"Quase 50% dos países menos avançados já estavam sobre-endividados antes desta crise. As iniciativas lançadas [pelos países ricos] são essencialmente de alívio do serviço da dívida. Não se falou ainda verdadeiramente de perdão de dívida e haverá um momento em que será incontornável que esta discussão se faça sob pena de assistirmos a um conjunto desorganizado de 'defaults' e de reestruturação de dívidas", afirmou Moreira da Silva.
O responsável da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) falava em mais uma edição das "Lisbon Speed Talks", sobre os desafios da cooperação para o desenvolvimento em 2021, num contexto de recessão económica global provocada pela pandemia de covid-19 e da necessidade de ajuda aos países mais frágeis.
Jorge Moreira da Silva apontou a grande diferença entre o dinheiro que os países da OCDE conseguiram mobilizar para recuperar as suas economias e os valores destinados à ajuda ao desenvolvimento, sublinhando a importância de, neste contexto, reforçar o apoio aos países mais pobres.
"Não me conformo com os países mais ricos terem mobilizado pacotes de 11 biliões de dólares para recuperar as suas economias e não terem conseguido responder ao desafio que os ministros das Finanças africanos lançaram de atribuir 100 mil milhões de dólares adicionais durante os próximos três anos para apoiar estas economias e sociedades tão afetadas", frisou.
"Estamos a falar de um enorme 'gap' entre aquilo que foi possível mobilizar nos países mais ricos e aquilo que é a ajuda ao desenvolvimento. Estamos a falar de uma diferença de 70 vezes. Há 70 vezes mais esforço para recuperar as economias ricas do que o apoio na ajuda ao desenvolvimento", sublinhou.
Jorge Moreira da Silva considerou que a "crise sem precedentes" causada pela covid-19 representa também "uma mudança sem precedentes" na cooperação para o desenvolvimento, numa altura em que as estimativas apontam para que, pela primeira vez em 30 anos, a pobreza aumente à escala global.
O diretor de Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE salientou a necessidade de compatibilizar a resposta a esta crise com a resposta às crises que ficaram por resolver, nomeadamente as alterações climáticas e à crise das desigualdades, bem como de reforçar a cooperação e a solidariedade internacionais.
"Estamos perante um quase colapso de modelo de financiamento ao desenvolvimento. Há um aumento da lacuna de financiamento de 2 biliões de dólares para 4.2 biliões de dólares. Antes da crise pandémica já estávamos perante uma falta de financiamento para cumprir os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de 2.5 biliões de dólares", vincou.
Moreira da Silva assinalou que os países em desenvolvimento estão a enfrentar necessidades adicionais para responder à pandemia de 1 bilião de dólares a que se soma uma redução do financiamento externo ao desenvolvimento de 700 mil milhões de dólares este ano, motivado pela quebra na ordem dos 35% do investimento direto estrangeiro e da redução nas remessas dos imigrantes desses países.
"É uma tempestade perfeita. Estes países enfrentam uma pandemia em condições muito mais desfavoráveis, não estão suficientemente equipados para uma emergência, enfrentam na resposta à crise económica e social uma quebra abrupta no financiamento, não têm condições para lançar pacotes adicionais com recurso a impostos e não podem lançar qualquer iniciativa de endividamento externo", apontou.
Perante este cenário, sustentou, os países ricos não podem "deixar de assumir um reforço da cooperação e da solidariedade internacionais".
"Este é um momento em que não podemos ser defensivos e pensar apenas na realidade que nos é mais próxima. Não sairemos desta crise, se não sairmos juntos. Não é apenas uma questão de solidariedade e de liderança moral e ética, é também do nosso interesse", advogou.
As "Lisbon Speed Talks" são conversas digitais promovidas pelo Clube de Lisboa em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa, o Instituto Marquês de Valle Flor e a FEC - Fundação Fé e Cooperação.
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