Em entrevista à agência Lusa, Nazaré da Costa Cabral recorda o comportamento favorável da economia portuguesa no primeiro trimestre do ano, com um crescimento de 1,6% em cadeia, admitindo que o Conselho das Finanças Públicas (CFP) está a fazer a revisão do seu cenário macroeconómico para a totalidade do ano.
No entanto, considera que no segundo e terceiro trimestres haverá uma desaceleração da taxa de variação em cadeia para cerca da metade do valor verificado no início do ano.
Ainda assim, acredita que “a menos que o último trimestre do ano seja muito negativo”, a taxa de crescimento deste ano “se aproximará dos 3%”, o que a concretizar-se se situa bastante acima dos 1,2% previstos pelo CFP em março e dos 1,8% previstos pelo Governo no Programa de Estabilidade, entregue em abril.
“Temos tido um crescimento muito grande dos números do turismo nesta primeira metade do ano"
A justificar o desempenho acima das expectativas elenca três fatores: as exportações, sobretudo de serviços, o investimento e o consumo privado.
“Temos tido um crescimento muito grande dos números do turismo nesta primeira metade do ano. É de esperar que agora, pelo menos na altura do verão, isso se mantenha”, aponta, acrescentando que no investimento também se verifica essa aceleração.
Segundo a presidente do CFP, apesar de alguma desaceleração do consumo privado, não é tão intensa quanto se previa, já que por um lado “ainda se nota a capacidade de as famílias usarem uma parte das poupanças que obtiveram, nomeadamente durante a pandemia” e por outro lado, os apoios do Governo para mitigar o impacto da inflação, nomeadamente os apoios que “foram concedidos aos rendimentos na área dos salários e depois também ao nível das pensões”, tiveram efeito numa camada com “uma elevada prevenção marginal de consumir”.
“Também é importante dizer que o próprio turismo ou os turistas também dão um contributo não apenas para as exportações, mas induzem também consumo privado”, acrescenta.
Para o próximo ano, considera que “as incógnitas são muitas”.
“O último trimestre do ano é um trimestre problemático", justificando com a incerteza sobre a situação internacional, nomeadamente a dos parceiros europeus de Portugal e dos quais mais depende.
“Aquilo que seja o desempenho da economia portuguesa no próximo ano estará muito dependente também dessa evolução”, explica.
A influenciar o crescimento económico de 2024 estará também “o investimento, nomeadamente o investimento público, induzido pela continuação da aplicação das verbas do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”, prevê.
Além das perspetivas para o curto prazo, Nazaré da Costa Cabral olha para o modelo de crescimento económico, que, defende, deverá passar pela aposta em setores de valor acrescentado.
“Creio que é muito importante que a economia portuguesa se diversifique mais e melhor para certos elementos de produção que permitam de facto acrescentar mais valor”, disse.
Embora admita que o turismo tem “uma importância grande para a economia portuguesa” – “aliás, é um setor que emprega muita gente e tem de facto um papel importante, quer do ponto de vista económico, quer também do ponto de vista social -, assinala que “não é o setor que garante uma produção de maior valor acrescentado”.
A "europeização" das cadeias de abastecimento
“Verificamos que neste momento, em virtude primeiro da pandemia e depois com a guerra na Ucrânia, está a haver uma grande reconfiguração das relações económicas e das relações comerciais internacionais”, observa.
Esta nova tendência passa, diz, pelo “encurtamento das próprias cadeias de abastecimento globais” e “no caso da Europa, para uma certa europeização dessas cadeias”.
“Isso significa que nós temos de ter a preocupação - nós Portugal - de estarmos bem enquadrados e de sermos capazes de nos inserir adequadamente nessas mesmas cadeias de abastecimento. Ou seja, não podemos perder a oportunidade de estarmos naquelas que de facto vão garantir esse crescimento e o tal valor acrescentado para o futuro”, argumenta.
Para Nazaré da Costa Cabral essas áreas são, sobretudo, a energia, comunicações e a defesa, que com a guerra assumem para a Europa “uma nova importância estratégica” e podem formar “complementaridades entre si na promoção daquilo que são os grandes objetivos de inovação tecnológica e também de transição ambiental”.
"Andamos sempre a navegar o caminho à vista e com uma visão menos estratégica e menos de médio prazo”
Na entrevista, Nazaré da Costa Cabral critica o modelo de orçamentação, acredita que a proposta orçamental para 2024 será centrada na execução do PRR e defende prudência orçamental.
A presidente do CPF considera que se o Programa de Estabilidade, entregue pelo Governo em abril, integrasse medidas de política para o próximo ano e seguintes, atualmente já seriam conhecidas quais as prioridades para o Orçamento do Estado para 2024 (OE2024).
“Continuamos a apostar nessa metodologia de orçamentação de olhar com o tal viés de curto prazo, que é um viés que também não serve o país, como está à vista. Andamos sempre a navegar o caminho à vista e, de facto, com uma visão menos estratégica e menos de médio prazo”, disse.
A presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP) crê, com base nos desenvolvimentos orçamentais, que o foco no próximo ano será a execução dos fundos europeus, até porque o fim do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) “estará para breve” e “o ano de 2024 será um ano crítico desse ponto de vista”.
“Aquilo que me parece é que o OE2024 vai continuar a centrar-se muito na execução do PRR e a apostar na despesa de investimento induzida pelo PRR”, disse.
Por outro lado, aconselha prudência orçamental, mesmo que se confirme um crescimento acima do esperado este ano.
“Creio que a orientação da política orçamental deverá tendencialmente ser uma orientação contracíclica. Ou seja, devemos ter aqui alguma prudência orçamental na gestão das contas públicas, até porque o que neste momento nos preocupa é a questão da inflação”, afirma.
Recorda ainda que existe um impulso económico induzido pelo próprio PRR, que depois não tem impacto orçamental nem na orientação da política orçamental.
“Temos de continuar a olhar para a despesa com cuidado e temos de aguardar, porque vêm aí mudanças do ponto de vista das regras orçamentais, que provavelmente já vão entrar em vigor em 2024”, disse.
Nazaré da Costa Cabral recorda ainda que o Programa de Estabilidade apontava para ser executada uma verba do PRR de cerca de 3.900 milhões de euros, mas até maio houve “uma execução [na base de caixa] na ordem de 418 milhões de euros”.
Neste sentido, considera que a meta se torna “difícil de alcançar”, e alerta para que mais, importante do que os progressos de execução, é se o PRR vai ser executado “em áreas que interessam ao país”.
Assinala ainda a importância de debater o impacto da inflação na execução do PRR, “quer em termos de lançamento de concursos, para investimentos que é necessário fazer, quer depois em termos da justificação e depois da execução desses mesmos contratos”.
No entanto, destaca que se fala na reprogramação, mas não há “indicação da parte do Governo de quais são as medidas que eventualmente poderão estar a ser previstas” para garantir que “efetivamente estas verbas sejam aproveitadas e usadas pelo Governo”.
"Não dou por garantido o controlo já da inflação"
Sobre se a inflação, revela dúvidas sobre se já está controlada, acreditando que subsistem desafios, e apesar de considerar que o investimento tem sido sacrificado, defende que deve existir reflexão sobre a priorização da despesa.
“Creio que existem desafios, não dou por garantido o controlo já da inflação. Há vários fatores que podem levar a que a situação volte a agonizar-se e não é certo que a inflação esteja já controlada”, disse Nazaré da Costa Cabral.
A responsável do Conselho das Finanças Públicas (CFP) acredita que o controlo da inflação é o grande desafio macroeconómico.
“Sabemos que a inflação é sempre um mal do ponto de vista económico que acarreta as perdas, nomeadamente para as franjas da população que têm rendimentos mais baixos e, portanto, é evidente que essa tónica tem que estar sempre presente”, salienta.
Nazaré da Costa Cabral admite que “há aqueles que perdem mais e aqueles que perdem menos, nomeadamente todos aqueles que têm rendimentos regulares e que porventura não vejam esses rendimentos atualizados em conformidade com a inflação”, mas “também há quem acabe por ter algum ganho, nem que seja momentâneo”.
“Aliás, o próprio Estado terá sido, porventura, no ano passado, o grande ganhador com a inflação pelas consequências que isso teve na própria cobrança da receita fiscal”, considera.
Questionada sobre o investimento público em áreas como saúde e educação, a presidente do CFP sublinha que “os ganhos em termos de consolidação orçamental nos últimos anos também se deveram a opções que levaram a que o investimento acabasse por ser sacrificado”.
“Muitas vezes” o investimento executado fica abaixo do previsto no Orçamento, aponta, dando nota de “isso gera problemas em vários setores, não só por força da despesa de capital, mas também por outro tipo de despesa que muitos entendem que deveria ser reforçada, e esses setores sofrem os efeitos desse mesmo desinvestimento”.
“E vemos as conflitualidades, as tensões sociais que existem hoje em dia, e isso parece-me inegável”, disse.
Por outro lado, alerta para que “há algo” que também tem de “ser pensado, não basta só aumentar a despesa”.
“Vemos que a área da saúde nos últimos anos tem assistido a um grande crescimento da despesa. Neste momento, já ocupa cerca de 13% da despesa total do Estado. É uma fatia já muito significativa”, realça, antes de salientar que “nem por isso se tem traduzido uma melhoria na prestação do serviço público”.
Para a presidente do CFP, “não basta pensar que distribuindo mais verbas, alocando mais despesas e aumentando a despesa, isso por si só acarreta a melhoria do serviço público”.
“Não temos instrumentos que sejam capazes de uma adequada priorização da despesa, onde é que o Estado deve estar, onde é que porventura não deve estar ou deve estar menos”, alertou.
Segundo Nazaré da Costa Cabral, “faz-se um exercício que só na teoria pode ser chamado de revisão da despesa pública, que não é um verdadeiro exercício de revisão da despesa pública, e isso tem gerado, além das tais ineficiências, redundâncias, gastos supérfluos, duplicação de estruturas da administração pública, e que aliás tendem a crescer e a multiplicar-se”.
“Estamos num processo de descentralização de áreas, por exemplo, saúde, educação, ação social. Essa descentralização deveria significar poupança de estruturas, poupança até de recursos. A proximidade supostamente deve gerar eficiência, e aquilo que nós estamos a ver é que não estamos a ter esse efeito de poupança, antes pelo contrário”, adverte.
Em detrimento do desejado, “as estruturas da administração central mantêm-se e ao mesmo tempo” criam-se “estruturas da administração local”.
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