Talvez o nome Zion Williamson diga pouco à maioria dos portugueses fãs de desporto. Afinal de contas, num país dominado pelo futebol, conhecer um jogador de basquetebol universitário norte-americano poderá ser só para os entusiastas.

A questão é que Zion Williamson não é um simples teenager que por acaso joga basquetebol. Apontado pelos especialistas como a mais que provável primeira escolha do draft da NBA (o processo que permite às equipas que participam na principal liga de basquetebol do mundo escolher os melhores jogadores oriundos da universidade ou do estrangeiro), o jovem de 18 anos da Carolina do Norte é aquilo que muitos consideram um “freak of nature”, ou seja, alguém com uma capacidade física muito acima da média.

Senão vejamos: com pouco mais de dois metros e quase 130 quilos, Zion não seria, à partida, um jogador ágil ou atlético. Mas isso só é verdade até o vermos fazer coisas como esta:

A agilidade, explosão e capacidade de salto de um jogador com o seu peso fazem de Zion uma raridade no panorama basquetebolístico mundial. Na verdade, o seu potencial físico faz dele uma raridade no desporto. Ponto. E é por isso que aos 16 anos Williamson já estava na capa da SLAM, uma das principais revistas desportivas dos EUA, dedicada ao basquetebol.

“He’s explosive like Russ. He dunks like LeBron”, refere a capa. Ou seja, aos 16 anos Zion Williamson via a sua força de explosão comparada a Russell Westbrook (Jogador Mais Valioso da NBA na temporada de 2017 e considerado um dos mais explosivos jogadores da liga) e os seus afundanços comparados aos de LeBron James, o homem que divide opiniões sobre qual o melhor jogador da história da NBA: ele próprio ou um tal de... Michael Jordan? Portanto, quando ainda não tinha sequer atingido a maioridade, Zion já era comparado a um dos melhores jogadores de basquetebol do mundo e a um dos melhores desportistas de sempre. Sem pressão, certo? Mais ou menos. 

No verão passado Zion teve de escolher a que universidade se juntaria para aquela que se esperava ser a sua primeira e única época no basquetebol universitário americano (até há poucos anos era possível à NBA recrutar jogadores diretamente ao ensino secundário – LeBron James, Kobe Bryant ou Kevin Garnett chegaram assim à NBA, por exemplo –, mas atualmente tal não é permitido). Pois bem, a escolha recaiu em Duke, uma das mais prestigiadas universidades dos EUA no que ao basquetebol diz respeito, ou não tivesse vencido 5 campeonatos de basquetebol universitário (todos a partir dos anos 90), fosse treinada por Mike Krzyzewski (selecionador nacional da equipa de basquetebol dos EUA de 2006 a 2016) ou tivesse dado à NBA nomes como Grant Hill, Elton Brand ou Kyrie Irving.

Zion juntou-se, assim a Duke. Mas não foi sozinho. Com ele chegou também RJ Barrett, um prodígio do Canadá (afilhado de um tal de... Steve Nash, base canadiano duas vezes nomeado Jogador Mais Valioso da NBA) que com apenas 17 anos guiou a sua seleção à vitória no Mundial sub-19 de 2017 pela primeira vez na história, tornando-se também no Jogador Mais Valioso do torneio. E que também já foi capa da SLAM. Mas também Cam Reddish, exímio lançador comparado a estrelas da NBA como Paul George ou Gordon Hayward. Se a estes três nomes juntarmos os de Tre Jones e Joey Baker, podemos estar perante aquilo a que Sports Illustrated chamou de “Fabbest Five”.

“Fabbest Five” é uma referência aos originais “Fab Five”, equipa da Universidade de Michigan que em 1991 abalou os EUA. Estávamos no início dos anos 90 e, para além dos resultados desportivos, a equipa de Michigan teve um impacto fora do campo, fruto da forma como se vestia e comunicava com os media. Tal como os Duke atuais, tinham na sua equipa cinco caloiros que prometiam fazer história (dentro e fora do campo). E três deles – Chris Webber, Jalen Rose e Juwan Howard – fizeram-no, tendo tido boas carreiras na NBA. Da mesma forma que três dos jogadores desta equipa de Duke (Williamson, Barrett e Reddish) estão apontados às seis primeiras escolhas do draft da NBA.

Ora, se o impacto desportivo de Duke é óbvio (no início da época faziam-se apostas sobre se a equipa liderada por Mike Krzyzewski perderia sequer um jogo), fora de campo e na era das redes sociais é astronómico: enquanto Zion conta já com 2,5 milhões de seguidores no Instagram, RJ Barrett publica fotos com Floyd Mayweather depois de um jogo.

As comparações eram, por isso, inevitáveis.

Com Zion à cabeça, o hype à volta de Duke foi crescendo ao ponto de, no último jogo da equipa, na passada 4.ª feira, Barack Obama ter sido um dos espetadores presentes na bancada e de os bilhetes para a partida estarem a ser revendidos a mais de 3 mil dólares! Sim, leram bem: um jogo do campeonato universitário americano teve bilhetes a serem revendidos a preços parecidos aos do Super Bowl.

Apesar de universitário, a única coisa que este campeonato parece ter de amador são... os jogadores. Mas para percebermos isto, é importante perceber primeiro o que é a NCAA. A NCAA (National Collegiate Athletic Association) é o organismo que gere as competições desportivas universitárias nos EUA e que estipula regras claras no que diz respeito à remuneração de atletas pelas universidades e que, em traços gerais, significam que é possível atribuir uma bolsa de estudos, mas não é possível pagar um salário a um jogador que, na prática, é um estudante universitário.

E se é verdade que esta medida pode ser vista, por alguns, como uma forma de manter a competitividade e impedir que os mais ricos fiquem com os melhores jogadores (algo que acontece com o futebol na Europa, por exemplo), não é menos verdade que a percentagem das receitas da NCAA que entra, efetivamente, nos bolsos dos jogadores é “ridícula” quando comparada com o volume total. A título de exemplo, em 2017 a Turner (empresa de media dona da CNN e da TNT, entre outras) pagou mais de 850 milhões de dólares à NCAA pelos direitos de transmissão da final do campeonato universitário de basquetebol dos EUA. Contas feitas pelo site desportivo SB Nation mostram que, desse valor, apenas uma pequena parte (cerca de 44 milhões) entra, efetivamente, nos bolsos dos 884 jogadores que têm direito a bolsa de estudos por parte das universidades (são 13 bolsas por universidade, sendo que no principal campeonato universitário de basquetebol competem 68 universidades).

O dilema de amadorismo vs. profissionalismo nos campeonatos universitários não é novo, até porque, na prática, os jogadores comportam-se como profissionais. Apenas não recebem como tal. E é sobre isso que versa o documentário da HBO “Student Athlete”, produzido (entre outros) por... LeBron James, e que mostra como funciona o desporto universitário americano e o seu impacto nos jovens que o alimentam (com algumas acusações à NCAA pelo caminho).

Tudo isto para chegarmos até à passada quarta-feira, data em que Zion e os seus companheiros de equipa receberam os rivais da Universidade da Carolina do Norte (com Obama nas bancadas, já referimos?). O jogo começa e logo no primeiro minuto, isto acontece:

E o mundo da NBA implodiu.

Não só Zion Williamson, aquele que muitos consideram ser o jogador sobre o qual existe mais expetativa desde LeBron James se lesionara, como tal tinha acontecido depois de uma das suas sapatilhas se ter rasgado enquanto driblava a bola. As reações imediatas foram mais que muitas, incluindo do próprio LeBron James, e visavam, sobretudo, desejar as rápidas melhoras ao prodígio de Duke.

Mas a bola de neve foi sendo criada e de rápidas melhoras depressa se passou para os milhões de dólares que rodeiam o desporto universitário e para o facto dos seus principais intervenientes – os jogadores – não serem pagos (como lembrou a estrela dos Utah Jazz, Donovan Mitchell), bem como o papel da NCAA em todo o processo (organização categorizada como “uma treta” por DeMarcus Cousins, a sempre polémica estrela dos atuais campeões da NBA, os Golden State Warriors).

E no meio de tudo isto, até as ações da Nike (marca dos ténis usados por Williamson no jogo) caíram, provando que a queda de um teenager num jogo de basquetebol universitário poderá ter um impacto muito maior do que, à partida, seria de esperar.

Ainda que Zion Williamson seja um atleta “amador”. Certo?