No Acordo Parassocial assinado aquando da venda do Novo Banco, em 2017, o Fundo de Resolução [FdR] assumiu "a obrigação de não exercer o seu direito de indicar membros quer para o CAE [conselho de administração executivo], quer para o Conselho Geral e de Supervisão, conforme imposição da Comissão Europeia".
"Esta disposição, com uma natureza muito gravosa, inibe o FdR da faculdade de intervir na gestão do Banco de que é acionista e detentor de uma participação de 25% de capital condicionando ainda, de forma muito significativa, a sua intervenção na gestão dos ativos do CCA, situação que desequilibra a relação societária", pode ler-se no relatório preliminar.
Estas são algumas das conclusões da versão preliminar do relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, hoje apresentado pelo deputado relator Fernando Anastácio (PS).
Na sequência do processo de venda do Novo Banco à Lone Star, em 2017, a Comissão Europeia exigiu também "que fosse prevista uma cláusula de 'backstop' [salvaguarda], por não acreditar na viabilidade do Banco e entender que este devia ser liquidado".
O deputado relator referia-se à salvaguarda de emergência de 1,6 mil milhões de euros caso se esgotasse o montante de 3,9 mil milhões de euros do CCA sem que os rácios de capital do Novo Banco ficassem ao nível regulamentar, "uma imposição da Comissão Europeia" devido às "reservas colocadas por esta entidade à viabilidade do plano de recuperação".
"Este é um instrumento de caráter claramente subsidiário, pois está dependente da falha de instrumentos privados, tendo sido, contudo, um elemento essencial para assegurar a concordância da Comissão Europeia relativamente à venda do NB e, assim, impedir a sua liquidação", pode ler-se numa das conclusões do relatório.
Bruxelas "colocou como condição de autorização da venda do NB, a apresentação pela Lone Star de um plano de reestruturação em que se mostrava que o banco era viável e capaz no final do período de reestruturação", assente sobretudo no Mecanismo de Capital Contingente (CCA), na medida de subscrição de instrumentos Tier 2 e na medida Capital Backstop.
O executivo europeu obrigou ainda à existência de "uma medida de proteção para permitir que a venda pudesse ser efetuada ao abrigo do regime da resolução de 2014 e não da BRRD [Diretiva Europeia de Recuperação e Resolução Bancária], o que implicaria uma nova resolução", pode ler-se no texto redigido pelo deputado Fernando Anastácio (PS).
"A intervenção da Comissão Europeia foi determinante no condicionamento de todo este processo, à semelhança do já ocorrido em 2014, aquando da resolução", realça o deputado relator.
Precisamente, na resolução do BES e criação do Novo Banco, o documento elaborado pelo deputado Fernando Anastácio (PS) dá conta que o BCE "ponderou e equacionou a retirada do estatuto de contraparte ao BES, intenção que comunicou ao BES e ao BdP, o que, a ser concretizado, equivaleria ao colapso do banco devido à obrigação daí resultante de este devolver de imediato a ELA [assistência de liquidez de emergência] no valor de 10 mil milhões de euros".
"A ação do BCE e da DGComp condicionou de forma crucial a condução de todo o processo prévio à resolução e a decisão de resolução nas suas diferentes dimensões", indica a versão preliminar do relatório.
Por seu lado, a DGComp "interveio desde os momentos iniciais da preparação da resolução, validando o valor da capitalização inicial e condicionando a decisão sobre o âmbito e natureza das medidas de ajuda de Estado que teriam de ser aprovadas, bem como os respetivos compromissos subsequentes".
"Estes compromissos viriam a condicionar fortemente o futuro do NB [Novo Banco], porquanto eram limitativos da operação", incluindo medidas como o banco "ter de ser vendido dentro de um prazo de 24 meses", "o banco não poder pagar depósitos acima do valor de mercado" ou "o banco ter de se desfazer de rapidamente de ativos por forma a minimizar as necessidades de capital".
Audições de alguns dos grandes devedores geraram sentimentos de revolta
O relator da comissão de inquérito ao Novo Banco critica ainda a postura de alguns dos grandes devedores nas audições quando alegaram desconhecimento ou falta de memória, considerando que foram momentos que geraram “sentimentos de revolta e incompreensão”.
O deputado do PS Fernando Anastácio apresentou hoje a versão preliminar do relatório final da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução (CPIPRNBIFR), um documento de mais de 400 páginas ao qual a agência Lusa teve acesso.
Na nota de abertura, o relator elenca “as contribuições de todos os que de alguma forma intervieram” nestes trabalhos, mas faz questão, “por imperativo de consciência”, de “separar as águas”.
“Por um lado, cumpre agradecer e saudar a colaboração prestada por todos - pessoas ou entidades, imbuídos de um espírito de efetiva colaboração e transparência - que vieram à CPIPRNBIFR ou, por escrito, prestar depoimentos genuínos, fidedignos e que se vieram a revelar úteis”, enalteceu.
No entanto, para o socialista Fernando Anastácio “esta postura contrasta com a atitude de alguns intervenientes”, como alguns grandes devedores, que assumiram na comissão de inquérito “uma postura de reserva nas respostas, de alegação de desconhecimento ou de falta de memória sobre certas matérias”.
“A alegação de desconhecimento, efetuada nestes termos, não é de forma nenhuma compatível com as funções e responsabilidades que exercem ou exerceram nesses grupos económicos. Estes momentos ficarão para a história das Comissões de Inquérito, porquanto estão hoje bem presentes no imaginário coletivo algumas das audições desses grandes devedores. Foram momentos que geraram sentimentos de revolta, incompreensão e rejeição a este tipo de comportamentos”, criticou.
Para o deputado relator, o parlamento fez o seu trabalho “e, ao fazê-lo como o fez, permitiu o escrutínio de situações ocorridas perante a opinião pública, contribuindo para a transparência e conhecimento público dos factos”.
Fernando Anastácio recorda que os trabalhos decorreram entre dezembro de 2020 e julho de 2021, tendo sido “condicionados pela situação pandémica” de covid-19, o que chegou a levar à suspensão entre 03 de fevereiro e 06 de março deste ano.
Entre os números que o deputado escolheu para ilustrar os trabalhos da comissão, para além das horas de reuniões e audições, está a solicitação da documentação a 28 entidades, “o que permitiu receber 45.426 ficheiros que correspondem a 66,5 Gigabytes de informação”.
“Registe-se a singularidade de uma das entidades, o Novo Banco, ter constituído uma equipa interna para fazer o tratamento e a seleção da documentação solicitada, assim como ter nomeado um diretor responsável pela coordenação das relações e contactos com a CPIPRNBIFR. A documentação recebida, com origem no Novo Banco, consiste em mais de um milhão de páginas”, exemplifica.
Mudanças na exposição a partes relacionadas e período de nojo
A proibição da exposição a partes relacionadas, revisão do “período de nojo” entre funções de regulador e regulado e mais colaboração com o parlamento na informação bancária são algumas das recomendações preliminares da comissão de inquérito ao Novo Banco.
O deputado relator da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, o socialista Fernando Anastácio, apresentou hoje de manhã aos restantes deputados a versão preliminar do relatório final desta comissão, um documento de mais de 400 páginas ao qual a agência Lusa teve acesso.
Os partidos poderão agora apresentar propostas de alteração até sexta-feira, começando a discussão do relatório final na segunda-feira da próxima semana.
A encerrar o documento, o relator propôs 10 recomendações, sendo o primeiro grupo destas dirigido ao Banco de Portugal (BdP).
“A exposição a grandes riscos a parte relacionadas emergiu como uma das causas determinantes do colapso do BES. A necessidade de reduzir ou mesmo de acabar com este tipo de exposição constitui uma medida essencial, em especial, para tornar saudável a relação das empresas nos denominados conglomerados mistos”, defende.
Assim, é sugerido ao supervisor nesta versão preliminar que “proponha junto do BCE e do Governo, quanto aos grandes riscos a partes relacionadas, a proibição deste tipo de financiamento, ainda que criando um período de transição para o efeito”, ou, em alternativa que “este tipo de financiamento tenha natureza residual, nunca superior a 5% dos fundos próprios consolidados”.
Também a questão das 'portas giratórias' foi um tema em discussão na comissão de inquérito, referindo o documento que, apesar de não serem impedimentos, “foram identificadas várias situações de alternância entre o exercício de funções no regulador, no regulado, no auditor”, o que suscita “evidentes constrangimentos”, para além de serem entendidas pela opinião pública “como um fator de descredibilização das instituições e dos seus profissionais”.
“Recomenda-se ao BdP, a revisão do denominado ‘período de nojo’ aplicável na transição entre funções de regulador para regulado, sem prejuízo do padrão que é seguido pelo Single Supervisory Mechanism – SSM, que se revela insuficiente”, propõe.
Outra das propostas do relator prende-se com “um melhor e efetivo escrutínio parlamentar”, sendo necessário “alargar os deveres de colaboração com a Assembleia da República” no acesso a informação bancária e de supervisão sujeitas ao dever de segredo.
Ao Governo, BdP e Fundo de Resolução (FdR) é proposto “a cessação das situações verificadas quanto ao auditor do FdR, do Novo Banco e da Nani Holdings”, que é o mesmo, assim como “quanto à empresa contratada pelo NB e FdR para Agente Verificador”, que tinha prestado serviços ao Ministério das Finanças no âmbito do processo de venda da entidade bancária à Lone Star.
Análise a abusos no IMT e rotação de avaliadores
O relator da comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco, Fernando Anastácio (PS), recomendou que o Governo analise os riscos de abusos no IMT e uma maior rotação de avaliadores imobiliários, na sequência dos problemas detetados na instituição financeira.
"Recomenda-se ao Governo a análise e ponderação sobre a forma de mitigar o risco de abusos em sede de IMT (Imposto Municipal sobre a Transação Onerosa de Imóveis), decorrente da criação de sociedades imobiliárias", pode ler-se nas recomendações do relatório preliminar da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.
Fernando Anastácio refere que essas sociedades, "após a realização de uma transação, podem obter benefícios fiscais na aquisição de imóveis, tornando-se um negócio apetecível para fundos de investimento em início de atividade em Portugal".
Quanto aos avaliadores imobiliários, o relatório preliminar recomenda ao Banco de Portugal (BdP) e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) que "analisem a reforma do quadro regulatório dos avaliadores imobiliários", de forma a identificar "instruções que impeçam divergências acentuadas entre avaliações, criando, em diálogo com as associações profissionais do setor, um guia de boas práticas para o setor".
O guia deverá incluir o reforço da rotatividade de avaliadores, "criando impedimentos na repetição de contratação dos mesmos avaliadores ou empresas", a "criação de uma plataforma pública para inserção obrigatória das avaliações, disponibilizando-as por um período mínimo de cinco anos" e também a "fiscalização obrigatória das avaliações por amostragem e definição de um valor mínimo de confirmação obrigatória de avaliação por parte dos órgãos de regulação".
Deve também ser promovida "uma forma mais robusta de organização da função de avaliador imobiliário, através da constituição de uma associação profissional única, capaz de regular a função e fiscalizar a objetividade e independência dos profissionais autorizados a exercer essa função".
O deputado relator indica que a razão para a inclusão das recomendações relaciona-se com o facto de que "um volume muito significativo das perdas no NB imputadas ao FdR que diz respeito a perdas na valorização de imóveis".
"A documentação analisada ilustra a falta de avaliações, as avaliações desatualizadas, a falta de justificação de avaliações díspares e o impacto relevante destas falhas processuais nas contas do NB", refere o socialista.
Também foi discutida na comissão "a necessidade de qualificar a atividade dos avaliadores imobiliários e de assegurar uma adequada diversificação e rotação das entidades avaliadoras".
Durante a comissão de inquérito, foi conhecido que o contribuinte de António João Barão, ouvido na comissão de inquérito ao Novo Banco por ter vendido sociedades imobiliárias que serviram para comprar crédito malparado, está associado a 217 sociedades, segundo o registo oficial.
"Essas sociedades imobiliárias... às vezes tenho umas sociedades tanto para negócios próprios, que às vezes não realizo, e depois as cedo e as vendo. Foi a determinada altura que a sociedade de advogados Morais Leitão me contactou - porque noutras alturas já lhes tinha vendido umas sociedades - e perguntou se eu tinha umas cinco sociedades para ceder para um cliente deles", detalhou António João Barão.
As sociedades viriam a ser utilizadas para serem vendidas a uma sociedade sediada no Luxemburgo, registada por um fundo das Ilhas Caimão denominado Anchorage, que veio a participar na compra da carteira de crédito malparado Viriato.
De acordo com o relatório elaborado por Fernando Anastácio, "do depoimento emerge como factualidade a existência de uma atividade e um mercado de constituição de sociedades para posterior compra e venda de sociedades comerciais, sem atividade, habitualmente com o objeto de compra de imóveis para revenda, com o propósito de utilização destas sociedades enquanto veículos em operações imobiliárias".
A utilização sugere a "potencialidade dos compradores poderem usufruir de benefícios fiscais, nomeadamente, em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) que pode passar pelo diferimento do seu pagamento ou mesmo a sua isenção".
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