As crises financeiras "são sempre parecidas, de novo e de novo (...) Você e eu não o podemos controlar, impedir ou retardar (...) Apenas reagimos. E se se estiver certo, ganha-se muito dinheiro". As palavras são de Jeremy Irons em "Margin Call" ("Margin Call - O Dia Antes do Fim"), onde interpreta o chefe de um banco de investimentos.

O filme, lançado em 2011, mostra o mundo implacável dos traders - interpretados por Kevin Spacey, Simon Baker e Demi Moore - levados a liquidar os ativos tóxicos da sua empresa, provocando falências em cadeia, com o objetivo de salvar a própria pele.

A mesma amoralidade exibida em "The Big Short" ("A Queda de Wall Street", 2015) - com um elenco de peso (Christian Bale, Steve Carell, Ryan Gosling, Brad Pitt), e que conta como a crise do subprime [crédito de risco] fez a fortuna de alguns financeiros que conseguiram antecipar a falência do sistema financeiro.

"É um filme muito bom", assumiu o investidor Steve Eisman, que inspirou o personagem de Steve Carrell, em entrevista à AFP. "Quanto à minha representação, ela não corresponde a 100%. Eliminaram o meu sentido de humor e mostraram-me permanentemente irritado", acrescenta o homem, que enriqueceu ao apostar no colapso do mercado imobiliário americano.

Ao contrário do emblemático "Wall Street", dos anos 1980, de ritmo acelerado, estes filmes distinguem-se pelo tempo dedicado a explicações e à aparente amoralidade, analisa Virginie Apiou, jornalista especializada em cinema.

"Este cinema americano explora as margens, mostra conversas e ações que nunca seriam mostradas de outra maneira. Revela o cinismo porque a transgressão está aí. Tudo é focado nessa provocação, extremamente arrepiante, de dizer 'existe uma crise, vamos beneficiar disto'", diz a especialista, entrevistada pela AFP.

Além disso, a inevitabilidade da crise não se manifesta apenas nos escritórios com vistas deslumbrantes de arranha-céus, mas também entre as vítimas, que se podem transformar em carrascos para sobreviver, como retratado em "99 Homes" ("99 Casas") filme independente de Ramin Bahrani, vencedor do Grande Prémio do festival de Deauville em 2015.

É entre os documentários que encontramos pistas sobre as causas e os responsáveis ​​pela crise de 2008. O premiado com o Óscar "Inside Job" ("A verdadeira crise", 2010), dirigido por Charles H. Ferguson, oprime o espetador, revelando a conivência entre financeiros, políticos e académicos, conflitos de interesse, efeitos dominó e impunidade.

Raros são os trabalhos europeus sobre o assunto, "Cleveland versus Wall Street", de francês de Jean-Stéphane Bron, prémio César de melhor documentário em 2011, traz uma ação fictícia entre a cidade de Cleveland e os banqueiros de Wall Street.

"Escolhi uma ação jurídica para tentar encontrar uma forma de verdade, mesmo que seja relativa e comovente, e contar essa história em Cleveland, uma cidade icónica da crise, em que a sua magnitude foi alucinante", explicou à AFP o diretor suíço. O documentário "tomou o lugar do que deveria ter acontecido no mundo real e, nesse sentido, o cinema desempenha um papel, fez justiça", diz Bron.

De dimensão global, a crise de 2008 inspirou principalmente diretores norte-americanos. Na Europa, aparece no cinema social, aponta o crítico Aurélien Ferenczi, da AFP.

"Individualmente alguns cineastas sentiram a responsabilidade de lidar com esse assunto", acrescenta. "O cinema mostra o mundo e a crise é o evento que, para muitos, abriu os olhos para as derivas do ultra-liberalismo".

Um dramaturgo italiano, Stefano Massini, também retomou a história do Lehman Brothers, desde a chegada aos Estados Unidos, em meados do século XIX, dos três irmãos, judeus bávaros, cuja pequena loja têxtil se desenvolveu para se tornar um dos principais endereços em Wall Street. Criada em Paris em 2013, depois apresentada na Itália, a sua peça "Lehman trilogy" está atualmente em cartaz em Londres, e está a ser aclamada pela crítica.

Comercialmente, a maioria das produções de Hollywood sobre a crise foi lucrativa. "Margin Call" rendeu mais de cinco vezes o seu orçamento inicial (US$ 19,5 milhões para um orçamento de US$ 3,5 milhões, dados IMdb). "The Big Short" rendeu quase cinco vezes mais do que o investido, US$ 133 milhões em receita para US$ 28 milhões de orçamento. Também obtiveram sucesso de crítica, como "99 Homes", que ganhou nada menos que 12 prémios.

*Por Carole Guirado e Luc Olinga in New York / AFP

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