António Horta Osório foi um dos convidados do evento anual da Fundação José Neves, que teve lugar esta terça-feira e que pode rever aqui. Instado a olhar para os desafios que se colocam às famílias e empresas no futuro imediato, aconselha "prudência", porque o que temos pela frente é bem diferente daquilo a que estávamos habituados. E deixa sugestões práticas.

"Vivemos os últimos 15 anos num modelo macroeconómico geralmente favorável e, sobretudo, caracterizado por uma abundância de capital e de financiamento, e de taxas de juro a baixar progressivamente até abaixo de zero", começa por explicar.

Agora "estamos claramente num período de inversão, em que as taxas de juro, devido à inflação, estão num ciclo ascendente. E acho que a questão é a intensidade desse ciclo e não direção desse ciclo".

Esta realidade, assegura, "é um modelo complemente diferente" do que tivemos no passado recente e vai implicar "maiores custos de capital e mais dificuldades de financiamento. O meu conselho seria ter maior prudência para o futuro do que em relação ao passado" — até porque, a seu ver, "este problema da inflação não é temporário, como andaram os bancos centrais a tentar convencer-nos durante meses".

Simplificando: o dinheiro está mais caro e compra menos coisas — algo que famílias e empresas já estão a sentir na pele há algum tempo.

Para as primeiras ficam três conselhos: "poupem um pouco mais, reduzam a vossa dívida [como o crédito da casa ou do carro] e, se têm dívida a taxa variável [como a famosa euribor], talvez seja boa ideia passar uma parte para taxa fixa, dependendo do custo relativo" desta opção. Além de recomendar atenção aos custos da dívida, fica a nota para dar um olho aos custos cambiais.

Para as empresas aplicam-se os mesmos conselhos, dependendo do modelo de negócio e do setor em que operam. "As empresas devem verificar a sua situação financeira e devem ser mais prudentes, ter financiamentos mais longos, a taxas fixas, mais disponibilidade de cash...", enumera.

Mas o mais relevante, reitera, é "que as empresas se foquem em modelos de negócio sólidos, (...) que dêem mais ênfase à geração de cashflows positivos no curto prazo, porque estes são importantes para assegurar esta fase de transição e porque os investidores, à medida que o custo de capital e financeiro sobe, vão valorizar cada vez mais cashflows presentes em relação aos futuros".

Simplificando: o dinheiro que temos hoje pode valer muito menos amanhã, pelo que é mais importante ter um bom fluxo de caixa hoje do que estar a apostar no que o futuro pode trazer.

Esta alteração do cenário macroeconómico que antevê coloca grandes desafios aos líderes, que, parafraseando Theodore Roosevelt, têm de "ter os olhos nas estrelas, mas os pés bem firmes no chão".

"Os analistas de empresas ligam pouco à capacidade diferencial de grandes líderes", diz Horta Osório, para quem "a liderança é critica e faz uma diferença enorme", tendo de ser "tanto estratégica quanto prática".

E o que cabe a um líder fazer? "Decidir qual a direção correta em função do meio ambiente e dos pontos fortes e fracos da empresa".

O que deve um líder fazer? Uma vez definida a direção, deve "recrutar as melhores pessoas para cada posição, para construir uma equipa da melhor qualidade", mas garantindo que todos "partilham o mesmo propósito e sabem que querem ir de A para Z".

Depois é "fazer com que estas pessoas trabalhem tão bem em equipa que o todo é maior do que a soma aritmética das partes". Essa equipa deve ainda ter "diferentes experiências, perspectivas e backgrounds, que levam a uma dialética forte sobre a melhor maneira de ir de A para Z".

"Acredito profundamente que uma boa equipa, que partilhe o propósito, mas com experiências diferentes, fortes personalidade e backgrounds diferentes tem um processo de decisão sistematicamente melhor", acrescenta.

Por fim, uma empresa só existe (e resiste) se tiver vantagens comparativas face à concorrência — "é trabalhar de dia para dia, com cada cliente, em cada processo, para chegar mais depressa ao cliente de forma sustentada no tempo, criando essa vantagem comparativa, que é o valor acrescentado diferencial em relação aos nossos concorrentes", diz.

No entanto, este cenário em que vivemos também terá "fortes implicações no estilo de liderança" — a começar pela capacidade de planeamento.

"O meio envolvente está a tornar-se de tal modo volátil e incerto que o planeamento, que é essencial, tem de ser feito em ciclos muitos mais curtos para se ter uma noção dos possíveis cenários e ir adaptando a direção da empresa à medida que esses cenários se desenrolam. Enquanto antes se fazia um planeamento a três ou cinco anos, agora o mundo está em constante turbilhão e é importante ter um planeamento contínuo em ciclos curtos e com vários cenários à frente para nos podermos adaptar constantemente".

Além disso, "como o digital é uma realidade crescente e o trabalho remoto vai fazer parte do futuro", é preciso adaptar o estilo de liderança a uma "maneira de trabalhar descentralizada".

"Como é que se mantém a cultura, como é que se tem a certeza de que as pessoas, longe do olhar, estão a ir na direção correta, têm a informação correta e os incentivos corretos? Mais empoderamento, mais bottom-up e com os incentivos que isso implica", defende.

Por fim, cabe aos líderes não cair na tentação de "tentar ser ou parecer um super-herói".

"Da liderança fazem também parte as vulnerabilidades de sermos humanos" e na empresa deve existir, defende, um "sentido de apoio às equipas, de compreensão, de humanismo, sobretudo em relação à saúde mental".

"É importante tirar esse estigma da diferença entre a saúde física e a saúde mental. Uma em cada três pessoas tem problemas de saúde mental ao longo da sua vida, o que é brutal. Então, quer por uma relação de humanismo, de cultura de empresa, quer de valor acrescentado, devemos fazer disto uma prioridade ao nível do topo".

O Estado da Nação, o evento anual da Fundação José Neves, debate os temas da educação, do emprego, das competências e do desenvolvimento pessoal, pode ser revisto aqui.

A lista de oradores convidados desta edição vai da cantora canadiana Alanis Morissette ao neurocientista português António Damásio, passando pelo ex-presidente da Comissão Europeia Durão Barroso ou pelo economista António Horta Osório.

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