Em causa está a importação, por duas empresas norte-americanas, de porcos pretos da Península Ibérica para fabricarem, nos estados do Texas e da Geórgia, aquilo que designam de “presunto ibérico americano”.
Em declarações à agência Lusa, o dirigente da CNA João Dinis considerou que, “a confirmar-se esse tráfico que adultera na origem um produto de qualidade reconhecida – o porco ibérico, uma raça autóctone, e os seus derivados, particularmente o presunto – é mais uma má consequência do sistema”.
“É uma situação que é necessário impedir e para a qual devem convergir imediatamente os governos português e espanhol e a União Europeia [UE], para tomarem medidas para impedir mais uma traficância que ameaça a produção nacional e a produção ibérica e uma marca tão apreciada e que deve ser certificada: o porco ibérico e o seu derivado presunto”, sustentou.
Salientando que “o credenciado presunto ibérico tem a ver não só com a forma como os animais são gerados, com a sua linha genética (que, no caso de uma raça autóctone, é algo que é preciso assegurar), mas também com o seu ‘habitat’ e as suas condições de crescimento”, João Dinis considerou ser “muito difícil convencer alguém de como se produzem porcos ibéricos nos EUA”.
“Isto é uma concorrência altamente desleal. Venha lá o Trump ou deixe de vir, isto tem de ser impedido”, sustentou.
E se, para o dirigente da CNA, o atual momento tem de ser “de convergência com Espanha, porque há um perigo muito grande e real” que ameaça os dois países, João Dinis alerta que, numa fase posterior, o Governo português deve pensar em como “acautelar o interesse nacional nesta matéria”.
“Agora o momento é de convergência com Espanha, na União Europeia, mas conseguido que seja este desígnio, então também podemos aproveitar a embalagem e passar ao esclarecimento, normatização e defesa do interesse nacional da nossa produção desta raça de porcos perante Espanha, porque isso também está longe de ser uma coisa clara”, advertiu.
Também para o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Luís Mira, não é o facto de se importarem porcos pretos ibéricos para os EUA que vai substituir a produção autóctone deste animal e dos seus derivados.
“Eles podem levar os porcos pretos para os EUA ou para onde quiserem. Mas isso era a mesma coisa que levar as castas de uva de Champagne ou de vinho do Porto e dizer que é vinho feito nos EUA. Podem fazer um enchido ou um qualquer presunto americano, mas nunca é um presunto de bolota ibérico, porque isso é uma denominação de origem que está protegida”, afirmou em declarações à Lusa.
Recordando que a defesa das denominações protegidas do espaço europeu tem sido “uma preocupação da União Europeia nos acordos comerciais que tem vindo a celebrar”, Luís Mira considera que, a verificar-se a utilização abusiva nos EUA da designação de origem ‘ibérica’, “de certeza que as autoridades espanholas, e as portuguesas igualmente, não deixarão de o contestar”.
“Eles podem lá ter porcos pretos – até têm, em Las Vegas, as pirâmides do Egito – mas não é aceitável que sejam comercializados como um produto com origem na Península Ibérica, isso é que é inaceitável. Podem chamar-lhe outra coisa qualquer, agora presunto ibérico é que não”, afirmou.
Para o secretário-geral da CAP, “se se provar que há comercialização com a denominação ‘ibérica’ ou de presunto ‘de pata negra’ (produto com denominação de origem e proveniente de porcos que são alimentados no montado ibérico, tanto em Portugal como em Espanha), há processos na OMC [Organização Mundial do Comércio] e toda uma questão legal que pode ser espoletada”.
De acordo com o jornal britânico “The Guardian”, a iniciativa de produzir presunto ‘ibérico’ nos EUA partiu das empresas norte-americanas Acornseekers, na Flatonia, Texas, e Iberian Pastures, no estado da Geórgia, a primeira pertencente a dois espanhóis e a segunda a um hispano-americano.
Estas duas empresas decidiram começar a importar porcos pretos ibéricos para os EUA, com o objetivo de fabricarem o seu próprio “presunto ibérico americano”.
"O jogo deles passa por aceder ao mercado americano com melhores condições e preços do que os produtores espanhóis", considera o consultor da indústria de presunto Constantino Martínez, citado pelo diário britânico, antevendo que “vão, depois, começar a exportar para a América Latina e para a Ásia, onde o presunto ibérico é muito popular”.
Constantino Martínez acusa o Governo espanhol de inação, ao permitir a exportação de porcos pretos autóctones para os EUA, e destaca que alterar a dieta destes animais - como reivindica que estas empresas estão a fazer, alimentando-os com produtos locais como amendoins, nozes ‘pecan’ e sementes de girassol - vai alterar o sabor da carne.
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