Para se ter uma noção da evolução em números, em 2014, num balanço feito à agência Lusa, eram pouco mais de 30 os novos Orçamentos Participativos desenvolvidos pelas autarquias que destinam uma parcela do seu dinheiro à concretização das propostas que os cidadãos considerarem mais importantes para melhorar o local onde vivem.

“Hoje o quadro de Portugal é um dos mais interessantes da Europa, por uma razão: apesar de ter 118 experiências, das quais 30 são experiências centradas nos jovens, são experiências que vão crescendo de qualidade, em diálogo umas com as outras”, disse à Lusa Giovanni Allegretti, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e um impulsionador dos Orçamentos Participativos (OP) em Portugal, em conjunto com a Associação in Loco.

Portugal tem neste momento uma Rede das Autarquias Participativas (RAP), nascida dentro do projeto Portugal Participa e formada por 63 autarquias, a maior parte das quais municípios, mas que muito recentemente abriu também às freguesias. As aderentes fazem intercâmbio de procedimentos participativos, o que “está a ajudar muitos processos a melhorar”.

Para os OP foram dados, no ano passado, quase 20 milhões de euros e, nos últimos 10 anos, um total de 91 milhões.

“Estou a falar só dos OP que se podem calcular, que são codecisórios. Hoje em dia, 95% dos OP municipais portugueses são codecisórios. Em 2013, 85% eram consultivos, ou seja, as pessoas diziam o que queriam e depois os autarcas escolhiam. Hoje as pessoas votam com métodos de voto muito diferentes, voto negativo, voto com peso diferente, cada cidade tem a sua fórmula para romper os ‘lobbies’”, salientou Allegretti.

No entanto, para Allegretti, a média expressiva de OP não é o que de mais importante se retira destes processos, porque estes orçamentos “já não são vistos como o processo participativo mais importante” - a partir destas experiências, estão a emergir novas formas de participação que não existiam em Portugal.

Desde logo, estes processos, que antes eram estanques, na dependência de um ou outro vereador, hoje funcionam cada vez mais numa plataforma única, em que os cidadãos podem passar de um projeto ao outro sem terem de se registar novamente, “criando um ecossistema participativo”.

Projetos como a Empatia, que Alegretti criou recentemente, permitem precisamente a criação de plataformas tecnológicas que possibilitam aos cidadãos terem uma visão de conjunto do que está a ser proposto para a sua cidade para melhor tomarem decisões.

Nos Orçamentos Participativos os cidadãos é que mandam e já não ganham as obras 

A maioria dos projetos que hoje vencem os Orçamentos Participativos (OP) das autarquias já não são as obras, mas propostas de modelos de desenvolvimento das cidades que chegam onde o Estado não conseguiu chegar, disse à Lusa um especialista.

“Num momento em que o Estado foi nos últimos anos, a partir da crise, cortando apoio as instituições sociais, o OP tornou-se cada vez mais como um elemento complementar ao Estado. Eu acho que será ainda mais importante agora, com a reforma das autarquias e das competências das autarquias, ver esse papel que o OP pode ter”, afirmou à Lusa Giovanni Allegretti, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e um impulsionador dos Orçamentos Participativos (OP) em Portugal, em conjunto com a Associação in Loco.

Segundo Allegretti, a maioria dos projetos que ganham nos OP municipais já não são obras públicas, mas apoios a instituições consolidadas, que levam à igualdade de acesso dos cidadãos à cultura e ao desporto, por exemplo, e propostas em que os cidadãos querem impor um modelo de desenvolvimento para os locais onde vivem.

Allegretti destacou os muitos pedidos de associações culturais e desportivas a pedir carrinhas de transporte de crianças, medidas que aparentemente davam vantagem a grupos já organizados, mas que afinal servem para manter uma equidade social dentro desses grupos.

“Na verdade, trata-se de um apoio para que os jovens mais pobres, que não conseguem ir aos jogos, possam fazer parte integrante completa dessas instituições. A vantagem é que se consegue maior equidade entre pessoas de capacidade económica diferente dentro de grupos que parecem unitários, mas não são, porque reproduzem uma diferença social”, afirmou.

Por outro lado, há cada vez mais exemplos de propostas em que os cidadãos impõem um modelo de desenvolvimento que vai, muitas vezes, contra o que a autarquia previu para o território.

Por exemplo, o Jardim do Caracol da Penha, em Lisboa, onde a Câmara planeava um parque de estacionamento, vai ter um parque verde proposto por um grupo de cidadãos, que venceu o OP com o maior número de votos de sempre.

São dois modelos de ordenamento do território antagónicos, que a Câmara ainda tentou conciliar, mas os moradores recusaram, porque na sua visão do espaço não era compatível ter um estacionamento junto a um parque verde.

“O município cedeu. […] Esta é uma transformação de paradigma que diz que o OP já não é um jogo nas mãos das autarquias, mas uma nova instituição da qual os cidadãos se estão a servir para encontrar um espaço para discutir não apenas as obras, mas o seu futuro e a maneira de planear o território”, comentou.

O investigador realçou ainda que em muitos casos os cidadãos fazem uma proposta e a própria autarquia acaba por assumir como política municipal essa proposta como uma política pública permanente do município.

“Isto é uma coisa muito importante. O OP é como uma ‘startup’ de ideias, para depois as autarquias direcionarem os seus investimentos em áreas mais sensíveis para os cidadãos”, explicou.

Segundo Giovanni Allegretti, em ano de autárquicas a pergunta mais interessante que se pode fazer é se, depois de tantos OP que chegam aos 25%/30% de votantes, irá registar-se uma queda no abstencionismo.

“Será que o OP consegue reconstruir a confiança dos cidadãos na política ou apenas se limita a atrair as pessoas dentro daquele espaço pequenino que o OP representa?”, questionou.

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