Apesar de a atual crise de saúde atingir todos os países de igual forma, quando for tempo de ajudar à recuperação económica, nem todos terão as mesmas condições para o fazer em virtude dos níveis de dívida pública que apresentam.

“Isso é verdade”, mas “o único problema que temos foi ter passado a vida e ignorá-lo”, lamenta Vítor Bento, lembrando que “há muito tempo, muita gente alertou para esse facto, que [esse nível de dívida] constituiria uma vulnerabilidade muito grande e que seria sentida em particular numa altura de uma crise imprevisível”.

Ou seja, conclui o economista, “estamos a ser confrontados mais uma vez com a dura realidade face às escolhas que fizemos e que deixam um lastro pesado”.

Os últimos números conhecidos para Portugal mostram que o país terminou 2019 com um excedente orçamental de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB), o primeiro saldo orçamental positivo da democracia, mas registava uma dívida pública equivalente a 117,7% do PIB. A média da zona euro, com dados de 2018, apresentava um défice orçamental de 0,5% do PIB e uma dívida pública de 85,9% do produto.

Para Vítor Bento, estes resultados são uma consequência das opções políticas seguidas.

“Foi feita uma escolha social e sendo social foi uma escolha política de descurar essa componente [da dívida pública]”, lembra o economista, adiantando que hoje “ainda há muita gente que considera que a dívida não é um problema” e que o país se devia “ter endividado mais”.

Ainda assim, Vítor Bento admite que Portugal procurou fazer um ajustamento económico, “embora com uma retórica inapropriada”, o que permitiu “as contas certas”. Mas o economista lembra que dentro desse ajustamento, que levou a um saldo orçamental positivo em 2019, “se calhar não fizemos foi as escolhas devidas”.

“Quando escolhemos reduzir o horário de trabalho na função pública em vez de investir no Serviço Nacional de Saúde ou quando se decidiu aumentar rendimentos em vez de reforçar certas bases”, fizeram-se “escolhas políticas das quais hoje temos que sofrer as suas consequências”.

Apesar destes constrangimentos, no futuro, quando for preciso um esforço de relançamento da economia nacional, Vítor Bento diz que o Estado terá de atuar.

“Quando passarmos à segunda fase, o Estado provavelmente vai ter que entrar também enquanto agente da procura dentro daquilo que é um programa tradicional keynesiano”, sublinha o economista, adiantando que esse esforço público poderá e acabará por ser feito por via do investimento.

Vítor Bento deixa mesmo uma sugestão: “pode aproveitar-se para fazer certos reequipamentos que até aqui, por razões de constrangimento orçamental foram adiados e nalguns casos chegaram, digamos assim, a consumir o osso do sistema. E pode aproveitar-se para reequipar e eventualmente poderá ser uma oportunidade para redirecionar a própria indústria nacional para essas necessidades”.

Portugal encontra-se em estado de emergência desde 19 de março devido à pandemia de covid-19, que está associada à morte de 470 pessoas no país, entre quase 16 mil infetados.

A nível global, há a registar mais de 107 mil mortos e 1,7 milhões de pessoas contagiadas, em 193 países e territórios.