"A verdade é que não há folga orçamental. Nós temos hoje menos 455 milhões de euros de juros pagos e 1000 milhões de euros no final do programa, mas essa dimensão tem de ser acautelada, porque senão, tal como eles [os encargos com juros] desapareceram podem voltar a aparecer", afirmou Mário Centeno, no debate sobre o Programa de Estabilidade 2018-2022 que decorre hoje no parlamento.

O ministro das Finanças respondia à deputada do PEV Heloísa Apolónia que tinha criticado o Governo por "impor constrangimentos via Bruxelas que são graves para o país", sobretudo quando desde 2017 os resultados orçamentais têm ficado centenas de milhões de euros abaixo das metas definidas inicialmente.

Anteriormente, a deputada do PEV tinha-se colocado ao lado do Governo, considerando que o PSD apresenta uma "senhora desfaçatez quando fala de impostos", recordando que foi no anterior executivo PSD/CDS que ocorreu o "brutal aumento de impostos".

Programa de Estabilidade: Bloco exige uso da “folga” financeira de 2017, PCP deixa aviso para Orçamento de 2019
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Por sua vez, o deputado do PSD Emídio Guerreiro criticou o aumento da carga fiscal em 2017 e deu o exemplo dos impostos sobre o gasóleo e sobre o açúcar, exemplificando que um litro de gasóleo custa 1,5 euros e que uma Coca-Cola e um croissant estão hoje mais caros, e "penalizam as pessoas".

Sobre a posição do PCP e do Bloco de Esquerda (BE) face ao Programa de Estabilidade, o deputado social-democrata considerou que "chega quase a ser ternurento o simulacro de oposição".

Também do PSD, o deputado Ricardo Batista Leite criticou a falta de investimento na saúde, considerando que um investimento de 4,8% do PIB - previsto no Programa de Estabilidade - deixa Portugal apenas à frente da Letónia e da Lituânia.

Já André Silva, deputado do PAN, considerou que a nova meta de défice de 0,7% para este ano permite uma nova 'almofada' e questionou o que leva o Governo a optar por não a utilizar para fazer investimentos públicos adicionais.

Na resposta, o ministro das Finanças disse que a "sustentabilidade das políticas deve ser analisada no âmbito do Programa de Estabilidade e numa lógica de equilíbrio e de reforço das condições orçamentais".

Sobre o aumento de impostos, Centeno admitiu que existe uma confusão entre receita fiscal e a carga fiscal e explicou que "o maior aumento do indicador do rácio entre a receita e o PIB dá-se efetivamente em impostos onde não houve alteração das taxas", dando o exemplo das contribuições sociais.

"O PSD fez um apelo ao consumo de produtos nocivos", lamentou.

Na saúde, Centeno disse que a despesa recuperou 700 milhões de euros depois de ter caído mais de 1.000 milhões em quatro anos, um crescimento entre 2015 e 2018 de 13%.

PSD defende que existência de folga orçamental é “uma ficção”

O PSD defendeu hoje a sua "concordância de fundo" com a redução do défice, considerando que a existência de qualquer folga orçamental é "uma ficção", ao mesmo tempo que sublinhou uma "divergência de fundo" pela carga fiscal prosseguida.

"É verdade que estamos longe do valor de 11% de défice, que foi registado em 2010 e que foi reduzido para 3% em quatro anos, e é verdade que hoje o valor é mais baixo. Mas, na realidade, ainda temos défice, pelo que qualquer ideia sobre a existência de uma folga é uma ficção", defendeu o deputado social-democrata Duarte Pacheco.

Numa intervenção no parlamento sobre o Programa de Estabilidade e o Programa Nacional de Reformas (PNR), Duarte Pacheco salientou igualmente que a "divergência mais profunda do PSD com a proposta do Governo está na continuação de uma política que mantém a carga fiscal em valores recorde".

O CDS-PP, através de Pedro Mota Soares, defendeu que "o plano apresentado pelo Governo revela, pela terceira vez consecutiva, imobilismo, conformismo, paralisia reformadora - o ‘poucochinho socialista'".

"Tudo disfarçado com um verniz orçamental que, de repente, passou a ser o alfa e o ómega do Governo", declarou Mota Soares.

O deputado centrista dirigiu-se ao responsável das Finanças, Mário Centeno: "Não é sério, em 2018, perante a maior carga fiscal e contributiva de que há memória, vir dizer que só lá para 2022 é que vai haver margem para baixar o IRS".

"O ministro das Finanças que o faz é um misto de cartomante e vendedor de banha da cobra", afirmou, salientando, entre as medidas alternativas propostas pelo CDS-PP no seu projeto de resolução sobre o PNR, a "descida sustentada e programada ao longo dos próximos anos da carga fiscal", o fim do adicional ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), o quociente familiar no IRS e a retoma da descida do IRC.

Ainda pelo PSD, o deputado Carlos Peixoto, tinha desafiado o BE a ser consequente e "tirar o tapete" ao apoio parlamentar que dá ao Governo.

"O que é que os senhores farão se o PS não votar o vosso projeto de resolução? Vão continuar casados até ao fim ou rompem o vosso contrato? Querem ou não aderir aos vossos princípios e convicções? Levem a vossa ideia até ao fim ou tudo o que ensaiaram não passa de uma encenação absolutamente indisfarçável".

PS afirma-se comprometido com “convergência” de esquerda mas com “gradualismo”

O líder parlamentar do PS manifestou hoje "comprometimento" com a convergência política de esquerda e disponibilidade para negociar o Orçamento para 2019, mas advertiu que o caminho tem de evitar os "descuidos" financeiros do passado.

Carlos César falava na Assembleia da República na parte final do debate parlamentar sobre os programas de Estabilidade e Nacional de Reformas, numa intervenção em que sinalizou a oposição dos socialistas face aos projetos de resolução do BE, PCP, PSD e CDS-PP, que serão votados na próxima quinta-feira.

O presidente do Grupo Parlamentar do PS frisou que o seu partido não pode prescindir de um caminho de "equilíbrio" entre investimento e consolidação orçamental, "pelo que não se pode rever na maior parte das conclusões de qualquer dos projetos de resolução apresentados a propósito dos documentos hoje em apreciação".

Mas, Carlos César deixou também, em duas passagens do seu discurso, votos de confiança na atual solução política que suporta o Governo minoritário socialista.

"O PS está comprometido com a convergência da esquerda portuguesa, numa agenda que integra aspirações históricas e atuais de combate às desigualdades, de modernização e de sustentabilidade, de coesão interna e europeia, e da qual têm resultado benefícios transversais na sociedade portuguesa. Importa, por isso, preservar esse património político e continuar a dar conteúdo a essa ambição", acentuou.

No entanto, logo a seguir, Carlos César advertiu também que essa ambição "não pode ser destruída pela precipitação e imponderação, em substituição da gradualidade e da precaução".

No plano político, Carlos César optou por desvalorizar as diferenças entre o PS e as restantes bancadas da esquerda em relação ao Programa de Estabilidade, dizendo que essas "reservas" do BE, PCP e PEV face a metas do défice e da dívida são conhecidas.

"Os resultados que temos conseguido mostram que valeu a pena, continua a valer a pena trabalharmos como temos trabalhado. É isso que continuaremos a fazer ao longo da execução orçamental deste ano e é isso que contamos continuar a fazer no Orçamento de Estado para 2019, em negociação e colaboração com os nossos parceiros parlamentares", sustentou o líder da bancada socialista.

O presidente do Grupo Parlamentar do PS defendeu, em seguida, um caminho de gradualismo ao nível da gestão dos dinheiros públicos, alegando que é preciso evitar erros do passado.

"Nós aprendemos com os desequilíbrios orçamentais do passado e temo-lo provado", afirmou, antes de aludir de forma indireta ao resgate financeiro a que Portugal foi sujeito em 2011 ao insistir na tese de que o atual Governo não pode agir "como se o passado não tivesse mostrado riscos, avisos, consequências e lições".

"Se, depois dos efeitos negativos da crise internacional, no final da década passada, que não conseguimos ou não pudemos evitar, voltássemos a esses descuidos, comprometeríamos, certamente, este percurso de recuperação e de ganhos de que os portugueses estão a beneficiar e que se devem a uma governação inteligente que a esquerda pode hoje reclamar e da qual não se deve afastar", defendeu Carlos César.

(Notícia atualizada às 12h53)