Em declarações à agência Lusa, o presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social (CNIS) faz uma análise preocupante da situação da pobreza em Portugal e diz acreditar que até ao final deste ano a tendência será de continuar a aumentar esse flagelo social, resultado do aumento do desemprego e da crise social e económica que o país atravessa por causa da pandemia de covid-19.
“Estávamos de facto numa orientação diferente. Até final de 2019 vinha diminuindo lentamente o número de pobres, mas a partir do princípio de 2020 e até ao final deste ano temo que continue a aumentar o número de pobres”, apontou o padre Lino Maia.
Como consequência, tem também aumentado o número de pedidos de ajuda junto das instituições, fazendo com que as próprias se vejam a braços com “imensas dificuldades” depois de também terem tido de aumentar as suas despesas por causa dos equipamentos de proteção individual (EPI) e os apoios às famílias.
O responsável da CNIS afirma que “há um significativo aumento da pobreza em Portugal”, que se tem refletido no cada vez maior número de pedidos de ajuda por parte das famílias.
Segundo Lino Maia, as famílias têm pedido sobretudo ajuda alimentar, ajuda para pagar as suas despesas correntes, como a renda da casa ou outros encargos, e pedem também para ficarem isentas do pagamento das comparticipações às instituições.
“Isto acarretou outro problema para as instituições, que já estavam com imensas dificuldades todas elas. Ao terem de encarar mais apoios às famílias e ao terem menos receitas – porque as famílias eram consideradas na diminuição das suas comparticipações – as instituições ficaram ainda mais penalizadas, com mais dificuldade em enfrentar a situação”, explicou o presidente da CNIS, adiantando não esperar que esta situação se altere nos próximos meses.
Leitura semelhante tem o presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), segundo o qual nas zonas mais urbanas está novamente a verificar-se “muita gente a procurar as instituições para ir comer”, à semelhança do que aconteceu em 2010.
“Ainda ontem recebi um mail de uma pessoa que eu não vejo para aí há 20 anos, a pedir se eu conseguia fazer alguma coisa com uma determinada misericórdia, para sinalizar uma família que estava a passar fome”, contou Manuel Lemos.
Por outro lado, referiu que tem também notado “uma grande dificuldade das famílias em pagar as comparticipações dos utentes” que estão nas instituições, seja lares ou creches, o que, para o presidente da UMP, é sinal de que o país vai deparar-se com uma crise que “vai deixar marcas nos rendimentos das pessoas”.
“Tem havido muito mais famílias [a pedir ajuda], sobretudo nas grandes cinturas industriais das grandes cidades. Normalmente vão pedir alimentos, aquilo que normalmente vão fazer e depois pagam menos e começam a falhar as comparticipações sociais das pessoas que as instituições têm a cargo”, disse Manuel Lemos.
Lino Maia também concorda que as zonas mais deprimidas do país, nomeadamente o interior, estejam em maiores dificuldades, apontando que a classe trabalhadora está a ser “claramente afetada”, a partir do momento em que um vencimento já não é garantia de se conseguir fugir à pobreza.
“Tem vindo a aumentar os trabalhadores pobres que recorrem às instituições”, referiu o padre Lino Maia, acrescentando que as medidas extraordinárias anunciadas pelo governo, como o 'lay-off', amorteceram um pouco, mas não completamente, as consequências.
Além dos trabalhadores, o presidente da CNIS apontou as crianças e os idosos como as populações mais suscetíveis de sofrer com a crise, em relação aos últimos muito por causa do aumento de custo de vida que não foi acompanhado pelo devido aumento dos seus rendimentos.
Lino Maia lembrou que a proteção social é uma das competências do Estado e que, por isso, o Estado tem de voltar mais o seu olhar para estas instituições, esperando que o Plano de Recuperação e Resiliência traga para estas instituições mais meios para que possam cumprir a sua missão.
O padre Lino Maia lembrou que este ano se assinalam os 25 anos do Pacto de Cooperação para a Solidariedade, em que o Estado assumia a obrigação de comparticipação nunca abaixo dos 50% dos custos, apesar de neste momento a comparticipação estatal estar nos 38%.
Um pedido que é partilhado pelo presidente da UMP que lembrou que esta crise “pode ter um impacto brutal nas misericórdias”, já que desde há muito tempo que se vem a sentir a diminuição da comparticipação pública.
Lino Maia disse ainda que 73% do que é feito em Portugal em matéria de proteção social é assegurado pelo setor social, entre apoio a crianças, idosos e pessoas com deficiência, apesar de ser uma obrigação do Estado, e deixou um aviso.
“Se estas instituições começarem a encerrar portas, se forem desincentivadas, então é muito mais gente neste país que fica sem qualquer proteção, que fica para trás, que fica abandonado”, sublinhou Lino Maia.
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