Para o professor universitário, o ‘lay-off’ simplificado, que se encontra em vigor desde 27 de março, “é um sistema errado, pesado do ponto de vista burocrático e que introduz um princípio que vai ser o centro das disputas sociais em Portugal se se prolongarem os efeitos económicos [da covid-19]”.
“Introduz o princípio de que numa dificuldade a primeira medida que se toma é cortar um terço aos salários”, adverte o economista, perspetivando que esta é uma opção que se vai “generalizar” e não apenas “nas grandes e médias empresas”.
As empresas que adiram ao sistema de ‘lay-off’ simplificado poderão reduzir os custos salariais com os seus trabalhadores, seguindo as regras gerais previstas no Código do Trabalho para as situações, sendo essa remuneração financiada em 70% pela Segurança Social e em 30% pela entidade empregadora.
Em caso de suspensão do contrato, os trabalhadores têm direito a receber dois terços do seu salário normal ilíquido, com a garantia de um valor mínimo igual ao do salário mínimo nacional (635 euros) e com um limite máximo correspondente a três salários mínimos (1.905 euros).
Este sistema, que o Governo já estimou poder vir a custar à Segurança Social cerca de mil milhões de euros por mês, é contestado por Francisco Louçã que, juntamente com o economista Ricardo Cabral, defende uma versão alternativa.
“Apresentei com o Ricardo Cabral um plano mais caro, não muito mais caro, na verdade, porque em vez de mil milhões custaria no limiar máximo de utilização plena por todas as empresas 1.700 a 1.800 milhões de euros”, explica Louçã.
Segundo o professor universitário, a ideia seria “garantir às micro e pequenas empresas e aos empresários em nome individual o pagamento integral dos salários”. Mas só seriam elegíveis as empresas que tivessem registado “uma quebra real de produção e de vendas”.
Segundo as contas do economista, o universo máximo de empresas abrangidas seria de um milhão e 250 mil micro e pequenas empresas e a medida permitiria “um efeito de tranquilização da sociedade e evitaria falências, porque, na verdade, o não pagamento do salário será a falência de muitas destas empresas”.
Segundo os últimos números divulgados pelo Governo, até ao final de março, cerca de 3.600 empresas tinham feito pedidos para aderir ao regime de ‘lay-off’ simplificado.
Apoiar a função pública
“Uma das medidas de emergência que seria aconselhável, seria pagar um subsídio de risco aos médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, polícias, enfim, às pessoas que estão na linha da frente [na luta contra a covid-19]”, defende o professor universitário.
Francisco Louçã considera, assim, errada a opção do Governo de, no âmbito do estado de emergência, ter restringido o direito à greve nalguns setores da função pública.
“O estado de emergência não precisava e não devia ter recorrido ao dispositivo sobre suspender o direito de greve sobre os trabalhadores da saúde e dos serviços públicos pela muito simples razão de que não há nenhuma greve na saúde e nos serviços públicos e, pelo contrário, essas pessoas são as pessoas que aguentam a resposta do país”, defende o economista, considerando mesmo a medida como “totalmente disparatada” e reveladora de “autoritarismo” e “até de preconceito ideológico anti-sindical”.
No âmbito do estado de emergência ficou suspenso o exercício do direito à greve quando esta comprometer o funcionamento de infraestruturas críticas, unidades de saúde e serviços públicos essenciais, bem como em setores económicos vitais para a produção, abastecimento e fornecimento de bens e serviços essenciais.
Apesar das críticas, Louçã também encontra medidas positivas na atuação do Governo, destacando a possibilidade dada aos imigrantes de poderem ter acesso a apoios sociais mesmo quando não está concluído o seu pedido de residência. “Tem sido apontada como um exemplo e é mesmo o exemplo”, sublinha o antigo coordenador do Bloco de Esquerda.
A queda da economia portuguesa
O professor universitário diz que vê “muitos economistas a tratar esta crise como se fosse uma crise em 'V', em que há uma queda da produção devido a um choque exógeno e há, depois, uma rápida recuperação”.
Uma tese que Louçã diz ser a que aparentemente está a ser seguida “pelo Ministério das Finanças português”, mas que não passa de “uma história mal contada”.
O economista considera que há vários fatores que permitem antever uma forte queda da economia e uma recuperação lenta e que, devido a todas essas razões, a que acresce a pandemia, “é provável” virmos a ter uma combinação entre “uma queda do PIB entre 5% e 10%, mas mais próximo dos 10% em vários países, incluindo Portugal”, e uma crise do lado da procura.
Primeiro, explica o economista, esta queda terá efeitos que se prolongarão no tempo e que afetarão “a confiança dos agentes económicos”.
Uma queda desta magnitude pode representar, só num ano, “mais do que o efeito cumulativo da recessão de 2009 e anos seguintes”, lembra Louçã, acrescentando que haverá setores económicos, como o dos transportes aéreos, do alojamento local ou do turismo, setores de “especialização de Portugal nos últimos anos”, que “não se restabelecerão no mesmo nível”.
Aliado a esta queda do PIB e à decorrente falta de confiança dos agentes económicos, o antigo coordenador do Bloco de Esquerda diz ainda que vai começar a surgir, “não no imediato, mas no futuro, uma crise no lado da procura”.
Isto porque “a queda dos rendimentos” das famílias será “muito significativa” à medida que “as pessoas passam para ‘lay-off’ ou para o desemprego”, afirmou.
Tudo somado, Francisco Louçã diz que “o risco é que não tenhamos um 'V', mas que tenhamos um 'L', e que a recuperação seja muito lenta.”
O diagnóstico do professor universitário não resulta apenas dos efeitos económicos da pandemia. Francisco Loução recorda que este fator exógeno ocorre “num contexto em que já havia três ameaças graves muito evidentes” à atividade económica.
Primeiro, a economia mundial estava num novo “pico de intensidade especulativa”, algo que apenas tinha acontecido “nos anos 30 do século passado e na crise do Nasdaq em 2000”.
Em segundo lugar, em consequência das injeções de liquidez feitas pelos bancos centrais para salvar o euro, “tínhamos uma enorme inflação financeira”. Ou seja, explica o economista, como “não houve investimento, esses recursos foram utilizados para a valorização de títulos financeiros, criando uma bolha financeira e uma bolha imobiliária”.
Por último, “tínhamos um enorme crescimento do endividamento das empresas, uma bolha no mercado de obrigações”, acrescentou.
São estes três fatores que, segundo Francisco Louçã, explicam “por que é que um choque exógeno, como a pandemia que estamos a passar, não só afeta cadeias de produção, mas também afeta a estrutura da distribuição dos rendimentos”.
Os primeiros casos da covid-19 confirmados em Portugal foram registados no dia 02 de março. Desde as 00:00 de 19 de março e até ao final do dia 17 de abril o país mantém-se em estado de emergência, depois do prolongamento aprovado na quinta-feira na Assembleia da República.
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