A Procuradoria-Geral da República confirmou à Lusa a abertura de um inquérito “relacionado com a matéria que teve origem em certidão extraída do processo de insolvência”, que decorre no juízo de competência genérica de Ourique (Comarca de Beja), numa investigação em que o Ministério Público é coadjuvado pela Polícia Judiciária, bem como de um inquérito resultante de uma denúncia entregue em junho por um dos acionistas da sociedade.
Nessa denúncia, a que a Lusa teve acesso, o empresário português José Massano André solicita uma “auditoria forense ao desempenho” do administrador-delegado da Transaqua, o espanhol Mario Molia, que acusa de “delapidação do património da sociedade para benefício próprio e de outros consigo relacionados”.
O empresário português elenca um conjunto de situações que considera integrarem “os crimes de insolvência dolosa, administração danosa, fraude na obtenção de subsídios e fraude fiscal” e que, alega, só foram do seu conhecimento após a declaração de insolvência da Transaqua, em outubro de 2017, por lhe ter sido “sempre vedado acesso aos balancetes e outra documentação específica da contabilidade da sociedade”.
Miguel Rodrigues, mandatário de Mario Molia, afirmou à Lusa que a administração da Transaqua “rejeita veementemente qualquer tipo de imputação de gestão danosa ou similar, sendo que impugna frontalmente todos os factos elencados” pelo denunciante, “ou pelo menos o sentido e o alcance” que este “lhes pretende conferir”.
Com uma dívida de 13,9 milhões de euros — 6,9 dos quais à Caixa Geral de Depósitos (CGD), 2,4 à Caixa Leasing e Factoring (CLF), 2,1 ao IAPMEI – Agência para a Competitividade e a Inovação e 2,5 a outros credores –, a administração da Transaqua apresentou uma proposta de plano de insolvência, aprovada em abril em assembleia de credores (por 96,52% dos votos) e homologada pelo tribunal de Ourique em final de maio.
Constituída em 2009 por empresários portugueses e espanhóis para responder à procura de tubagens de betão pré-esforçado, em particular pela Empresa de Desenvolvimento das Infraestruturas de Alqueva (EDIA), a Transaqua começou a produzir em meados de 2011 nas instalações de uma antiga fábrica de tomate que se encontrava inativa, em Montes Velhos, concelho de Aljustrel (Beja), arrendadas por dez anos e adaptadas às novas funções.
A atividade foi interrompida por falta de encomendas em outubro de 2015, tendo a sociedade recorrido a um Processo Especial de Revitalização (PER) em 2016, que foi aprovado, não tendo, contudo, a empresa conseguido “gerar fluxos necessários ao cumprimento das obrigações correntes, pelo que foi decretada a sua insolvência”, refere a denúncia de Massano André.
O empresário afirma que foram os “elevados montantes de resultados líquidos negativos (9 milhões de euros) e de comissões pagas a intermediários para angariação de obras na Argélia” (6,8 milhões de euros) que o “compeliram a procurar factos justificativos desses resultados”.
Assim, aponta “sobrefaturação” a partir de um grupo espanhol que terá criado para esse fim uma empresa com sede em Montes Velhos que funcionou apenas um ano, com um único funcionário e com a Transaqua como única cliente, bem como “sobrecusto das obras das instalações fabris”, que haviam sido fixadas pela administração em 1,3 milhões de euros mas na contabilidade constam em 4,3 milhões de euros, sem que se “encontre justificação” para “tamanho desvio”.
Massano André refere a aquisição de máquinas e equipamentos “não necessárias e não existentes” nas instalações e alega que a empresa “beneficiou de incentivo de fundos comunitários através de faturação forjada no montante de 1.342.996 euros”.
Indica ainda a remoção de equipamentos da Transaqua para uma fábrica situada em Murcia (Espanha).
Questionado pela Lusa, o administrador de insolvência, Francisco Areias Duarte, confirmou que não se encontram nas instalações da empresa duas máquinas, uma delas “objeto de um contrato de locação com a Caixa Leasing” e outra “propriedade da sociedade insolvente”, tendo esta informado que ambas se encontram em Murcia, “uma vez que foram adquiridas para um investimento no Norte de África e não fazia sentido deslocá-las para as instalações em Portugal devido aos custos de transporte”.
A CGD alegou “segredo bancário”, escusando-se a prestar qualquer declaração sobre o processo.
Já o IAPMEI confirmou que a empresa teve “um projeto apoiado no âmbito do Sistema de Incentivo à Inovação”, tendo sido aprovado um apoio de 2.941.959 euros para um investimento elegível de 5.163.630 euros, concluído em dezembro de 2012, tendo os pagamentos (destinados essencialmente a equipamentos) sido concluídos em julho de 2014.
A agência afirma que a empresa foi alvo de uma auditoria em 2012 e que foram realizadas “verificações documentais em todos os pagamentos de incentivos, bem como uma verificação física ao investimento em junho de 2014″.
Na resposta à Lusa, o IAPMEI afirma que desencadeou “todos os mecanismos legais e contratuais visando o reembolso do incentivo por parte da empresa”.
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