Quanto tudo parecia inclinado para uma vitória do FC Porto, a jovem equipa do Sporting selou o resultado final de modo a espelhar aquilo que se passou em campo: um empate técnico. Foi perto do fim, aos 87', que Vietto agraciou a luta intensa de uma equipa que nunca deixou de procurar reverter o resultado negativo que enfrentava. Corona revelou na flash que o Porto merecia mais, certamente haverá sportinguistas a dizer o contrário, mas a esmagadora maioria deve considerar que o empate se aceita.
Independentemente do que se analise, no cômputo geral, o empate a duas bolas não só se aceita como parece ser efetivamente o mais justo mediante aquilo que se passou dentro do campo. O Benfica, ainda que Jorge Jesus diga que não interessa, pode assim alargar a vantagem para cinco pontos aos dois rivais na mesma jornada. Se bem que, à quarta jornada, isso vale o que vale.
Quanto ao clássico, o Sporting não apresentou novidades de maior, excluindo a titularidade de João Palhinha. Ganhou a ficha de jogo um nome inédito nesta época, ganhou o meio campo leonino em tamanho, força e estampa física no miolo. Matheus Nunes foi o seu companheiro e manteve-se no onze, estando o trio Pedro Gonçalves, Nuno Santos e Jovane encarregues de fazer as despesas do ataque. Já a equipa visitante contou com Marchesín, recuperado, e com Zaidu, reforço vindo do Santa Clara que tem a dura missão de fazer esquecer Alex Telles, que jogou de início. No banco, à espreita para fazer a sua estreia, estavam Felipe Anderson, Toni Martínez e Taremi (do lado portista) e João Mário (no caso dos leões). Nakajima não entrou e não foi a jogo, mas parece estar reintegrado uma vez que já podia ser opção para hoje.
Sobre o jogo em si, nunca é bom presságio para uma equipa ver o seu guarda-redes a fazer uma defesa importante logo nos minutos iniciais. E se esse minuto for logo o primeiro, especialmente num conjunto em que vários elementos são jovens, a coisa pode tremer. Felizmente para o Sporting, Adán puxou dos galões dos seus 33 anos e deixou o jogo a zeros. Mas não por muito tempo. Porque não demorou muito até estar feito o primeiro em Alvalade. O início do parágrafo parece destinado à catástrofe em forma de penitência, mas aqui só serve para fazer a introdução à inauguração do marcador.
O golo do Sporting, por intermédio de Nuno Santos, foi logo aos 8'. Mas o lance de grande perigo e que causaria certamente um calafrio capaz de retumbar forte coração leonino nas bancadas, se tal fosse possível, foi logo quase de imediato após o pontapé de saída. É que depois de Sérgio Oliveira bater um livre lateral, Pepe apareceu in extremis para desviar o esférico e colocar o campeão nacional na frente. Porém, Adán, um dos reforços desta temporada, disse "presente" e desviou aquilo que parecia um golo quase certo do veterano — conotação que não o impede de ter sido um dos melhores da seleção nacional durante a paragem para os jogos internacionais em jogos a contar para a Liga das Nações e o melhor em campo esta noite.
Volvidos pouco mais de cinco minutos após o lance que gelaria Alvalade mas que acabou numa boa defesa, na sequência de um lançamento lateral, houve tempo para um desvio (infeliz) de cabeça de Mbemba, sendo que a bola sobrou para Nuno Santos. Ora, o extremo e ex-jogador do Rio Ave, não teve qualquer tipo de cerimónias. Encheu o pé esquerdo, rematou de primeira e meteu a bola junto ao poste mais próximo de Marchesín, o guarda-redes portista. O argentino, ainda que tenha uma agilidade capaz de fazer corar um gato selvagem, não foi capaz de fazer nada neste lance. Foi um remate bem colocado, violento e com selo de golo. Nuno Santos foi um dos melhores elementos do Sporting até sair e neste lance demonstrou que se trata de uma contratação de qualidade.
Só que a resposta portista não se fez esperar. Pinto da Costa disse a meio da semana que não gosta de perder bons jogadores. E Alex Telles é o ímpeto de bom jogador. Temível na arte do cruzamento, exímio na arte da bola parada, era uma peça muito importante da maquinaria futebolística orientada por Sérgio Conceição. Não só por ser preponderante no caudal ofensivo, mas por tudo o resto. Só que esta noite o brasileiro não estava disponível. Ou seja, o timoneiro portista avançou com Zaidu. Ora, o nigeriano foi chamado à titularidade e não se fez acanhado. Obrigou Porro na direita a correr que nem um desalmado e, não tendo o requinte de Telles, assumiu o papel deste onde interessa: na assistência para golo.
Ao minuto 25', bem dentro do meio-campo leonino, obviamente no seu flanco esquerdo, eis que Zaidu saca de um belíssimo cruzamento a meia altura sobre a defesa leonina para encontrar um Uribe (solto) prontíssimo para finalizar de pé esquerdo, de primeira e em balanço corrido já que vinha lançado e a pedir a redondinha. Adán, se brilhou no primeiro minuto, aqui nada podia fazer — e o autor desta crónica pede desculpa pela utilização excessiva do sufixo intensivo.
O melhor do encontro foi passado nestes 45'. O jogo tem 90', um golo até foi no fim, mas o grosso da história faz-se do primeiro tempo. Especialmente lá para o fim. Aliás, este jogo podia muito bem ser resumido facilmente com os incidentes iniciais e finais de cada parte. Porque o sumário é fácil de fazer: primeira parte disputada, combativa e intensa; na segunda metade "consagraram-se" as paragens e resiliência. Contudo, a história que vai certamente marcar discussões e painéis dos programas desportivos aconteceu no final da primeira parte. Quando todos esperavam que o Sporting marcasse um canto (ofensivo) para que as equipas reunissem aos balneários, para refrescar as ideias, as gargantas e as pernas, sucedem vários acontecimentos que marcaram o filme do encontro. Ora, por razões óbvias, vamos primeiro ao mais importante: o segundo golo do FC Porto, o primeiro de Corona.
O início. Sporting bate um canto a seu favor, a bola é cortada e pinga para fora da área do FC Porto. Díaz controla a dita, na raça condu-la até chegar à linha do meio-campo. Chegada à zona onde se começam as partidas ao minuto zero, Nuno Mendes tenta ganhar a bola com o seu cabedal, mas o colombiano leva a melhor e fica com a bola. Depois, decidiu que era ele a tomar as rédeas e arredou caminho numa incursão até à grande área do adversário, fazendo gato sapato da defesa leonina quando lá chegou. E se o momento estava a ser de primor técnico, a bola sobrou para Corona, vulgo Tecatito nestas andanças.
Quem anda atento a isto da bola nacional já sabe que o mexicano tem uma habilidade predestinada que abençoa os pés dos craques. Portanto, daí para a frente, como se escreveria numa crónica de futebol à antiga, pois as ditas já fazem parte dum séc. XX cada vez mais distante, o momento foi passado numa "cabine telefónica". Lá dentro, com suplesse e toque de virtuoso, tira dois adversários do caminho e pica a bola sobre Adán para fazer balançar a rede. Ou seja, estava feita a reviravolta. Aos 45'. Portanto, tudo para o balneário? Não, nada disso.
Marcava o relógio 45'+2 do primeiro tempo, e o pé esquerdo de Nuno Santos cruzou com conta, peso e medida para as costas da defesa portista, que estava com a sua linha bem subida, em que Zaidu, que há minutos atrás tinha feito um cruzamento milimétrico bem jeitoso para os resumos que pululam o YouTube, viu Pedro Gonçalves fazer um movimento de ruptura como uma seta para ficar na cara de Marchesín. Como defesa que é, tentou chegar primeiro à bola que o atacante adversário. Mas não conseguiu e tocou com o braço nas costas do extremo português, que caiu na área. Luís Godinho, o homem do apito desta noite e o responsável pelas decisões do clássico, assinalou de pronto penálti. E mostrou o segundo amarelo a Zaidu (e vermelho) ao lateral portista. No entanto, o lance iria ao VAR.
O vídeo-árbitro analisou o lance na Cidade do Futebol, mas teve dúvidas da decisão — o que levou Godinho a rever novamente a situação. Só que a revisão do lance levou à revisão do juízo inicial. Ou seja, reverteu a decisão da grande penalidade, retirou o segundo amarelo ao lateral do FC Porto e o jogo tinha tudo para seguir o seu curso até ao balneário. Só que não. Ruben Amorim, descontente com a decisão da anulação do penálti, exaltou-se e mostrou o que achava de tudo aquilo. Godinho, em modo árbitro assertivo, não gostou e mostrou o vermelho ao técnico leonino. Ou seja, num ápice, estava dado o volte face no encontro. Sem penálti, mantendo-se ainda assim a expulsão, mas do lado contrário. Encerrada a primeira parte? Sim, só que com Neto ser admoestado com amarelo.
Não foi um jogo perfeito e sem adeptos já se sabe que a atmosfera não parece aquela de clássico. No entanto, a polémica poderá vir a ser a de sempre nos próximos dias. Uns dirão que a houve contacto e que há penálti, outros dirão que o contacto faz parte do futebol e que não foi suficiente para derrubar o jogador.
De regresso ao relvado, o Sporting entrou mais rematador e a querer inverter a ordem dos dígitos do marcador. Pedro Gonçalves e Nuno Mendes deram o sinal, de meia distância, mas a bola ou batia num jovem valentão de 37 anos, com as letrinhas Pepe na camisola, ou ia para fora. Os leões tentavam, assim, chegar à igualdade. Mas aquilo que se viu durante 15' foi apenas o FC Porto a gerir o encontro sem bola. Depois disso, com uma série de substituições, passou a fazê-lo com bola. E já com duas contratações do último defeso de quem se espera toques de genialidade e golos.
Pondo as coisas doutra forma: as equipas subiram ao relvado, mas uma corria atrás do prejuízo e outra tentava em contra-ataque fazer o 1-3 e quebrar a esperança dos jovens leões da equipa contrária. Porém, de assinalar, só a miríade de substituições. Porque a pandemia não trouxe só bancadas vazias e ecos ensurdecedores. Trouxe substituições. Muitas substituições. E dos 56' aos 62' existiram 5 trocas, quase uma por minuto.
Assim, a mudança do xadrez ditou o seguinte: Ruben Amorim tirou Jovane Cabral (Vietto), Neto (Plata) e Nuno Santos, com queixas musculares (por Tiago Tomás); Sérgio Conceição retirou Luis Díaz (Felipe Anderson) e Marega (Martínez), possivelmente mais por desgaste físico do que pelo rendimento, no caso do primeiro, já que o colombiano estava a ser um dos melhores em campo. Por outras palavras, o treinador portista manteve esquema e refrescou as pernas, ao passo que o técnico da equipa da casa colocou mais um elemento no ataque. Mas o jogo, embora claramente a ficar mais partido, estava com demasiadas pausas, muito tático e a ficar cada vez mais "durinho".
Foi preciso esperar por um remate de Pedro Porro para esboçar algo que se assemelhasse a ação digna de levantar pestana ensonada — é que a bola passou muito perto do poste da baliza de Marchesín. O espanhol teve um jogo um pouco sofrido, mas neste lance esteve bem perto da igualdade. No entanto, o clássico não serviu só para mostrar reforços recém-chegados ao Dragão, deu também para João Mário voltar a vestir a camisola que o viu crescer. Hoje o jogo não o permitiu nem esteve para isso, mas certamente será uma pela basilar nos planos de Amorim. Quer seja para orientar a juventude, quer seja para abrilhantar o ataque. Não é um jogador qualquer, é alguém da casa e que tem a bitola de Campeão Europeu de seleções.
Para terminar, falta só escrever que o Sporting chegaria ao empate porque acreditou sempre que podia chegar ao golo. Podia não ser aquele que garantia a vitória, os três pontos, mas pelo menos demostrava que estavam nunca desistiram. O momento chegou quando Pedro Gonçalves, solto na direita, teve a habilidade de colocar a bola no coração da grande área a pedir um desvio à ponta-de-lança, aquele que Jovane nunca conseguiu ser durante o período em que esteve em campo. Sporar, saído do banco, tentou emendar o cruzamento de calcanhar, mas o gato argentino chegou à bola e fez de parede. Porém, parede que é parede faz ressaltar a bola — que sobrou para a frente e precisamente no caminho de Vietto que apareceu vindo de trás, a trote, tal como o fez Díaz na primeira parte. Estava feito o 2-2, bem perto do fim.
Durante quase toda a segunda parte o FC Porto parecia ser a equipa madura que despejava qualquer lance de perigo criado por um ataque leonino que ia crescendo. Parecia mesmo que a equipa madura, a campeã, ia prevalecer. Não há barulho nem gritos, não há cânticos que carregam uma equipa às costas. Isso, à equipa forasteira, pode dar uma ajuda. Mas há que contar com a irreverência da juventude. E a juventude tanto quis que conseguiu o empate que penalizou os experientes que não souberam manter o equilíbrio emocional intacto até ao fim. Pepe tem muita experiência. Se tem quase 38 anos de idade, não parece. Se parece alguma coisa, parece só que está fresco e pronto para continuar a ensinar muito jovem futebolista a despontar. Mas Pepe é só um homem como qualquer outro. E esta noite limpou quase tudo o que havia para limpar, qual vassoura imperial de lances de perigo, e até capitaneou o grupo portista mais experiente. Mas é preciso ajuda porque a sua experiência controla muita coisa, mas não controla tudo.
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