
Muito se tem escrito e dito sobre os resultados, e é fascinante que, após os mesmos, surjam comentadores habituais a dizer e a escrever que era tudo muito óbvio, que só não viu quem não quis entre outras manifestações de dons premonitórios retroativos. É uma sorte termos na nossa praça analistas com este talento raríssimo de prever acontecimentos depois de acontecerem. Ou talvez gostem só de insultar a inteligência de quem os vê ou lê, mas isso é outro tema que não vem a propósito.
O que domingo trouxe igualmente à tona foi o carácter inconsequente, e em alguns casos arrogante, das lideranças à esquerda.
O demissionário Pedro Nuno Santos, que conseguiu o feito de pegar num PS que vinha de uma maioria absoluta e perder não uma, mas duas vezes seguidas eleições, com a agravante de ter atingido um feito único na história do seu partido: nunca o Partido Socialista ficou em terceiro em eleições legislativas. O que só sublinhou uma das críticas que mais lhe faziam, a de que se não serviu para ministro, cargo no qual acumulou trapalhadas, não serviria para primeiro-ministro. Até António Costa o deu a entender aquando da sua saída.
Porém, alguém o foi convencendo de que seria a pessoa certa, de que os portugueses já não se lembravam de ter sido governados quase 10 anos pelo PS, e lá seguiu Pedro Nuno Santos a prometer soluções para o que não resolveu quando pôde. Possivelmente alguns dos que o convenceram que esse seria o caminho, sejam alguns dos que agora o desfazem publicamente e se preparam para aconselhar o próximo líder.
O certo é que se o ainda secretário-geral do PS teve a decência de anunciar imediatamente a sua demissão, não deixou de nos presentear com o seu mau perder e com a arrogância que o caracteriza. Na hora da demissão, insistiu nas críticas à idoneidade do primeiro-ministro, sintoma de quem misturou combate político com ajuste de contas pessoais e deixou muito pouco subtilmente que passará para o banco dos comentadores televisivos amargurados.
O próximo líder do PS, seja José Luís Carneiro ou outro, será um líder de transição, mais um. Pedro Nuno Santos também o era, e pelo tombo que o partido deu, não se sabe quantos mais precisará o PS para recuperar, se é que vai recuperar. Tendencialmente por toda a Europa a família política dos socialistas não tem estado em bons lençóis. Aliás, no mesmo domingo em que o PS em Portugal perdeu redondamente as eleições, também, por exemplo, na Roménia e na Polónia os candidatos presidenciais socialistas não passaram sequer à segunda volta.
Avançando mais à esquerda, o Bloco de Esquerda, partido a que dediquei o meu último artigo, aqui no SAPO24, também conseguiu uma proeza. Mariana Mortágua apostou numa nova forma de fazer campanha, continuou a insistir com o tema da Palestina e dos lucros desta e daquela empresa e quis recuperar o espírito do Bloco de 1999. Por um triz não nos presenteou com o Bloco de 1998. Consequências? Zero. Um grande sorriso no rosto no dia da derrota e ainda anuncia que se vai recandidatar à liderança do partido. A Direita agradece e apoia.
Já Paulo Raimundo, pelo Partido Comunista, apresentou-se a eleições como “a coragem que enfrenta a direita” e estabeleceu como objetivo voltar a ter seis deputados. Ficou reduzido a três, e perdeu em todos os “bastiões comunistas”. Provavelmente um presságio para as Autárquicas. Consequências? Zero. Como é habitual ouvimos um secretário-geral do PCP numa noite eleitoral de derrota a culpar tudo e todos excepto a estratégia que seguiu. Para cúmulo, anunciaram, mais uma vez, uma moção de rejeição ao Governo que ainda nem tomou posse. Tenho ideia de que há uma palavra que define bem quem faz sempre o mesmo à procura de resultados diferentes.
E mesmo os que tiveram ganhos fizeram questão de se unir aos perdedores numa narrativa comum. Como excelentes democratas, LIVRE, PCP, BE e PS, começaram imediatamente a agitar o espantalho do perigo que é ter um Parlamento com uma maioria de direita. O pânico infantil da esquerda com o bicho-papão da revisão constitucional, tem-se traduzido num espalhar de fantasias absurdas sobre a perda de direitos e o fim da democracia — uma torrente de demagogia barata sem qualquer adesão à realidade. Porém, já é habitual, quando a esquerda vence é uma vitória do bem e da democracia, quando a direita vence surgem as acusações de fim do mundo.
O mais revelador de tudo isto pode mesmo ser o desfasamento entre as lideranças da esquerda e o país real. Um país que votou por mudança por duas vezes, não por medo de fantasmas. Que olha para a habitação, para os salários, para a saúde, e já não se comove com slogans sobre "direitos ameaçados" vindos de quem, quando pôde, não os soube ou não os quis garantir. E é neste contraste entre a histeria de uns e o pragmatismo dos eleitores que talvez se encontre a verdadeira explicação para os resultados de domingo.
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