"Identifica-se a possibilidade de que o efeito desfavorável das despesas com o Novo Banco e com a TAP venha a ser superior ao considerado na previsão para 2021 em contas nacionais", pode ler-se na Análise à Proposta de Orçamento do Estado para 2021 [OE2021] hoje divulgada pelo CFP.

De acordo com a instituição presidida por Nazaré da Costa Cabral, no caso do Novo Banco, "podendo ainda ser transferido um valor máximo de 914 ME [milhões de euros] ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente, a despesa prevista em contas nacionais para aquele efeito em 2021 fica bastante aquém desse valor e dos montantes transferidos nos últimos dois anos".

Apesar do Conselho das Finanças Públicas ter considerado a necessidade de financiamento do Fundo de Resolução (para transferência posterior ao Novo Banco) de 275 milhões de euros identificados pelo Ministério das Finanças (MF), o que é considerado para o cálculo do défice é "o montante da despesa de capital correspondente às transferências efetuadas pelo Fundo de Resolução para aquela instituição e não as necessidades de financiamento do Fundo de Resolução", valor que em 2019 ascendeu aos 1.037 milhões de euros.

"De acordo com a informação constante nos mapas de desenvolvimentos orçamentais do Fundo de Resolução identifica-se uma despesa de 476 ME dirigida a Instituições de Crédito, desconhecendo, no entanto, o CFP qual o montante correspondente a esta operação considerado na 'outra despesa de capital' pelo MF", pode ler-se numa nota de rodapé do documento hoje divulgado pelo CFP.

Já relativamente à TAP, o "próprio relatório da POE/2021 [proposta de Orçamento do Estado] alerta para a incerteza sobre o valor que a esta empresa poderá vir a necessitar em 2021", algo que também já foi admitido pelo ministro de Estado e das Finanças, João Leão.

O CFP recorda que as Finanças estimam que "no corrente ano a TAP utilize a totalidade dos 1.200 milhões de euros de empréstimo do Estado", e que "para 2021 encontra-se previsto um impacto de 500 ME, resultante de uma eventual garantia a conceder pelo Estado para que a TAP se possa financiar no mercado".

De resto, as previsões para o défice de 2021 alicerçam-se numa previsão mais baixa da despesa com a TAP e com o Novo Banco face ao que acontece em 2020.

"Para a redução prevista nas 'outras despesas de capital' contribui sobretudo a expetativa de que o impacto líquido no saldo orçamental em contabilidade nacional decorrente de despesas com o Novo Banco e com a TAP Air Portugal venha a ser menos desfavorável", pode ler-se no documento hoje divulgado pelo CFP.

Além da TAP e do Novo Banco, o organismo independente que escrutina as contas públicas portuguesas inclui nos riscos para 2021 "o elevado grau de incerteza que subsiste sobre a magnitude, abrangência e duração da situação pandémica", que pode levar a um impacto orçamental superior de eventuais medidas de política a adotar.

Na receita, "a previsão de impostos e contribuições sociais aponta para uma evolução destas variáveis orçamentais mais elevada do que a prevista para as suas próprias bases macroeconómicas", o que "implica a verificação de elasticidades superiores à unidade, para as quais o relatório da POE/2021 não apresenta justificação", tendo impacto no IRC, IVA e contribuições sociais, segundo o CFP.

A proposta de OE2021 do Governo encerra também, no entender do CFP, "o risco decorrente da ativação das garantias do Estado concedidas no âmbito de algumas das medidas de resposta à crise pandémica, nomeadamente linhas de crédito a empresas".

O organismo aponta ainda como potencial "o risco resultante das moratórias de crédito concedidas pelos bancos aos agentes económicos, pois a eventual incapacidade de solvência dos compromissos por parte desses agentes poderá implicar perdas para o sistema financeiro Português e obrigar à intervenção do Estado através de apoios financeiros".

O CFP refere também que a proposta inclui, na despesa, "uma poupança global de 135 ME face a 2020 a obter no âmbito do exercício de revisão de despesa", continuando a "não existir evidência sobre os ganhos de eficiência decorrentes desse exercício nos últimos anos".

Outro alerta diz respeito às parcerias público-privadas (PPP), dado que apesar de ter sido adotado um regime excecional para esses contratos no âmbito da pandemia de covid-19, a situação pandémica "tem vindo a ser sinalizada pelos parceiros privados como eventual fundamento do direito a compensações ou à reposição do equilíbrio financeiro, 'sendo expetável que venham a ser submetidos pedidos nesse sentido'", tal como referido no relatório do Governo.

"O facto de uma parte significativa da despesa prevista para 2021 depender de financiamento comunitário que ainda não está formalmente aprovado pelas instituições europeias" também é apontado pelo Conselho das Finanças Públicas como um risco orçamental para 2021.

CFP deixa várias críticas à "clareza" e "transparência" do documento

A análise da coerência das previsões orçamentais encontra-se dificultada pela ausência de uma quantificação clara, objetiva e desagregada do efetivo impacto orçamental das medidas de resposta à crise pandémica consideradas pelo MF [Ministério das Finanças] na estimativa para 2020 e na previsão orçamental para 2021", pode ler-se também na Análise à Proposta de OE2021.

O Conselho das Finanças Públicas aponta que a informação prestada pelo Ministério das Finanças em termos de componentes dos agregados orçamentais é "incompleta".

"Este exercício encontra-se igualmente prejudicado pela inexistência de uma distribuição dos impactos orçamentais, por componentes da receita e da despesa, das medidas de resposta à crise pandémica adotadas em 2020", denota o CFP.

De resto, o organismo independente de escrutínio das contas públicas elaborou, no documento hoje divulgado, uma caixa relativa à "insuficiência de informação sobre o impacto orçamental previsto com as medidas de resposta à covid-19".

Para 2020, no relatório do OE2021 "é assinalado que o impacto estimado das medidas covid-19 no saldo foi negativo em 5.327 ME (-2,7% do PIB), não se quantificando a repartição desse impacto na receita e na despesa", observa o CFP.

No entanto, "utilizando a informação constante no Gráfico 3.1 do mesmo relatório (p. 59) constata-se que as 'despesas covid-19' equivalem a 1,7.p.p. do PIB, ou seja, um montante entre 3.271 ME e 3.450 ME, dependendo do arredondamento por excesso ou por defeito que se utilize para essa casa decimal".

"Comparando com o valor de 4.655 ME que se obtém através da diferença entre a 'despesa total' estimada para 2020 e a “despesa sem medidas relacionadas com covid-19' (ambas também incluídas no Quadro 3.1 do relatório), apura-se uma diferença (entre o valor obtido no Quadro 3.1 e o calculado no Gráfico 2.2) de 1.205 ME a 1.384 ME", segundo o CFP, sendo a mesma divergência refletida nos cálculos da receita.

Para o organismo, "essa incoerência dificulta a identificação e quantificação de “outros efeitos”, não permitindo uma avaliação sobre a coerência e consistência da previsão orçamental acima referida".

Já para 2021, "é possível quantificar que a previsão de impacto das Medidas covid-19 no montante de 3.561 ME não se mostra coerente com as medidas de política explicitadas no relatório", sendo que "utilizando a informação relativa ao impacto na despesa das novas medidas proposta para 2021 (3.105 ME), ficam por explicar cerca de 456 ME".

No documento hoje divulgado, o CFP aponta ainda que no relatório, "a existência de efeitos não identificados e não explicitados penaliza a transparência orçamental quanto à aferição da capacidade para alcançar a evolução prevista para o saldo orçamental em 2021".

Segundo o CFP, há "outros efeitos" que justificam "o impacto positivo mais significativo (3.606 ME) para a redução do défice em 2021", que "traduzem a reversão de parte das medidas de resposta à crise pandémica adotadas em 2020, bem como outros impactos que refletem, entre outros, os efeitos de segunda ordem induzidos pelas novas medidas de política via interação com as variáveis macroeconómicas" e ainda variáveis que excedem a "evolução do seu indexante macroeconómico e das medidas explicitadas".

"Conceptualmente dever-se-ia apresentar uma subdivisão desta coluna entre a anulação das medidas de resposta à COVID-19 descontinuadas no final de 2020 e os restantes outros efeitos, o que é impossibilitado pela falta de informação", nota o CFP.

No mesmo documento, numa referência ao Quadro Plurianual das Despesas Públicas (QPDP), o CFP aponta que "a apresentação de novos limites de despesa não consolidada no QPDP, incluindo a despesa com ativos e passivos financeiros (despesa não efetiva), não beneficia a transparência orçamental".

"Esta situação decorre de uma implementação parcial da LEO [Lei de Enquadramento Orçamental], que mantém ainda muitos dos processos que resultam do enquadramento contabilístico anterior, ainda que com adaptações, conjuntamente com inovações que pressupunham a reforma dos instrumentos de gestão financeira pública", considera o organismo presidido por Nazaré da Costa Cabral.

Segundo o CFP, o relatório do OE2021 apresentado pelo Governo "não demonstra a compatibilidade do limite vinculativo para 2021 com o saldo orçamental previsto", tornando-se "ainda mais relevante que próxima atualização do QPDP demonstre de forma mais explícita e sustentada a ligação com os objetivos orçamentais subjacentes à trajetória de médio prazo das finanças públicas".

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