A eBay, empresa de comércio online, lançou o mês passado o relatório "State of Trading Cards", onde apontava para um aumento de 142% nas vendas neste mercado em 2020 em comparação com o ano anterior.
Afinal, foram mais de quatro milhões de "trading cards" compradas por colecionadores. E vão desde cartas de Pokémon a cartões desportivos de jogadores de futebol, basebol, futebol americano ou basquetebol. O facto de muitas pessoas passarem mais tempo em casa devido à pandemia parece ser um dos motivos que explica o fenómeno de procura.
Segundo este relatório, em cartões de basquetebol o aumento num só ano foi de 300% e em cartas de Pokémon de 500%.
"Nunca vi cartões de jogo mostrarem um aumento tão acentuado de popularidade e de valor", afirma à eBay Darren Rovell, produtor executivo sénior na empresa de análise desportiva norte-americana The Action Network.
No entanto, não será apenas o gosto pelos cartões que motivará a procura dos mesmos. "Há novos colecionadores a entrar no espaço dos cartões comerciais como via de investimento para diversificar as suas carteiras", nota Nicole Colombo, diretora-geral da secção de "Collectibles & Trading Cards" do eBay.
"Prevemos que esta trajetória se mantenha em 2021, e, para satisfazer esta procura, continuamos a construir novas formas de melhorar a experiência no eBay", acrescenta também Colombo.
Uma das mais famosas cartas é uma de Michael Jordan do seu ano de estreia na NBA (National Basketball Association), a principal liga americana de basquetebol e a mais famosa de todo o mundo. Se em agosto de 2020 uma destas cartas chegou a ser vendida por 96 mil dólares, atualmente estará valorizada em 738 mil dólares.
Assim sendo, o SAPO24 esteve à conversa com Pedro Silva, recente colecionador e investidor no mundo das "trading cards".
Em 2018, através de uma algo aleatória navegação pela internet, percebeu que um cromo de Cristiano Ronaldo na sua época de estreia pelo Sporting poderia valer até 1000 euros. E foi nesse momento que decidiu começar a explorar a dimensão deste mercado.
"Fui ao OLX à procura do cromo [de Cristiano Ronaldo], a ver se alguém estava a vender sem saber o que tinha em mãos", explica Pedro Silva.
No entanto, não sendo a sua demanda bem sucedida e não encontrando um cromo de CR7 que valesse o seu primeiro investimento na área, Pedro teve uma nova ideia. Deste modo, começou a pensar em jovens jogadores que poderiam vir a ser grandes estrelas mundiais e cujo valor dos cromos poderia valorizar exponencialmente.
"Lembrei-me do Mbappé", recorda Pedro Silva. Na altura, o francês tinha 19 anos e tinha acabado de se sagrar campeão do mundo pela sua seleção. Vinha também de boas épocas ao serviço do Mónaco e tinha conquistado a Ligue 1, a Taça de França e a Taça da Liga Francesa pelo Paris Saint-Germain na temporada anterior. Todas as condições, à partida, estavam reunidas para que Kylian Mbappé se tornasse num jogador de elite mundial e, portanto, decidiu apostar nele.
Assim, o agora colecionador português decidiu procurar no eBay o cromo da primeira temporada de Mbappé enquanto jogador profissional de futebol - o chamado cromo de "rookie". Afinal, "os cromos que normalmente valem mais são os primeiros cromos dos jogadores". Pagou 28 euros e mandou o cromo vir de França. Nessa primeira época do jogador enquanto profissional "nem sequer tinha tinha direito a um cromo só dele", sendo o cromo dividido com outro jogador do Mónaco, nota.
O cromo, esse, está agora guardado numa gaveta, mantido imaculado a aguardar valorização. Se em 2018 foi comprado por 28 euros, atualmente valerá "entre 300 e 600 euros sem estar avaliado". Afinal, caso um cromo seja avaliado por um organismo oficial de avaliação poderá ver o seu valor aumentado.
Pedro Silva está ainda numa fase de "modo comprador", a investir para vender mais à frente no tempo. E, de momento, a sua estratégia centra-se no mercado dos cromos e cartões de futebol e de basquetebol - suas prediletas áreas de interesse. Os cromos, recorde-se, são descartáveis e mais frágeis, enquanto que os cartões de "tradição mais americana" são mais rijos e correm menos riscos de danificação.
Desta forma, aponta para 2022 e especialmente para 2026 como possíveis anos de lucros no mercado das cartas futebolísticas. Afinal, em 2022 realiza-se o mundial de futebol no Catar, pelo que o interesse pelo futebol e pelos seus mercados adjacentes aumentará, mas será em 2026, afirma, que se poderá dar o "boom". Nesse ano o mundial realizar-se-á no México, nos Estados Unidos e no Canadá, pelo que a procura por cromos e cartas de jogo no mercado norte-americano poderá fazer disparar o valor do quer for agora comprado a nível mundial.
Quanto a investimentos mais seguros, Pedro Silva afirma que quanto mais carreira tenham já os jogadores menos riscos existirão. "Um cromo do Ronaldo ou um cromo do Messi são muito mais caros, mas são investimentos mais seguros, porque já têm carreira feita", explana - tal como um cromo, por exemplo, do antigo jogador brasileiro Pelé ou do argentino Maradona. Não há o risco de terem uma lesão e de não atingirem o potencial tremendo que todos auspiciavam. Ao contrário do que acontece quando se compra um cromo de um jogador de 18 anos que pode ou não atingir o futuro que prometia - e cujo valor pode estar altamente inflacionado.
"Nunca se sabe como é que vai ser a carreira de um jogador por mais potencial que possa ter", afirma Pedro Silva. E aí está o risco destas apostas, que envolvem cada vez valores mais elevados.
Há poucos dias, a 28 de fevereiro, foi vendido um cartão do jogador de basquetebol, de 22 anos, Luka Doncic, dos Dallas Mavericks, por 4 milhões e 600 mil dólares. É o negócio mais caro de sempre para uma carta de basquetebol. E o segundo valor mais alto na história dos cromos desportivos, apenas atrás de uma "sports card" de 1952 do jogador de basebol Mickey Mantle, vendida por 5 milhões e 200 mil dólares, em novembro de 2020.
Esta carta de Doncic, explica Pedro Silva, concentra em si as principais características para uma carta estar altamente valorizada. É uma carta de "rookie" -"a carta de primeiro ano de um jogador tem sempre mais valor" -, faz parte de uma coleção de especial qualidade da Panini, a National Treasures, e é uma carta de produção limitadíssima, uma "one-of-one", não existindo mais nenhuma carta igual no mundo. Além disto, esta "trading card" contém ainda uma assinatura e um pedaço de uma camisola de jogo do jogador em causa.
Para Pedro Silva, ainda que este mercado não tenha explodido em Portugal, a previsão é de que mais e mais pessoas vão aderindo a esta prática. E as celebridades podem, mais uma vez, ter um papel fundamental nesta divulgação. A título exemplificativo, o DJ Steve Aoki tem uma conta de Instagram especialmente criada para o efeito, onde abre "packs" de cartas em direto e mostra as suas mais recentes aquisições, centrando-se, particularmente, no mercado dos Pokémon.
"Já estou quase a gastar mais dinheiro na minha coleção pessoal do que a pensar daqui a 10 anos", afirma Pedro ao SAPO24, admitindo que o que começou primordialmente como uma oportunidade de negócio é agora cada vez mais uma paixão.
Para já, guarda os cromos e cartões que vai comprando numa caixa, todos devidamente protegidos e alguns, os mais valiosos, embrulhados em embalagens de plástico protetoras. Não obstante, o colecionador não fecha a porta à exposição das cartas em casa, "como se fosse arte". Com o tempo, auspicia, as pessoas deverão começar a seguir este preceito, chegando mesmo a substituir quadros por molduras com cartas incorporadas.
Para quem está a pensar entrar neste mundo das "trading cards", Pedro deixa o conselho para que invistam em áreas de que gostem realmente. No caso de Pedro, por exemplo, esta "sinergia natural" dá-se com o futebol e com o basquetebol. Assim, mesmo reconhecendo as potencialidades de outros mercados, como o das cartas de Pokémon, afirma não ter grande abertura para investir em algo que não o apaixona de todo.
"Passei muitas horas a ver vídeos no YouTube de pessoas a falar das coleções e a ver as listas de vendidos no eBay para perceber quanto é que estava a valer cada carta em cada momento e se estava a fazer um negócio bom quando estava a comprar ou não. Vão ter de investir muito tempo em fóruns e em contas de Instagram de outros colecionadores. Portanto, se vão passar muitas horas a fazer isto, façam uma coisa que vos interesse", aconselha o colecionador português.
Dentro deste mercado secundário em relação aos deportos em si, uma pouco convencional carteira de cromos digitais está também a atingir valores muito elevados. Trata-se da NBA Top Shot, um espaço online onde os cromos físicos dão lugar a cartões de vídeo com os melhores momentos da NBA e, em vez de custarem 50 cêntimos numa papelaria local, podem passar a custar 200 mil dólares no mundo online.
Através desta plataforma, os utilizadores podem comprar, vender ou trocar vídeos oficialmente certificados da mais famosa liga de basquetebol de todo o mundo, quais cromos de papel.
No entanto, e por mais estranho que possa parecer, a maior parte (senão todos) estão igualmente disponíveis no YouTube - ainda que não oficialmente certificados pela NBA.
Nesta plataforma todas as transações são monitorizadas através da tecnologia de “blockchain”, um protocolo de segurança que impede fraudes digitais, como está explicado neste artigo do Miguel Magalhães.
A empreitada vem já de julho de 2019, mas está agora ganhar destaque. Trata-se de um empreendimento conjunto entre a NBA, a NBA Players Association e a Dapper Labs – uma empresa responsável também pelos CryptoKitties, em que um gato digital foi vendido por 140 mil dólares.
A NBA escolhe os melhores vídeos de basquetebol que a sua liga oferece e a Dapper Labs decide quantos cartões de cada um destes destaques colocará no mercado. Ao contrário de uma caderneta normal, em que os cromos são quase sempre ilimitados, na NBA Top Shot cada cartão tem um número limitado de edições.
Para adquirir estes cartões de vídeo os utilizadores podem comprar “packs” no site oficial a custar entre 9 e 230 dólares ou negociar em mercado aberto com outros utilizadores. Quando adquiridos, os destaques são colocados na carteira do utilizador e podem ser prontamente revendidos.
De acordo com a Action Network, já dez vendas neste mercado superaram os 70 mil dólares. Em primeiro lugar, destaca-se um afundanço de LeBron James vendido por 208 mil dólares.
"Isto pode aumentar dez vezes, 100 vezes ou ir a zero", disse, à ESPN, Jeremy Levine, um membro da NBA Top Shot que comprou por 100 mil dólares um vídeo do primeiro bloco da carreira de Zion Williamson, jogador dos New Orleans Pelicans. Este momento, recorde-se, está disponível no YouTube e à disposição de qualquer pessoa.
É a primeira vez que a NBA entra num acordo de licenciamento apoiado pela tecnologia de “blockchain” – também a base do mercado de criptomoedas como a Bitcoin, por exemplo. Sabendo que outras ligas desportivas podem querer investir neste mercado, esta pode ser uma excelente oportunidade para a NBA se adiantar no jogo, afirma o jornalista da ESPN Brian Windhorst.
Quem também já entrou na NBA Top Shot foi Mark Cuban, famoso milionário da série norte-americana “Shark Tank” e proprietário da equipa Dallas Mavericks.
"Algumas pessoas podem queixar-se de que posso obter o mesmo vídeo na Internet e vê-lo em qualquer lugar e em qualquer altura. Bem, adivinhem, posso obter a mesma imagem em qualquer tradicional cromo físico na Internet e imprimi-lo, e isso não altera o valor do cromo", escreveu Cuban no seu blogue.
De acordo com a ESPN, milhares de utilizadores fazem fila de espera para conseguir comprar os novos “packs” mal são libertados pela plataforma – e que, assim, apenas estão disponíveis por uns breves minutos. Também segundo o canal americano, há quem já tenha lucros a passar o primeiro milhão de dólares.
Não sendo um cromo físico, a qualidade do cartão não se perde com o tempo, não havendo assim desvalorização por esse facto. Ademais, graças ao digital, há uma minimalização substancial dos riscos associados a uma venda física. Afinal, a não ser que se dê uma situação de “hackeamento”, é impossível que ocorra um roubo ou uma perda de valor do cartão aquando da sua transferência física.
A compra e venda é instantânea, o produto é garantidamente autêntico e, logo à partida, já se sabe quantos cartões iguais existem no mercado – sendo mais fácil prever se estou a adquirir um item raro, e por isso mais caro, ou um mais comum e, por isso, mais barato. Os utilizadores sabem exatamente quantos “momentos” foram criados, quem os tem e quais os últimos preços de venda.
Para além disto, existem já planos de crescimento. A Dapper Labs está a preparar o lançamento de jogos para serem disputados entre os “momentos” adquiridos. O primeiro a sair chama-se “Hardcourt” e os utilizadores poderão colocar os seus jogadores em equipas uns contra os outros.
A plataforma também já iniciou conversações com jogadores reformados da NBA com o objetivo de poder lançar “momentos” históricos.
"Temos um vasto arquivo de conteúdos que podemos explorar e muita da nossa história que as pessoas vão querer ter", afirmou à ESPN, Adrienne O'Keeffe, vice-presidente associado de licenciamentos da NBA.
Relativamente à NBA Top Shot, o colecionador e investidor Pedro Silva, ao SAPO24, declara que, apesar de não ser um "cético", ainda não está "100% convencido". Para Pedro, que até possui um "momento" que lhe foi oferecido por um amigo, os valores muito altos das transações parecem-lhe demasiado "descontrolados" e teme que a bolha possa rebentar.
A carta digital que detém é um bloco de Nerlens Noel, jogador dos New York Knicks, e custou 25 dólares. Existem 15 mil "momentos" iguais a este na aplicação e, por isso, tem dúvidas que daqui a alguns anos existam "15 mil e uma pessoas" interessadas em comprar aquele bloco. No entanto, reitera que é bastante engraçado ter este "momento" oficial na sua carteira.
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