Se durante o confinamento o preço do combustível chegou a atingir valores baixos para o habitual, com o retomar das atividades adivinhava-se uma subida dos preços. A má notícia confirmou-se no início desta semana, com gasolina a passar os 2€ por litro em alguns pontos do país, o que trouxe de volta o tema dos preços dos combustíveis.

Por todo o país surgiram vozes a contestar a subida — e até foi criado um grupo no Facebook para organizar uma "Greve aos Combustíveis", contando já com mais de 468 mil membros. O apelo é, assim, para que os portugueses não abasteçam os depósitos dos seus veículos esta sexta-feira, 15 de outubro, e também nos dias 21, 22, 28 e 29, de forma a que "este governo e todos os outros percebam o mal que nos fazem todos os dias", pode ler-se numa publicação. É também referido que em causa, para já, não está nenhuma "manifestação nem buzinão", mas que estas medidas podem vir a ser equacionadas. O mesmo grupo dá ainda conta de uma "Petição contra os preços absurdos dos combustíveis", que tem já mais de 33 mil assinaturas.

Com tudo isto, importa perceber exatamente o que está a acontecer no país, o que conduz ao aumento dos preços e quais as soluções possíveis para reverter a situação — o que não se adivinha fácil. Pedro Silva, técnico de energia da DECO Proteste, explicou ao SAPO24 o que está em causa.

Esta semana, o preço da gasolina especial 98 subiu, ultrapassando os 2€ em alguns pontos do país. Esta situação é inédita?

Uma coisa são preços máximos, outra são preços médios. No que concerne o preço médio, "será mesmo a primeira vez que se quebra a barreira dos 2€", explica Pedro Silva, lembrando que "poderá ter havido alguma situação ocasional nos anos de 2011/2012" em que os preços máximos também tenham ultrapassado este valor.

Este tipo de gasolina é o mais vendido em Portugal?

Não. Cerca de 60% dos combustíveis que se vendem em Portugal são combustíveis simples, ou seja, "os que obedecem à regulamentação, com os mínimos de aditivação e com qualidade designada pelo regulador, para poderem ser comercializados". Os restantes 40% dizem respeito a estes tipos especiais, ou seja, os que "são os mais aditivados" — os ultimate, "conforme a designação da marca e com compostos diferentes lá dentro".

Qual a diferença entre estes dois tipos de combustível?

Segundo o técnico de energia da DECO Proteste, esta distinção pode "ser aquilo que ainda causa a algumas pessoas discussões acaloradas, mas que de facto é simples de entender". Vejamos: os combustíveis líquidos, para estarem à venda em Portugal, "têm de obedecer a normas muito concretas na sua composição e na qualidade que apresentam".

Os simples — sejam gasolina ou gasóleo —, "são os que obedecem a todas as normas", ou seja, em todos os testes que são feitos percebe-se que "cumprem a função para que são colocados no mercado: abastecer os veículos e fazê-los andar com todas as regras — quer de segurança, quer de qualidade".

Já os "combustíveis premium" têm outro tipo de aditivos — e é aqui que vem muitas vezes a discussão. "A DECO Proteste fez, em 2012, um teste relativamente às diferenças nestes combustíveis e o que demonstrámos é que, quer em termos de duração do motor e redução de emissões, quer em termos de se fazer mais quilómetros com o mesmo litro de combustível, não há diferenças significativas entre os que testámos e os combustíveis simples". Na prática, esta análise mostrou que as provas apresentadas surgiam "pelo aditivo em si e não pelo aditivo quando misturado no combustível".

Contudo, há quem continue a considerar que estas diferenças são realmente registadas, pelo que se encontrou uma solução para as vendas: "tornou-se obrigatória a comercialização, em todos os postos no território nacional, de combustíveis simples". Ou seja, gasolina e gasóleo "têm de estar disponíveis no posto de abastecimento e depois poderão estar os outros".

Então quem usa estes ditos combustíveis premium

"Cabe ao consumidor, informado destas matérias, escolher se quer um combustível básico — que de facto cumpre tudo aquilo para que foi desenhado — ou se acredita nas alegações [de melhor performance do automóvel] ou se sente algum tipo de efeito", diz Pedro Silva.

"Os combustíveis simples podem ser utilizados em qualquer veículo, mas se o consumidor desejar este outro tipo de combustível, pagará o preço por isso", diz, realçando que, segundo o teste da DECO, "não vai beneficiar desse valor acrescido, mas pode e deve fazer a sua escolha, tal como quem decide ir a um determinado sítio comer e não a outro, mesmo que a comida seja a mesma mas não o preço".

Explicada a diferença entre os combustíveis, voltemos aos preços. O que justifica a atual subida?

A subida do preço dos combustíveis, que vem sendo registada já desde o início do ano, "está relacionada diretamente, na sua maioria, com a variação dos preços de petróleo". Feitas as contas, "no último mês, o preço de petróleo subiu cerca de 10 dólares por barril", o que provoca "as subidas sucessivas".

Por outro lado, explica Pedro Silva, "tivemos em 2020 preços anormalmente baixos de petróleo, relacionados com os confinamentos, com uma brutal repressão na circulação de pessoas e bens", o que se verificou "por todo o mundo". Nessa altura, "os preços do barril de petróleo chegaram, por momentos, até a estar em cotações negativas, algo completamente inédito".

Com a pandemia, verificou-se também "um efeito de interrupção de algumas cadeias e de alguns abastecimentos", pelo que esta "paragem forçada" foi aproveitada "para se fazerem algumas manutenções em algumas refinarias do mundo, o que se manteve ainda durante alguns meses", mesmo até ao início dos primeiros passos da retoma da normalidade possível.

Mas os confinamentos parecem estar a chegar ao fim e "com as perspectivas de retoma, com as economias de facto a voltarem a laborar dentro do normal, o que se verifica é que tem havido uma crescente procura de petróleo".

Além do aumento da procura, houve ainda "uma interrupção em termos de transporte de materiais e de matérias-primas", que ainda afeta o país (e o mundo) neste momento — e, consequentemente, cria-se assim "uma pressão do lado da procura do petróleo".

Mas os motivos que justificam a subida de preços não ficam por aqui: "o gás natural também está em máximos históricos, tem subido enormemente também no último semestre, e o petróleo, sobretudo agora para o inverno, é provavelmente o combustível alternativo mais viável para o substituir em algumas aplicações", como é o caso do aquecimento. Com isto, aumenta a pressão sobre os preços do petróleo.

"As economias precisam de energia para se moverem — e o petróleo continua a ser a base fóssil que faz mexer o mundo", conclui Pedro Silva.

A margem comercial também tem impacto no preço de venda ao público? 

Embora não sejam incluídos na formulação do "preço de referência", os custos de comercialização e a margem comercial também têm impacto no preço de venda do combustível ao público.

Recentemente, surgiu uma proposta do Governo para limitar as margens na comercialização de combustíveis, abrangendo todas as componentes da cadeia de valor da gasolina e gasóleo simples e GPL engarrafado, devendo o teto máximo ser limitado no tempo.

Contudo, tal tem vindo a ser contestado por várias entidades. Para a DECO Proteste, "o diploma que foi aprovado no parlamento é uma ingerência no próprio mercado e não vai resolver de todo o problema, podendo ainda agravar a questão da acessibilidade em todo o território nacional aos combustíveis". A mesma opinião foi já veiculada pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e também pela Autoridade da Concorrência (AdC), que falou ainda na penalização das empresas de menor dimensão com esta medida.

Na prática, a margem comercial engloba todos os custos com a distribuição dos combustíveis depois da armazenagem, como é o caso do transporte e dos custos dos operadores, que dependem de fatores como a própria logística de cada empresa, ou seja, explica Pedro Silva, "a margem não é lucro; a margem é a diferença entre o valor a que adquiro o combustível e depois o valor a vendo o combustível, no caso de um operador de um posto".

Mas, como as realidades são diferentes, as margens também o são. Os “operadores low cost, que vendem gasolina e gasóleo muito barato, reduzem ao mínimo essencial os serviços que prestam para reduzir exatamente estas estrutura de custos — e têm uma margem mais baixa do que esta que é apurada. No sentido oposto, nos postos de abastecimento de autoestrada, onde se “consegue inclusive jantar, além de ter todo o tipo de serviços e de comodidades disponíveis”, a estrutura de custos é outra e, logo, a margem comercial é maior.

Com tudo isto, segundo a DECO, "o risco que se corre aqui com esta lei da limitação das margens não é concreto", já que não se percebe exatamente "como é que é calculada a margem máxima aceitável", já que os valores dos combustíveis, se forem calculados com base na semana anterior, podem depois ser totalmente diferentes.

Até onde podem subir os preços dos combustíveis? 

Não é possível ter uma previsão de "até onde é que o preço pode chegar", já que tal "depende da procura e da oferta que existe no mercado", diz o técnico da DECO.

"Do lado da oferta, pouco poderemos fazer ou decidir — aliás, nada mesmo. Isso está na mão dos países produtores de petróleo e de um cartel — o único legal no mundo, que é o da OPEP+ — que tem o poder de restringir ou colocar no mercado mais quantidades. São eles que, de facto, controlam os preços do petróleo na sua origem, antes da refinação", explica Pedro Silva, relembrando que, na Europa, "não somos produtores".

E o preço pode aumentar novamente na próxima semana?

A "má notícia" é que a subida dos preços se vai manter. De acordo com dados do supervisor do mercado, "os preços de referência, ou seja, os que são calculados todos os dias" e que "mostram o preço do combustível desde antes da distribuição e até seguirem para as bombas", têm estado a aumentar.

"Os preços, normalmente, são alterados no início de cada semana, considerando a média de preços da semana anterior. É esta a norma que vigora no nosso mercado, mas não é obrigatório que seja assim", justifica.

Assim, olhando para "a atual subida dos preços dos combustíveis, mais da gasolina do que do gasóleo", é provável que, não havendo alterações nos dias que restam, se venha "a ter mais aumentos e, portanto, os preços que esta semana já eram altos para a semana serão superiores".

Embora esta seja sempre "uma ciência muito pouco exata de prever a prazos mais longos", as perspectivas "no curto prazo não são nada otimistas", indicou.

Como é que se dá a volta a esta situação? 

A solução, neste momento, está "na questão fiscal, que pesa cerca de 60% na fatura do abastecimento", ou seja, "cada vez que vamos a um posto, esta percentagem reverte a favor do Estado".

Para a DECO, tudo isto começa no Orçamento do Estado. "O OE tem uma previsão de receita e tem uma previsão de despesa — e as receitas têm de ser o suficiente para depois, como é óbvio, suportarem o Estado e todas as suas ações na saúde, na economia, na educação, tudo aquilo em que o Estado tem obrigações para com os seus cidadãos", começa por explicar Pedro Silva.

Por isso, "as receitas são projectáveis de forma a que estas contas batam certo. Ora, num período em que o preço do petróleo que é projetado para o ano inteiro está nitidamente acima daquilo que é essa mesma projeção, o que nós defendemos é que haja um ajuste fiscal de maneira a que não haja uma sobre-receita e, portanto, que não sejam os consumidores a pagar essa receita ou a alimentar os cofres do Estado com uma receita que não está prevista — e que sai dos bolsos do consumidor", defende.

A alternativa passaria, então, por haver um "seguimento pelo menos trimestral" desta situação, "corrigindo e adaptando as taxas de imposto, nomeadamente o ISP [imposto a pagar sobre todos os produtos petrolíferos e energéticos] e o adicional de carbono, de maneira a que os preços tivessem alguma estabilidade e previsibilidade",

Para Pedro Silva, só isto iria evitar que "não estivéssemos aqui todos com o coração na boca cada vez que vamos a uma bomba para apanhar um susto quanto ao preço que temos — que foi o que aconteceu à maioria dos portugueses esta semana".

E a descarbonização de que tanto se fala não é uma alternativa? 

É, mas não é assim tão simples. Apesar de já estarmos num processo de descarbonização, este "tem metas para daqui a 30 anos". Portanto, "o mundo atual ainda não é esse e temos aqui um processo de transição em curso".

Mesmo assim, deveria haver, segundo o especialista, "uma flexibilidade" do aditivo sobre a taxa de carbono. "É imperioso que seja mexido, porque não basta dizer que temos de mudar uma economia com base fóssil, com base no petróleo, quando a alternativa que é dada aos portugueses são milhões de viaturas de combustão". Além disso, "quase todas as viaturas de mercadorias têm motores sobretudo a gasóleo e as redes de transporte não estão desenvolvidas em todo o país com os mesmos acessos e custos", havendo também "uma nítida diferença, por exemplo, entre interior e litoral".

E, voltando à pandemia, "também não é crível, sobretudo depois de tudo o que passámos e da situação económica em que os consumidores portugueses se encontram, que vão adquirir viaturas elétricas como forma de fazer essa transição. Isto não é expectável", garante o técnico de energia.

Assim, defende Pedro Silva, a transição energética "tem de ser controlada pelo governo". Caso isso não aconteça, o mercado vai "fazer com que os preços dos combustíveis disparem de forma completamente descontrolada, provocando assimetrias sociais gravíssimas e colocando uma pressão inflacionista sobre a própria economia".

Sendo de referir que não estamos apenas a falar de "consumidores de via direta — os que pagam mais quando vão ao posto de abastecimento —, mas também de toda a rede de transporte de bens e mercadorias e a prestação de serviços têm na sua génese de custos o petróleo, neste caso gasóleo e gasolina".

Assim, o custo vai também acabar por chegar, "mais cedo ou mais tarde", ao consumidor final, depois de passar "pelos retalhistas e por todo o tecido empresarial".

Em resumo, "há aqui um custo que é direto na bomba e o custo indireto de inflação — que se pode mostrar numa subida nos custos de transporte".

A forma como queremos descarbonizar a economia "tem de ser gerida de maneira a que todos os portugueses consigam chegar às metas traçadas", sem deixar "bolsas de pobreza, falta de acesso, falta de mobilidade" até lá, conclui.

Neste tema dos combustíveis olha-se sempre para Espanha. O que conduz à diferença nos preços?

O primeiro ponto é a "questão fiscal", que faz "a formação de preços ser diferente". Por isso, diz Pedro Silva, "há aqui caminho a fazer" em Portugal.

Mas ainda há outra questão: a integração de biocombustíveis, determinada anualmente pelo Estado com o objetivo de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, é diferente entre os dois países — e tem impacto no preço pago pelo consumidor.

"Portugal é sempre otimista e coloca metas que depois influem no preço. Embora o Governo não tenha intervenção no preço específico do biocombustível, a imposição de uma obrigação de integração de uma determinada percentagem em cada litro de combustível vendido implica um custo acrescido", diz.

"Portanto, se este ano passam a ser 11%, em que 0,5% são biocombustíveis avançados, isto implica um custo para quem tem de integrar este biocombustível no combustível que vende". Por sua vez, "esse custo é repassado para o consumidor, porque paga tudo o que vem dentro daquele litro".

Também dentro do país se verificam diferenças de preço nos combustíveis. Porquê? 

Para isto "não há uma resposta linear", diz Pedro Silva.

Se haveria razão para preços mais altos "nas áreas mais afastadas dos centros de abastecimento", que se situam em Aveiras, Leça da Palmeira e Sines, como é o caso do interior, em que "a procura também seria inferior", isto "nem sempre se verifica".

A título de exemplo, a gasolina simples 95 em Sines está esta semana por volta de 1,80€, enquanto mais no interior, em Portalegre, está a 1,79€. Outro caso é o Porto, com este combustível a atingir 1,76€ e na Guarda a passar em alguns postos de 1,84€

Na sua maioria, outro factor que "pode pressionar os preços localmente tem a ver com a concorrência" — onde há mais concorrentes "os preços tenderão a ser mais baixos", explica.

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