“Muitas das empresas [do setor do turismo], neste momento, estão presas por arames. E qual é o problema? O problema é que não podemos morrer quando estamos a chegar à praia. Quer dizer, estamos a ver a praia e este esforço de um ano e meio é fundamental que não seja infrutífero”, considerou Francisco Calheiros, em entrevista à agência Lusa.

O presidente da CTP acredita que em março de 2022 o setor vai retomar a sua atividade normal, com a aproximação do Carnaval e da Páscoa, bem como com o fim do período de época baixa, que se inicia agora em outubro.

“Eu diria que em março nós vamos retomar a nossa atividade normal, são cinco ou seis meses”, apontou, acrescentando que, no seu entender, o Estado deve “rapidamente” passar “do papel” à prática as medidas de apoio preconizadas, ou mesmo criar outras medidas que ajudem as empresas a ultrapassar o período difícil.

O responsável reiterou os elogios à atuação do Governo no início da pandemia, no que diz respeito ao apoio às empresas, no entanto, considerou que, um ano e meio depois, “os apoios estão esgotados”.

Francisco Calheiros lembrou a criação do Plano Reativar Turismo (PRT), com 6.000 milhões de euros, dos quais 4.000 milhões são exclusivamente para apoiar empresas.

“O programa está muito bem desenhado, fundamental, mas está no papel. Tem que sair do papel. Há 4.000 milhões para as empresas, há medidas fundamentais de capitalização das empresas, uma série de instrumentos financeiros para a capitalização das empresas, mas que não saíram do papel”, considerou.

“Se há um ano e meio, se a medida demorasse uma semana ou duas não era grave, porque as empresas estavam muito capitalizadas, neste momento não há uma semana, ou duas, uma hora, ou duas. Cada hora que passa a situação é mais dramática, mais ainda quando daqui uma semana estamos a entrar na época baixa de outubro”, alertou.

O presidente da Confederação do Turismo de Portugal  acredita que “o mal terá passado”, referindo-se aos efeitos da pandemia de covid-19 no setor, mas aponta que a quebra de 56% estimada para este ano “é um desastre”.

“O que nós acreditamos é que o mal terá passado, estão reunidas as condições para a retoma do turismo”, afirmou Francisco Calheiros, em entrevista à Lusa.

No entanto, e ainda que o setor tenha entrado numa trajetória ascendente de recuperação com o verão, o responsável descartou “um certo otimismo” de que se tem falado.

“[Perdas de] 63% em 2020, 56% em 2021, é tudo um desastre. Para quem? Para o norte, passando pelas ilhas, as agências, os hotéis, passando pelos restaurantes, é tudo péssimo. [...] 2020 e 2021 foram dois anos terríveis”, apontou.

O responsável explicou que, apesar de o mercado nacional ter crescido mais de 6% em julho, o internacional decresceu 76% e, uma vez que o nacional representa menos de um terço da atividade turística, as perspetivas da CTP para 2021 são de quebras de 56%, em relação a 2019.

“Acho que há dados que convém nós termos a noção: o ano de 2020 regressou a 1993. E há um dado ainda mais curioso: o janeiro e fevereiro de 2020 foram iguais aos [do ano] de 74”, sublinhou.

Francisco Calheiros destacou o sucesso do processo de vacinação em Portugal, que tem um impacto “enorme” no turismo.

“Sendo nós, neste momento, um destino extraordinariamente seguro, não há razão nenhuma para que não comecemos e retomar já em 2022 o crescimento e todos esperamos que em 2023 consigamos atingir os números de 2019, sem nunca esquecer que os anos 2017, 2018 e 2019 foram anos extraordinários, talvez os melhores anos do turismo português”, afirmou.

Assim, o presidente da CTP prevê que os meses de outubro e de novembro sejam melhores do que os do ano passado e que janeiro seja melhor do que o mesmo mês dos dois anos anteriores.

Francisco Calheiros lembrou que, antes da crise provocada pela pandemia, o saldo da balança comercial do país foi positivo por causa do turismo, com uma contribuição de cerca de 12.000 milhões.

“A balança [comercial] tomou uma proporção tal que conseguiu que todas as outras atividades – que são deficitárias – com o turismo, a balança de Portugal fosse positiva. E isto para a imagem de um país é extremamente importante”, realçou.

Estava a ser ‘sexy’ trabalhar no turismo mas pandemia “congelou” tudo

Francisco Calheiros admite que há um problema de falta de recursos humanos, porque até estava a ser ‘sexy’ trabalhar no setor, mas com a pandemia “tudo ficou congelado”.

“Há, de facto, falta de pessoal [no setor do turismo], não há dúvida nenhuma, isso é um problema com que nós nos deparamos. É um problema que temos que abordar com muita frontalidade e é um assunto que tem sido muito discutido nas direções da CTP”, afirmou.

“Estava a ser ‘sexy’ na altura [antes da pandemia], estava a ser uma moda trabalhar no turismo. Com esta pandemia, tudo ficou congelado”, acrescentou o responsável.

Francisco Calheiros considerou que o setor do turismo em Portugal está a jogar na ‘Champions League’, numa analogia ao futebol, acrescentando que o setor “tem que ser o Ronaldo”, ou seja, “o ponta de lança da economia portuguesa”.

Para o presidente da CTP, a atratividade de um setor da economia, em termos de recursos humanos, aparece quando o setor se torna “vencedor”, o que tem de ser também “associado a maiores ordenados”.

Quanto à recuperação dos efeitos da crise pandémica, Francisco Calheiros considerou que “é altura de haver um reforço muito grande da promoção” de Portugal enquanto destino turístico, uma vez que todos os destinos concorrentes sofreram os mesmos problemas e a competitividade é agora maior.

“Nós temos de chegar à frente, […] sobretudo com as armas que temos”, sublinhou, destacando o facto de Portugal “ser o destino mais vacinado [contra a covid-19] do mundo” como uma dessas ‘armas’.

O Dia Mundial do Turismo assinala-se no dia 27 de setembro, segunda-feira, tendo a CTP assumido, há cerca de 10 anos, a celebração da efeméride.

“É uma época importantíssima, é sempre no dia 27 de setembro, é o fim de uma primeira época, é já uma projeção do ano, as perspetivas do ano que vem, é um orçamento geral de estado que por acaso coincide numa data extraordinariamente importante”, apontou o presidente da CTP.

Este ano, o dia será marcado pela realização de uma conferência, em Coimbra, com lugares ainda limitados, devido à pandemia, que conta com a participação de vários representantes de entidades públicas e privadas ligadas ao turismo.

“É uma imagem de união muito importante, está lá toda a gente”, considerou Francisco Calheiros, adiantando que serão discutidos temas prementes, como o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o Plano Reativar Turismo (PRT), a questão da sustentabilidade, a TAP e o novo aeroporto da região de Lisboa.

Em Portugal confunde-se precariedade com sazonalidade

O presidente da Confederação do Turismo de Portugal diz que se confunde precariedade com sazonalidade, que é premente tratar o trabalho não declarado e a valorização dos jovens, e que a negociação dos orçamentos tem que ser repensada.

Em entrevista à Lusa, Francisco Calheiros considerou que a Agenda do Trabalho Digno, que está a ser discutida em Concertação Social, o que está a ser proposto, é uma alteração à legislação laboral com a qual a CTP não concorda.

"Nós não estávamos de acordo em relação a esta Agenda, porque há aqui questões que são muito claras. O que está muito claro ali é uma alteração à legislação laboral, que foi feita em 2019. Por amor de Deus, seis meses antes da pandemia. Não faz sentido, nem sequer houve tempo para digerir, para aquilatar do que é que tinha sido feito", afirma.

Ainda assim, diz, "há questões concretas", como, por exemplo, "a legislação sobre o teletrabalho, que já existia mas que teve que ser visitada, que como é óbvio fez-se", acrescenta.

"Há um grande consenso em relação a certas matérias, dei dois exemplos: a valorização dos jovens e o combate ao trabalho não declarado. Estamos todos de acordo, Governo, sindicatos e entidades patronais. Agora o problema não é nos ‘pormaiores’, é nos pormenores. Assistimos a uma série de situações que levam a uma alteração à legislação laboral com a qual não concordamos", reforça, dando como exemplo "determinados reforços da ACT ou um combate à contratação a termo que, para a CTP, "não faz qualquer sentido".

"Continua-se a confundir em Portugal precariedade com sazonalidade. Essa confusão continua a existir, uma questão que está clara na cabeça de muitos países [...]. Há questões que, por exemplo, não nos dizem diretamente respeito enquanto empresas nossas associadas, mas somos utilizadores - e é preocupante - como o trabalho temporário. Ou seja, acho que esta Agenda do Trabalho Digno mais uma vez vem no seguimento que é tudo medidas que em nada favorecem a flexibilidade laboral, em nada favorecem as empresas, vem no seguimento do discurso do senhor secretário geral do PS no Congresso em que 40 minutos onde estive presente, pouco ouvi falar de economia e nada ouvi falar de empresas e isto são situações que à confederação do turismo nos preocupam muito", sublinhou.

Francisco Calheiros diz que esta "não é a altura" e que "quanto maior flexibilidade houver no emprego, mais as empresas empregam (...)".

"Muitos empresários, neste momento, com a Agenda do Trabalho Digno para sair, com a quantidade de alterações que lá estão, já estão a fazer marcha atrás nos recrutamentos. Quanto maior flexibilidade houver, mais se recruta", afirma.

E numa altura em que se aproxima a entrega do Orçamento do Estado para 2022 e subsequente discussão de alguns destes temas, Francisco Calheiros diz que "é altura de repensar a forma como estes orçamentos de estado são negociados".

"Preocupa-nos e temo-lo dito ao Governo que permanentemente é negociado com a extrema esquerda, não sei porque é que se elimina 40% do eleitorado para se negociar. Acho que é uma questão que devemos todos ter bastante cuidado neste sentido: talvez os piores índices, os piores indicadores, que temos é o do investimento e não sei se o investidor estrangeiro - porque, infelizmente, em Portugal há pouco capital para se investir - quando olha para o nosso país e vê orçamentos permanentemente negociados à extrema esquerda com exigências como esta do Trabalho Digno que em nada ajudam a um investidor a tomar a decisão de investir em Portugal", justifica.

O responsável lembra que são poucos os países onde há maiorias absolutas e diz desconhecer muitos que digam "à partida" que com, pelo menos, 40% do eleitorado "não falam".

"Acho que em alturas de crise profunda como foi a da pandemia era importante haver um Governo que visse viabilizado o seu orçamento com uma grande aprovação eleitoral. Excluir, por exemplo, o maior partido de oposição, na minha modesta opinião não faz sentido", refere.

Concretamente sobre o salário mínimo, a CTP aguarda a proposta do executivo para 2022, mas diz que face à crise vivida, tem que se ter cautela.

Qualuer aumento, sobretudo ao nível dos aplicados nos últimos anos, "para empresas que tiveram quebras de 60%, não sei se não é melhor ter algumas cautelas e fazer aumentos posteriormente quando vier a retoma", diz, apesar de afirmar saber que "é muito difícil, muito difícil, se não impossível sem ser com ajudas, viver com o salário mínimo".

"Mas é o que há, é o que existe e é um padrão", conclui.