pessoais mais que as ambições do clube que representam.

O United falhou. Falhou ao deixar de produzir jogadores que sintam o clube e as suas origens como os anteriores o fizeram, e falhou em recrutar jogadores com potencial, que pudessem não só vir a sentir a camisola do United, como a tornarem-se jogadores essenciais ao sucesso da equipa, como foram os casos de Paul Scholes, Ryan Giggs, David Beckham no primeiro caso e Wayne Rooney, Roy Keane ou Michael Carrick, só para mencionar alguns.

Alex Ferguson e David Beckham
créditos: PATRICK HERTZOG / AFP

Onde encaixa José Mourinho no meio disto

O que José Mourinho tem em grande quantidade (personalidade e vontade de vencer) escasseia à maioria dos jogadores do United. Vivemos tempos em que os jogadores gerem as suas próprias carreiras e onde essa gestão perturba, normalmente, o rendimento desse mesmo jogador. E não pelo facto de ocupar muito tempo ou de existirem compromissos publicitários a mais, mas sim porque a dimensão de alguns jogadores hoje em dia colocam-nos numa posição pouco natural em relação ao treinador — que deve ter uma posição de liderança que não pode ser afetada. A dificuldade de gestão do ego e a confusão de papéis a desempenhar na organização tem levado muitas vezes ao sacrifício dos resultados.

É justo dizer que, neste momento, José Mourinho já terá perdido a paciência. Os títulos que o próprio se gabou de ter ganho foram muito mais que uma simples demonstração de prepotência, foram uma declaração de que o português está saturado com o facto de não lutar com as mesmas armas e ao mesmo tempo não ter os jogadores nem do seu lado, nem do lado do clube. José Mourinho habituou-se a treinar jogadores como Ricardo Carvalho, Costinha, Frank Lampard, John Terry, Javier Zanetti, Esteban Cambiasso, Sergio Ramos, Ronaldo, entre muitos e muitos outros, que colocavam tudo no terreno de jogo, fosse por amor à camisola ou fosse por profissionalismo e amor-próprio.

Por mais voltas que se queiram dar, não se pode negar a capacidade de José Mourinho para liderar e levar uma equipa ao sucesso. E quem pensa que o treinador está ultrapassado ou já não sabe o que faz, não poderia, em minha opinião, estar mais enganado. Podia o técnico fazer muito melhor do que está a fazer? Poder podia, mas a diferença entre o fazer melhor e o vencer, continuaria a ser abismal. Não só isso, como nunca houve e nunca haverá treinador, no qual os adeptos percebam a cem por cento as razões para algumas das suas escolhas e opções. Isso acontece porque não estamos por dentro da equipa, do seu dia-a-dia e principalmente porque não temos a experiência adquirida do treinador em questão. Não temos nem nunca teremos, já que essa é a característica que nos ajuda a sermos nós próprios. Assim sendo, é escusado tentarmos justificar a situação atual do United baseado numa ou noutra decisão, numa opção de jogador ou estratégia. Melhor que ninguém José Mourinho sabe preparar uma equipa. Este não é um facto alternativo, é apenas a realidade.

Manchester United
Julho, 2007. créditos: EPA/KIMIMASA MAYAMA

A solução

A solução dos Red Devils passará por se adaptar ao futebol moderno, injetando dinheiro sem fim ou, mais do que nunca, por ter orgulho naquilo que um dia foi e nos costumes que tornaram o United na equipa histórica que é.

O que é certo é que se escolhessem a segunda opção não precisavam de procurar fora de casa. Têm em José Mourinho o homem ideal para abraçar um projeto que reunisse os adeptos em volta do clube e, com tempo, trazer de volta a mística que os identifica. Lutar paulatinamente por um lugar ao sol, com a aposta total na academia e na busca de jovens promessas que queiram lutar pelo United, pode ser a solução mais sólida. Ainda assim, sabemos que essa não é a hipótese mais provável. Tanto não é que os rumores de aquisição do Manchester United por parte do Príncipe da Arábia Saudita Mohammad bin Salman começam a fazer perceber que essa poderá ser, muito em breve, uma realidade. Poderá não ser o fim do mundo e poderá permitir a mesma estratégia de que acabei de falar, a de reerguer o United pelos seus valores, e não pela simples razão de vencer a todo o custo; porém, se tal acontecer, parece-me que o investimento ilimitado para voltar aos títulos o mais depressa possível será o trajeto mais óbvio.

O futebol inglês como um dia o conhecemos morreu e é com essa realidade com que temos de viver. Fica para cada clube escolher como quer enfrentar o futuro. Mas mais que isso fica a questão no ar: será possível enfrentar o futuro e ter sucesso desportivo e financeiro lutando de forma diferente? Eu sou da opinião de que apostando nas pessoas certas, colocando em prática uma estratégia que siga linhas bem definidas quer nos orgãos de gestão, quer em quem coloca as ideias em prática, é possível vencer e ter sucesso apostando na identidade de cada clube. E o United tem em José Mourinho um dos poucos técnicos de elite capaz colocar essas ideias em prática. Resta agora saber se, quem está acima, está disposto a que tal aconteça ou se permite que cada elemento possa, anarquicamente, afetar os objetivos da equipa.

Esta semana na Premier League

A cada semana que passa o fosso entre o United e os primeiros é maior e a probabilidade de José Mourinho abandonar o cargo de treinador da equipa é maior. A nona jornada trará mais um desafio para o treinador português. Uma muito complicada deslocação a Stamford Bridge poderá fazer pender a balança para qualquer lado — dependendo do resultado alcançado, claro. Ao observar a partida, mais do que nas opções do técnico, focar-me-ei em perceber se existe uma diferença de atitude e de entrega entre os azuis e os vermelhos.