Os resultados indicam igualmente que os rendimentos na Cultura tendem “a ser mais baixos do que noutros setores”, para qualificações similares, e a ter uma distribuição “irregular no tempo”, com “períodos mais ou menos longos sem qualquer retribuição”, aspetos associados, entre outros fatores, à “intermitência da atividade”.
O inquérito, realizado pelo Observatório Português das Atividades Culturais (OPAC), no âmbito de um acordo entre a Direção-Geral das Artes e o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), contou com uma amostra de 1.727 profissionais independentes e foi o primeiro, em Portugal, a analisar relações laborais e remunerações, no setor da Cultura.
O universo em causa é o dos “profissionais independentes, com atividade por conta própria – que não têm contrato de emprego a tempo completo com um único empregador […], de todas as áreas (artes do espetáculo, artes visuais, património, bibliotecas, arquivos, etc.)”.
Os dados dizem respeito a 2019, ano anterior à paralisação imposta pela pandemia.
Dos inquiridos, perto de 70% indicaram um rendimento líquido anual inferior a 10.800 euros. O escalão entre 7.200 e 10.800 euros reúne o maior número de respostas (19,3%), seguido de perto pelo escalão imediatamente inferior, entre os 3.720 euros e os 7.200 euros (19,1%). Entre os 1.800 e 3.720 euros, situaram-se 12,7% dos inquiridos. A percentagem subiu, no entanto, a 17,1% para os que afirmaram receber menos de 1.800 euros por ano. Sem qualquer rendimento, o número de respostas ficou em 2,1%.
Rendimentos líquidos anuais, no intervalo entre os 10.800 e os 14.400 euros, correspondem a 12,4% das respostas da amostra, seguindo-se 9,8%, entre os 14.400 e os 21.600 euros.
Acima deste valor, encontram-se apenas cerca de 6% dos inquiridos: 4,1%, para rendimentos até 30.000 euros por ano, e pouco mais de 1% para intervalos até 36.000 (1,2%) e até 50.000 (1,3%). Para rendimentos iguais ou superiores a 50 mil euros, o inquérito obtém 0,2% das respostas.
“Estimando a média mensal a partir da anual, verifica-se que 18% tem rendimento mensal líquido até 150 euros e que para metade dos inquiridos esse rendimento não supera os 600 euros. São valores muito baixos, associados a fraca atividade remunerada, ou a atividades com baixa remuneração, ou mesmo não remunerada (voluntariado), que não garantem uma autonomia no setor”, lê-se no relatório da equipa coordenada pelo professor e investigador José Soares Neves, do ISCTE.
“Para uma parte significativa dos profissionais independentes isso coloca em risco a continuidade de atividade no setor, se não houver um complemento proveniente de outros setores. Note-se que um em cada cinco profissionais aufere o equivalente ao salário mínimo ou menos (534 euros líquidos em 2019)”, sublinha a equipa.
O estudo deteta assim “o recurso a atividades remuneradas fora do setor artístico como forma de assegurar rendimentos mínimos ou de complementar os baixos rendimentos auferidos com o trabalho artístico e cultural” (35%). Em alguns casos, “a atividade profissional principal [está mesmo] fora do setor” (15%).
Para a maior parte dos inquiridos, porém, os rendimentos provêm exclusivamente das atividades no setor artístico e cultural (65%).
Quanto à comparação do rendimento líquido anual entre setores, o dos trabalhadores da Cultura tende a ser mais baixo, ou seja, há sempre mais profissionais das artes, do que de outras áreas, a indicar valores inferiores a 10.800 euros; para rendimentos anuais acima de 10.800 euros, os fatores invertem-se.
Segundo os resultados do inquérito, 61% dos profissionais tem como única fonte de rendimento o trabalho por conta própria no setor e, para 11%, o trabalho independente representa 76% a 99% do seu rendimento. Os direitos conexos representam, no máximo, 25% do rendimento de 8% dos profissionais, tal como os direitos de autor (7,5%).
Os números do inquérito apontam também para uma quebra de atividade depois dos 55 anos, “e especialmente depois dos 65 anos”, e para “diferenças relevantes entre sexos”, com os homens a conseguirem mais trabalho (média de 7,5 projetos/ano), em relação às mulheres (5,8/ano).
O relatório aponta também como indicador “da informalidade dos regimes de trabalho no setor, e consequente isolamento dos trabalhadores”, o facto de “uma esmagadora maioria dos inquiridos” apontar “a negociação individual como a mais comum (84%)”.
A distribuição da atividade ao longo do ano é outro dos indicadores da inconstância de trabalho dos profissionais independentes inquiridos, com quase metade da amostra (47%) a afirmar que o trabalho não tem um quadro temporal previsível, e perto de um terço (30%) a referir a sua concentração no tempo.
Tendo em conta a sazonalidade do trabalho remunerado, a atividade geral do setor ao longo do ano oscila sobretudo entre 71% (maio) e 58% (agosto).
A primeira parte do Inquérito aos Profissionais Independentes das Artes e Cultura, dedicada às relações laborais e perfis social e profissional, foi divulgada no passado dia 09, e mostrou uma forte informalidade, com perto de quatro em cada 10 trabalhadores independentes da Cultura a serem prestadores de serviços sem qualquer contrato.
No perfil traçado, o trabalhador independente da Cultura tem entre 35 e 44 anos e “uma elevadíssima qualificação”, com 78% dos inquiridos a deter um grau de licenciatura ou superior.
A maioria dos inquiridos (56,1%) vive na área metropolitana de Lisboa, seguindo-se a região norte com 19,7%.
Segundo o OPAC, as artes performativas, com 54,4%, são referidas como a principal área de trabalho, seguindo-se a música (23,6%) e o teatro (17,6%).
Em junho de 2020, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, anunciou a intenção de promover um inquérito a todos os profissionais do setor e um mapeamento do tecido cultural, que serviriam de análise, atualização e adaptação dos regimes dos contratos laborais destes trabalhadores.
O anúncio foi feito no final da primeira reunião do grupo de trabalho para delinear um novo estatuto do trabalhador da Cultura.
Quanto ao emprego no setor cultural português, segundo os números divulgados em junho de 2020 pelo Ministério da Cultura, os 160.600 trabalhadores existentes em 2018 representavam então 3,3% do emprego total, o que colocava o país em quarto lugar, com o menor peso de emprego cultural, na União Europeia.
Segundo os dados, em Portugal, uma em quatro pessoas trabalha em atividades culturais por conta própria, de forma independente, uma proporção “significativamente superior à que se verifica para o total do emprego”.
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