Várias foram as histórias de negócios a que temos assistido nos últimos anos que levaram o tratamento de documentários sobre "ascensão e queda". As origens das famigeradas Theranos ou WeWork são dois exemplos populares e recentemente estreou em Portugal na plataforma de streaming Max a história de como a MoviePass passou de ser o serviço de subscrição com o crescimento mais rápido desde o Spotify para a falência total (e viver uma ressurreição em 2024).

Mas há mais casos — e um deles parece renascido das cinzas após a "queda": a Abercrombie & Fitch (A&F). Fundada em 1892, a marca de roupa foi originalmente criada para os homens do campo, mas depois de ter sido comprada nos anos 90 passou por processo de rebranding e tornou-se num verdadeiro ícone da cultura pop entre os mais jovens.

Acusações e práticas discriminatórias

Nas duas décadas seguintes, o CEO Mike Jeffries transformou uma empresa moribunda numa marca multimilionária ao vender juventude e sexo (muito à conta de modelos masculinos sem camisa e outdoors provocantes). Como recorda o documentário da Netflix de 2022, os "miúdos fixes" do liceu nos EUA utilizam esta marca. Porém, o sucesso e o estado de graça não tardaram a ir em direção a um precipício.

As campanhas de marketing vocacionadas para pessoas "bonitas e brancas" não só choca com um novo tipo de mentalidade do consumidor, como acabaram em inúmeros escândalos e processos judiciais. Em 2004, a A&F pagou 50 milhões de dólares devido às suas práticas de contratação discriminatórias. Em 2013, Jeffries saiu da empresa com uma indemnização de 25 milhões de dólares após as vendas estarem em declínio e em 2023 o mesmo Jefferies, em tempo uns dos CEOs mais pagos dos EUA, foi acusado pela BBC de tráfico de homenspara fins sexuais nas suas residências em Nova Iorque e hotéis de luxo em todo o mundo.

No fundo, todo um historial capaz de acabar em bancarrota… ou será que não?

Uma nova vida, uma nova empresa

A Abercrombie & Fitch (que opera as marcas Abercrombie, abercrombie kids, Hollister e Gilly Hicks) parece estar a rescrever o seu próprio ato da ressurreição ao estilo da MoviePass. O que se pode traduzir por: na última década, passou por uma transformação de 180º.

Em 2015, a empresa anunciou que iria acabar com as suas práticas de “marketing sexualizado” e ia atenuar o ambiente provocador bem conhecido das lojas – era tempo de dizer adeus à escuridão e fraca iluminação, aos fortes aromas a perfume e à música alta.

O motivo para a mudança brusca e que ia contra a "imagem de marca" era óbvio: em 2016 foi considerada a retalhista mais odiada da América. Para mudar o ónus e percepção pública, Fran Horowitz, hoje CEO mas na altura Diretora de Marketing, comprometeu-se a promover "uma cultura mais diversificada e inclusiva".

E depois de assumir a posição de CEO em 2017, Horowitz liderou a operação de rebranding de grande escala que havia prometido: passou a existir diversidade – tamanho e cor de pele – nos modelos nas campanhas e, em 2019, fez aquilo que a marca se recusou fazer nos 90: abriu uma linha adaptada a clientes mais curvilíneas com tamanhos até XXXL.

Mais recentemente, em março, a Abercrombie lançou a coleção A&F Wedding Shop – loja concebida para noivas e convidados de casamentos – para diversificar as suas linhas de produtos para além do vestuário casual. E, segundo Horowitz, a nova aposta "excedeu claramente as expectativas desde o início".

Ações disparam

Segundo as contas do primeiro trimestre do ano, as receitas aumentaram pelo sexto trimestre consecutivopara os mil milhões de dólares, com os lucros a melhorarem acima do esperado pelos analistas de Wall Street.

Resultado? As ações dispararam 24%. De notar que as ações da Abercrombie já estavam a ser transacionadas em máximos históricos e mais do que duplicaram este ano, segundo revela a Bloomberg.

Não é de agora: o preço das ações está em alta desde o ano passado. Em 2023, graças às mudanças estratégicas levadas a cabo pela nova CEO, as ações da retalhista subiram 285% em 2023. Para motivos de comparação, diga-se que é um valor superior ao da Nvidia no mesmo período (239%).

Os números e contas: Está a aproximar-se do seu objetivo de atingir 5 mil milhões de dólares em vendas anuais; as vendas aumentaram 16% para 4,28 mil milhões de dólares em comparação com 3,7 mil milhões de dólares em 2022; o lucro líquido atingiu os 328,12 milhões contra os 2,82 milhões em 2022.

O segredo? Ser menos sexy

Segundo um analista consultado pela BBC, a empresa está a ressurgir com uma aposta que está a ir ao contrário do que tornou a sua marca famosa: está menos sexy, sem logotipos e está a registar um sucesso junto dos millennials que querem algo "fresco", mas sem seguir tendências.

A Yahoo Finance salienta ainda que os resultados da Abercrombie destacam-se num setor cujo público-alvo está a gastar menos devido à inflação e que revela um interesse cada vez maior por viajar e experiências. Veja-se o caso da concorrência: a VF Corp., proprietária da Vans e da Timberland, registou na semana passada o sétimo trimestre consecutivo de queda nas vendas, com perdas em todas as principais marcas.

Segundo Fran Horowitz, a CEO que lidera os destinos da empresa desde 2017, houve uma aposta interna e mudança na comunicação dos canais digitais que está a dar resultados e que está a permitir que a empresa tenha entrado "em 2024 com ímpeto".

A prova? A marca Abercrombie – dirigidas aos clientes com idades compreendidas entre os 23 e os 40 anos – registou um aumento de vendas de 31%, ao passo que as marcas Hollister – voltada para a Geração Z – registaram um aumento de 12%.

O futuro

Se vai continuar e a crescer a ação vai continuar em estado de graça? O tempo dirá. Para já, o percurso parece ser o do lucro a caminho da redenção. Mas certo é que parece não ser caso único e há mais “renascimento” de marcas icónicas dos anos 90 na indústria do retalho a ressurgir e a ter uma nova vida.

Além da Abercrombie, também a GAP mostrou contas que animaram os investidores. Mas essa talvez seja uma história para contar noutras núpcias.

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