i·ne·vi·ta·bi·li·da·de
(forma alatinada de inevitável + -dade)
substantivo feminino
1. Qualidade do que não pode ser evitado.
2. Facto ou situação que não se pode evitar.
É a palavra que se remete para a decisão que ontem foi tomada de forma oficial: inevitável. Enquanto milhões em todo o mundo estão confinados nas suas casas e muitos países lutam para travar o aumento da curva do surto de Covid-19 que os assola (é estimado que 20% da população mundial esteja em quarentena), a realização dos Jogos Olímpicos (de verão) continuava a ter agentes que iam sugerindo que não era necessário decidir — já — um adiamento da prova.
As notícias que iam surgindo a meio do mês de março davam conta de que o Comité Olímpico Internacional (COI) tinha a intenção e o "compromisso total" para com a realização dos Jogos Olímpicos Tóquio2020 nas datas previstas, isto é, de 24 de julho a 9 de agosto. A razão para tal? Não havia "necessidade de quaisquer decisões drásticas". Tanto mais que avisava os atletas para que continuassem a sua preparação "da melhor forma possível". No entanto, essa era uma realidade pouco viável — até porque o COI estava cada vez mais encurralado ou, utilizando uma gíria do boxe, cada vez mais encostado às cordas. Especialmente quando até o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe, alertou que um "ajuste" de datas seria mesmo... "inevitável".
Com o passar dos dias, dava-se um acumular de vozes (coletivas ou individuais) a pedir um adiamento dos Jogos. Há que dar ênfase a algumas mais sonantes, como foi o caso dos comités olímpicos de Noruega, Brasil, Espanha, Estados Unidos e Polónia e o português — que pediam uma decisão rápida. No entanto, o assunto subiu de tom quando os comités do Canadá e da Austrália foram mais longe: anunciaram que não faziam qualquer intenção de enviar atletas aos Jogos se as datas previstas se mantivessem.
Bem diz o nosso hino nacional que Entre as brumas da memória / Oh, Pátria, sente-se a voz. Ora, neste acaso, não foi a Dos teus egrégios avós de Henrique Lopes de Mendonça, mas sim a do presidente da World Athletics — organismo que rege o atletismo mundial —, Sebastian Coe, que afirmou que tinha chegado o momento de se encontrar uma nova data. Ou seja, o cerco estava cada mais apertado para o COI. (Na comunicação social, o New York Times chegou mesmo a colocar um artigo de opinião cujo título era, literalmente, "Cancelem. Os. Jogos Olímpicos" — há oito dias.) Já naquilo que nos toca, por território lusitano, vinha à baila a notícia de que a maioria dos atletas portugueses integrados no projeto do Comité Olímpico de Portugal (COP) mostravam a sua preocupação e esboçavam o desejo do adiamento.
Os pedidos sucediam-se, mas o COI tinha emitido um comunicado em que dava conta que se encontrava "em cooperação com o Comité Organizador de Tóquio2020" e que, em cima da mesa, não estava a possibilidade de um cancelamento, mas sim o adiamento. E que iam estar a deliberar num período de quatro semanas sobre o assunto. Para se jogar a esta decisão não foram necessárias quatro semanas, mas sim dois dias. Esta terça-feira, o COI comunicou aquilo que muitos já davam como incontornável: a confirmação de que os Jogos não se vão realizar este verão.
Todavia, esta semana a inevitabilidade do adiamento começou a ganhar forma quando Dick Pound, vice-presidente do COI, em declarações à USA Today, disse que a decisão já estava tomada, mas que não estavam ainda decididos detalhes e as consequências desta. "Tendo por base a informação que o COI dispõe, o adiamento já foi decidido. Os parâmetros que se seguem ainda não foram determinados, mas os Jogos não vão começar a 24 de julho. Disso, eu sei", completou.
Dick Pound, um canadiano de 77 anos que é um dos membros com mais influência no COI, acrescentou ainda que a informação seria transmitida por fases. "Vamos adiar isto [os Jogos] e começar a lidar com todas as ramificações do adiamento, que são imensas". É uma voz influente, pois está ligado à organização há mais de 30 anos — tendo ele próprio participado nos Jogos, em 1960, em Roma.
Esta terça-feira, por fim, veio então a confirmação pela mão do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, que chegou a acordo com o Comité Olímpico Internacional. "Propus um adiamento por um ano e Thomas Bach [presidente do Comité Olímpico Internacional] disse estar 100% de acordo", anunciou, citado pela BBC. Ainda sem data fechada, sabe-se apenas que terão lugar em 2021.
Os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 iriam reunir mais de 11.000 atletas, além de comitivas e jornalistas de 206 países, prevendo-se a afluência de dezenas de milhares de espetadores de vários pontos do mundo — os Paralímpicos arrancariam a 25 de agosto, com cerca de 4.400 desportistas.
O adiamento hoje anunciado ‘mexe' ainda com mais de 40 infraestruturas — sendo que algumas delas foram mesmo construídas para a ocasião — que têm agora de ser mantidas pelo Comité Organizador e não entregues a outras entidades desportivas.
Um desses exemplos é o novo Estádio Olímpico de Tóquio. A título de exemplo, este espaço já conta com vários concertos e outras competições desportivas marcados para depois das datas originais dos Jogos, uma das razões pelas quais o COI já tinha alertado, ainda antes desta decisão, de que "alguns locais essenciais à competição poderão não estar, depois, disponíveis".
Um canário numa mina de carvão
Em 2020, como nota a agência Lusa, o Governo japonês tinha como objetivo exibir a "reconstrução" do país — já que passaram nove anos do desastre na central nuclear de Fukushima. Um objetivo semelhante levou à organização da edição de 1940, quando o intento passava por demonstrar um Japão a recuperar de uma catástrofe natural — no caso, o sismo na região de Canto, em 1923. Nesses Jogos, a candidatura japonesa tinha igualmente outro preâmbulo: funcionar como veículo diplomático para melhorar a imagem no Ocidente após a invasão da região chinesa da Manchúria, em 1931, e da saída da Liga das Nações, em 1933, após esta ter recusado legitimar a ocupação dessa parte da China.
De resto, é de referir que esta dos Jogos, Tóquio2020, foi atípica desde o início. A começar pela própria viagem da tocha — símbolo da união da humanidade em torno do espírito olímpico. Pela primeira vez desde 1984, a cerimónia decorreu sem a presença de espetadores, apenas com convidados, numa manhã de sol, com flores e pássaros. Assim, no palco dos primeiros Jogos Olímpicos da Antiguidade, a atriz Xanthi Georgiu (na foto acima), vestida de sacerdotisa grega, acendeu a tocha da maneira tradicional, com os raios solares a passarem através de um espelho parabólico.
A última vez que isto aconteceu, há 36 anos, a organização grega protestava em relação às políticas de marketing para os Jogos de Los Angeles. Todavia, no dia 12 de março de 2020, não houve espetadores devido ao surto de coronavírus — no mesmo dia em que a Grécia registou a primeira morte devido à doença.
Além de ter sido acesa sem festa no 12 de março nas ruínas de Olímpia, a chama aterrou a semana passada, dia 20, sem grande frenesim na base aérea japonesa de Matsushima — ao contrário do que seria esperado numa situação normal — uma vez que o comité organizador pediu ao público que evitasse concentrar-se para assistir à passagem da tocha olímpica, de modo a evitar propagação e contágio do covid-19.
Do avião, com a chama, vinda de Atenas, desceram Saori Yoshida (lutadora de greco-romana com medalhas de ouro em Atenas, Pequim, e Londres) e pelo judoca Tadahiro Nomura (medalha de ouro em Atalanta, Sidnei, e Atenas). À sua espera, apenas guarda de honra e algumas pessoas, sentadas em cadeiras. Cerca de 200 crianças de escolas locais, que iriam acolher a chama, observaram tudo aquilo à distância — uma decisão que a organização descreveu como "dolorosa". Era para ter sido um evento marcante, mas devido ao surto do novo coronavírus o impacto foi mínimo.
O Japan Times, publicação japonesa em língua inglesa, descreveu a situação da tocha como a um "canário numa mina de carvão" — os pássaros eram levados para as minas porque serviam de alerta no caso da presença de um gás venenoso. Os canários morreriam antes do ar tóxico afetar os mineiros.
A notícia é de domingo, dia 22, mas nessa altura o adiamento já era uma questão de tempo e o artigo dava conta do que ia cair por terra: o plano inicial pré-Covid-19 era que cerca de 10.000 corredores levassem a tocha por 859 municípios das 47 regiões do Japão durante 121 dias, até que esta chegasse a Tóquio, em julho, para a se dar início à cerimónia de abertura dos Jogos. No entanto, muitos destes eventos foram cancelados e a celebração esfumou-se.
"O percurso da tocha [The Torch Relay] tem como intuito mostrar o país antes dos Jogos: em resumo, a ideia é ter pessoas inspiradoras que a carregam por pequenas cidades e milhares de pessoas alinhadas nas ruas em todo o lado para a verem", nota o jornalista desportivo Aaron Bauer. Para depois completar: "Este é o teste para ver como é que os eventos abertos ao público no Japão serão no futuro". Assim, o Japan Times explicava que esta viagem de acompanhamento da tocha despida de pessoas podia espelhar aquilo que seriam os Jogos caso estes não fossem adiados: ou seja, um canário numa mina de carvão.
Mas cancelar ou adiar os Jogos Olímpicos não é uma decisão que se possa tomar sem tentar decifrar as suas consequências. Especialmente para o país anfitrião, que já investiu, segundo a revista Time, quase 13 mil milhões de dólares para acomodar as olimpíadas. O impacto do turismo vai ser igualmente significativo, pois eram esperados 600.000 visitantes estrangeiros, de acordo com as estimativas do ministério do turismo japonês, assumidas em 2018. Mais: segundo algumas estimativas, o PIB nipónico pode ficar reduzido em 1,4% — o que espelha bem a ansiedade em torno desta decisão.
Contudo, não é algo que os próprios japoneses não tivessem à espera, com 70% da população a considerar que os Jogos não se iriam realizar este verão. Mas a decisão tomada esta terça-feira foi pensada para "proteger vidas", segundo o presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), o alemão Thomas Bach, ele que foi medalha de ouro em 1976, em Montreal, em esgrima.
"As consequências financeiras do adiamento não foram discutidas e não são a prioridade", assumiu Thomas Bach numa conferência de imprensa efetuada através de videoconferência com vários meios de comunicação.
"É um desafio sem precedentes. Para o movimento olímpico e para toda a humanidade. Nunca vimos um vírus se espalhar por todo o mundo. Que os próximos Jogos sirvam para comemorar que a humanidade superou esta crise", disse Bach.
E agora? Contratos e "um trabalho titânico"
A Sports Illustrated traçou um cenário para o futuro. Porque ultrapassada a pandemia, o adiamento traz contornos, complicações e muitas negociações. O jogo de opiniões, já se sabe, tem sempre adornos diversos. E dá o exemplo dos atletas. Ora, se há uns que estão aliviados por não irem competir, outros estariam dispostos a correr o risco. São anos — em muitos casos, uma vida inteira — dedicados aos treinos e à oportunidade. Há que ter em conta lesões, momentos de carreira, idade. Adiar por um ano, poderá alterar os planos a quem desenhou um futuro para 2020.
Mas a revista foca que, sentimentos à parte, esquecida a vontade dos atletas, os estádios vazios e afins, o lado financeiro terá desafios. Existem investimentos avultados e muitas figuras em torno deste mega evento. Adiar significa uma renegociação de contratos com patrocinadores, cadeias televisivas, o Comité Olímpico Internacional e a Comité de Organização de Tóquio. Essas negociações envolvem milhões e milhões de dólares.
No entanto, não são só as gigantes que vão sofrer com este adiamento. A Coca-Cola, Panasonic e outras marcas gastaram grandes quantias de dinheiro a pensar neste verão. Publicidade, cartazes, promoções, etc, com a insígnia de 2020. Paralelamente, há que ter em conta o comércio local: hotéis, restaurantes, bares e pequenos negócios — já para não falar nas companhias aéreas. Porém, nota a Sports Illustrated, estas negociações deverão cair em bom porto porque a maioria dos envolvidos tem interesse em contornar a situação. No entanto, há sempre a possibilidade da coisa dar para o torto e as renegociações falharem — o que vai originar litígios substanciais na resolução dos contratos.
E, depois, há ainda um "trabalho titânico" pela frente — isto porque há que ter em conta as datas pelo meio.
Christophe Dubi, um dos diretores do Comité Olímpico Internacional (COI), revelou que encontrar novas datas "após 2020 e nunca após o verão de 2021" para o evento de maior montra do calendário desportivo será missão da Comissão de Coordenação do COI, o Comité Organizador dos Jogos e das federações internacionais dos vários desportos.
A primavera, um dos cenários possíveis para o COI, apresentaria melhores condições climatéricas em relação ao verão, que já em 2020 levou à decisão de deslocar alguns eventos para Saporo, mas colidiria "com a reta final dos principais campeonatos europeus coletivos, sobretudo o futebol", destacou Dubi à agência noticiosa France Presse (AFP). "Seja o que for que aconteça, será um trabalho titânico analisar os calendários de cada um dos desportos, e avaliar também a disponibilidade, em particular dos hotéis e dos grandes centros de convenções, onde estarão instalados, entre outros, os media centers", rematou Dubi.
Porque há uma competição desportiva a ter em conta em 2021: o Europeu. Isto, claro, sem esquecer a Copa América de futebol, ambos adiadas para julho do próximo ano. Ora, a este conflito de agenda convém alicerçar outros problemas de ordem logística, como o das casas na aldeia olímpica — algumas delas já vendidas — ou então problemas relativamente com a oferta hoteleira ou transportes.
Convém salientar também que são 33 modalidades que compõem os Jogos Olímpicos de verão — o que significa que existem 33 federações desportivas internacionais que têm agora de se adaptar ao novo calendário dos Jogos, como recorda a USA Today. E trata-se de uma tarefa mais simples para uns do que para outros. Os campeonatos mundiais de atletismo, por exemplo, estão agendados para agosto de 2021. Se os Jogos forem realizados nas mesmas datas ou perto, estes deverão ser cancelados ou recalendarizados — pois já se sabe qual será a escolha dos atletas se tiverem que escolher uma ou outra competição para participar.
Como reagiram os atletas?
Esta foi a questão que a BBC colocou: como reagiram os atletas ao adiamento? A campeã mundial de Heptatlo, a britânica Katarina Johnson-Thompson, revelou que a notícia era desoladora ("heartbreaking"), ao passo que a ciclista de pista coberta Elinor Barker ficou "devastada". No entanto, a realidade é que a maioria dos atletas considerou que, apesar disso, a decisão tinha sido a correta — E promotora de alívio, pois agora sabem com o que contar.
Os seus receios e ansiedades são compreensíveis. Convém recordar que, de súbito, com o surto e agora com o adiamento dos Jogos, o regime de treinos terá que sofrer obrigatoriamente uma recalendarização e terá que ser revisto para que os atletas cheguem ao seu pico de forma pela primavera em 2021. Para uns, isso quer dizer apenas que a estreia no palco dos Jogos Olímpicos fica adiada durante uns meses; para outros, é adiar a reforma, antes da "dança final".
Ou seja, 2020 seria o fim de linha para alguns. É o caso de Becky Downie, ginasta britânica que tinha planos para se retirar no final deste verão. Aos 28 anos, não lhe "parece impossível" pedir ao corpo que aguente mais um ano. Não será uma tarefa fácil, mas por agora sente-se "agradecida" por saber a decisão final — e assim poderá relaxar.
Susannah Townsend, que fez parte da equipa que ganhou a medalha de ouro nos Jogos do Rio em 2016 pela equipa britânica de hóquei de campo, foi outra atleta que estava a contemplar a reforma depois dos Jogos de Tóquio. Sobre o adiamento, a atleta, de 30 anos, considera que é como terem colocado uma "cenoura à frente do nariz para depois a tirarem".
"Eu sei que o meu corpo estava por um fio", confessou à BBC Sport. "Tenho que falar com os meus treinadores e tentar perceber qual será o plano de treinos para que possa atingir o meu pico [de forma] no tempo ideal", indica.
Só que a BBC lembra que adiar os Jogos Olímpicos não é só sinónimo de mais um ano intensivo de treinos físicos. É mais um ano em que é preciso manter a motivação em alta e assegurar que a preparação psicológica se mantém no topo — sem perder o foco. Porque nem sempre é fácil manter o discernimento. Por um lado, é a saúde dos familiares, amigos e demais face ao surto ao qual nenhum país parece escapar. Por outro, é toda uma temporada de dedicação que parece que se perde.
"Estou verdadeiramente desapontada ["gutted"] — estás de corpo e alma n’algo durante quatro anos para depois não ir para a frente, é horrível", começou por explicar Jade Jones, medalha de ouro nos Jogos de Londres e Rio, na categoria de -57kg em Taekwondo.
"Obviamente que a saúde está primeiro e a minha maior prioridade agora é proteger a minha família e os meus entes queridos, [assim] como estou a fazer de tudo para ajudar a salvar a vida de outros. Mas como atleta de elite, é muito desmotivador e mentalmente difícil", remata.
Ser atleta olímpico é atingir o pináculo da vida desportiva. O seu calendário funciona em ciclos de quatro em quatro anos, não de apenas meses. A sua vida vida é baseada consoante o calendário dos Jogos. Os treinos diários são intensos, como salienta e USA Today, que cita o wrestler Jordan Burroughs, um atleta bastante popular nos Estados Unidos, que ganhou o ouro (na categoria de 74kg) nos Jogos de Londres.
"Como atleta olímpico, vives a tua vida em ciclos [de quatro anos]. Tudo o que fazemos é cíclico", frisa.
Mas o que disseram os atletas concretamente sobre o adiamento?
Está a ser bem recebido.
O queniano Eliud Kipchoge, campeão olímpico da maratona, falou de uma decisão "muito sábia", enquanto o ciclista belga Victor Vampenaerts, detentor do recorde da hora, disse que se tratou de uma "boa decisão, a única que podiam ter tomado agora".
O basquetebolista Pau Gasol, medalha de prata em 2008 e 2012 e de bronze em 2016, elogiou a decisão "tão difícil" de adiar os Jogos, para deixar claro que "a saúde e o bem-estar devem prevalecer acima de qualquer outra coisa".
A futebolista Carla Lloyd, que ajudou os Estados Unidos a arrebatar o ouro em 2008 e 2012, explicou que o covid-19 "ultrapassa os Jogos Olímpicos", pelo que se tratou de uma "boa decisão", face a um "vírus sem precedentes e a uma situação sanitária que se continua a agravar".
De Itália, o país com mais vítimas mortais provocadas pelo novo coronavírus, o ciclista Vincenzo Nibali também ‘aplaudiu’ o COI, já que, numa altura como a que se vive, o "mundo deve combater esta emergência e o desporto pode esperar".
Por cá, o judoca português Jorge Fonseca, campeão do mundo da categoria -100kg, admitiu que estava focado na missão Tóquio2020, mas lembrou que o mais importante é "estabilizar" o presente. Na mesma modalidade, Telma Monteiro assinala que "estar nos Jogos Olímpicos é sempre o nosso máximo objetivo, como atleta, mas agora impõe-se que sejamos todos bons cidadãos" e que, por isso, está satisfeita com a situação. Sobre os jogos, a judoca natural de Almada, de 34 anos, já tinha partilhado uma mensagem nas suas redes sociais, reiterando que serão os seus "últimos".
Por seu turno, o surfista Frederico Morais ("Kikas") explicou que o importante era "vencer o desafio da pandemia", mas não esconde que "estava ansioso para estes Jogos" e que o "entristece que não se possam realizar neste momento". Porém, "o principal foco e objetivo passa por vencer o desafio da pandemia e isso implica estar em segurança", justificou.
O ciclista Nelson Oliveira, sétimo classificado no contrarrelógio do Rio2016, também é da opinião de que a saúde está em primeiro lugar e de que o Comité Olímpico Internacional (COI) tomou a decisão "acertada" ao adiar os Jogos.
Já Patrícia Mamona considerou que o sonho olímpico continua vivo. "O sonho olímpico continua vivo. Uma decisão triste, mas necessária do COI [Comité Olímpico Internacional], não apenas para proteção dos atletas, mas de todas as pessoas. Estamos juntos nisto", escreveu a recordista nacional do triplo salto na rede social Instagram.
Também o tenista João Sousa explicou que adiar os Jogos "é triste", mas "compreensível" e o canoísta Fernando Pimenta classificou a decisão como tendo sido "muito acertada", assumindo que os atletas estarão agora "mais motivados" sabendo deste desenlace.
Nunca foram adiados, mas a guerra já os parou três vezes
Os Jogos Olímpicos (os "modernos", não os antigos onde todos os atletas competiam nus) tiveram a sua primeira edição em 1896, em Atenas, e realizaram-se sempre, desde então, de quatro em quatro anos — à exceção dos Jogos de Berlim (1916), Tóquio (1940) e Londres (1944), em que foram cancelados devido às duas Grandes Guerras Mundiais.
Para receber a primeira edição cancelada da história, o Império Alemão (e Berlim) conseguiu bater outras cidades que também apresentaram a sua candidatura: Alexandria (Egito), Amesterdão (Países Baixos), Bruxelas (Bélgica), Budapeste (Hungria) ou Cleveland (EUA). Para o efeito, mandou construir o "Estádio Alemanha", em 1913, para receber 30.000 pessoas.
Todavia, os Jogos de Berlim seria cancelados em julho do ano seguinte devido ao início da I Guerra Mundial, iniciada em 1914. Segundo a Time, a organização pensou que o conflito se estenderia "até ao Natal", mas a história dita que o armistício chegou em novembro de 1918. Ainda assim, a cidade germânica viria a ser nomeada para receber novamente os Jogos, duas décadas depois.
Em 1936, o "Estádio da Alemanha" iria ser demolido para dar lugar ao Estádio Olímpico. Estiveram presentes na competição quase 5 mil atletas de 51 países, que competiram para 10 mil pessoas — entre elas, o Fürher, Adolf Hitler, que viu o afro-americano Jesse Owens marcar indelevelmente os Jogos Olímpicos Berlim ao "destruir" a máquina de propaganda do regime nazi e a teoria da supremacia da raça ariana. A máquina estava oleada e preparada para que o mundo vislumbrasse a grandiosidade da Alemanha, que conseguiu mesmo quebrar a hegemonia norte-americana no quadro de medalhas, mas é a história de Owens que fica. Esta edição fica igualmente marcar por ter sido a primeira vez que os jogos foram transmitidos pela televisão.
Tóquio esteve para receber os Jogos (de verão e inverno) em 1940. Ganhou a corrida em 1936 — tornando-se na primeira cidade não-ocidental a ter a honra —, começou a trabalhar nas preparações, mas um ano depois, em 1937, Japão e China começaram em guerra; assim, conta a Time, o governo nipónico decidiu abdicar do seu direito de organizar os jogos, indicando que a guerra requeria "uma mobilização material e espiritual" do país.
Os Jogos ficaram assim sem país anfitrião pelo que houve necessidade de arranjar nova casa e espaço para receber os atletas. Ora, saindo a terra dos samurais de cena, coube a Helsínquia (Finlândia) receber os atletas de verão, ao passado que Garmisch-Partenkirchen (Alemanha) receberia os de Inverno.
Porém, novo revés estaria na eminência: o início da II Guerra Mundial, aquando a invasão do partido Nazi à vizinha Polónia, em setembro de 1939. Desta feita, não houve espaço para adiamento, mas sim para o seu cancelamento — e o mesmo iria acontecer em 1944, quando Londres se preparava para receber os Jogos de verão e a Itália (em Cortina d’Ampezzo) se preparava para receber os de inverno.
Depois da Segunda Guerra, St. Moritz, na Suíça, e Londres retomaram a organização das competições, que nunca mais foram cancelados.
Esta terça-feira, as notícias eram urgentes, mas ditaram que os Jogos não seriam cancelados, mas sim adiados. E, como em tudo, há uma primeira vez. A do adiamento, foi agora, pelo que o seu regresso só deverá acontecer quando raiar a primavera do próximo ano.
No entanto, hoje, o importante será ultrapassar a pandemia. Depois, então, que se celebre mais uma edição dos Jogos.
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