Na Bélgica, nota-se que Portugal é um país diferente no trabalho para dirimir a pandemia. "É preciso de facto elogiar a capacidade de Portugal na campanha de vacinação", diz Gonçalo Lobo Xavier, membro português do Comité Económico e Social Europeu (CESE), integrado no Grupo I, que representa os empregadores. "Não há nenhum Estado Membro que tenha o mesmo nível de vacinação que Portugal. Nós estamos aqui [em Bruxelas] com uma certa tranquilidade, com medidas de segurança, com distanciamento, com máscara, todos com o teste — mas, de facto, Portugal deu uma lição ao mundo, mais uma vez mostrando uma resiliência e uma organização que tem sido muito elogiada aqui. Não que isso seja determinante, mas é um sinal muito positivo."

Escreveu-o o único Nobel da literatura portuguesa: "é preciso sair da ilha para ver a ilha". Portugal, ponta longínqua da península, vai sendo essa ilha no meio da covid-19, tal como a capital belga é a ilha europeia no meio das decisões, políticas e polémicas da União Europeia.

O CESE é uma espécie de saída da ilha, a gávea que permite pelo menos olhar um bocadinho de fora para dentro. Esta instituição tem três grupos: um com os representantes dos patrões, outro com as estruturas de representação dos trabalhadores, e outro ainda com organizações e o setor social, bem como outro tipo de profissionais que não se enquadram noutro lado.

Esta estrutura, não política, cujos 329 membros não são remunerados (mas reembolsados pelas deslocações a Bruxelas) está prevista nos tratados europeus e tem como objetivo manter a bolha de Bruxelas a par das prioridades dos cidadãos que, dos Açores a Chipre, não vão à "capital" europeia dizer como as diretivas e regras da Comissão ou do Parlamento lhes afetam a vida. Trata-se de um órgão consultivo para levar realidade e contexto às discussões de quem manda na União Europeia.

Mas, que impacto real têm as discussões do CESE, em Bruxelas, na vida de uma pessoa que, no fim do mês, vai ter menos de 705 euros a cair na conta? "Nós gostávamos de que o impacto fosse maior", admite Carlos Silva, membro do Grupo II e secretário-geral da UGT. "Mas", acrescenta ,"se não houvesse Comité Económico e Social Europeu, se não houvesse Parlamento Europeu e a partir do momento em que, politicamente, Portugal decidiu entrar na Comunidade Económica Europeia, em 1986, estamos naturalmente incutidos de um espírito de mobilização para melhorar as condições portuguesas."

"Lembro-me, quando era da sua idade, quando o Dr. Vítor Constâncio foi ministro das Finanças disse, numa discussão pública, 'dentro de vinte anos atingiremos o patamar médio da União Europeia', ainda CEE. Veja lá, já passaram quase 40 ainda continuamos um bocadinho longe de alguns patamares de aumento salarial — mas se não houvesse este tipo de discussões, a aprovação de pareceres, a discussão de matérias que têm a ver com questões do trabalho digno, o aumento salário mínimo europeu adequado, a matéria da contratação coletiva... Se nós, dirigentes sindicais do Grupo II, não interviéssemos, a vida dos cidadãos era muito mais difícil", afirma Carlos Silva ao SAPO24, no final do primeiro dia de plenário do CESE.

"Agora outra coisa diferente é questionar se muitas das decisões que nós tomamos aqui, que depois são votadas e adotadas pelo Parlamento Europeu e pela Comissão, são sentidas pelos trabalhadores, que por ventura não sabem o nosso trabalho — isso também é um problema de comunicação. Mas já há muitos anos temos também um certo divórcio entre a classe política, entre a classe dirigente, e o povo trabalhador, que quer é ter melhores condições de vida", confessa o sindicalista.

O papel do CESE é levar aos decisores em Bruxelas a vida em cada um dos países nos vários setores representados. Gonçalo Lobo Xavier e Carlos Silva, por exemplo, têm como missão trazer à "capital" europeia as preocupações, respetivamente, dos patrões e dos trabalhadores portugueses, mantendo as suas funções em Portugal, ou seja, mantendo-se sempre dentro da realidade laboral que representam.

Essa realidade, porém, nem sempre é equivalente com as discussões que estão a acontecer na Polónia, na Alemanha ou no Luxemburgo. "As discussões variam muito de Estado Membro para Estado Membro", diz, também em Bruxelas, Gonçalo Lobo Xavier ao SAPO24. "Mesmo a posição dos sindicatos é muito diversa. Tenho uma experiência muito interessante e um bom relacionamento com as estruturas sindicais alemãs, que olham para a luta sindical como algo fundamental, mas também para melhoria da própria empresa e estão muito libertos de qualquer tipo de preconceito ideológico e muitas vezes vejo demasiadas linhas vermelhas na luta sindical a nível nacional, o que muitas vezes é impeditivo de acordos mais saudáveis e que seriam interessantes quer para os sindicatos, quer para as empresas", acrescenta o representante dos patrões.

As mãos que faltam na obra

Quando se fala de falta de mão de obra, em Portugal e um pouco por toda a Europa, afinal de que mãos estamos realmente a falar? Faltam trabalhadores, pessoas para as empresas, ou faltam empresários que ofereçam condições que as pessoas possam aceitar?

Carlos Silva aponta só para a parte final desta questão: "Não, não faltam trabalhadores. Temos trabalhadores qualificados — muitos — que neste momento não se encontram no nosso país. Em todas as áreas da economia, em todas as áreas do conhecimento e dos saberes — é preciso é melhorar os salários, porque hoje todos os jovens sabem o que se passa aqui em Bruxelas e o que se passa nos outros lados, e sabem que há disparidades salariais e de condições de trabalho tremendas. Portanto, um jovem que entra para o mercado de trabalho em Portugal, licenciado em qualquer área do saber, a quem é apresentado o salário mínimo ou um salário pouco acima do mínimo, 700, 750, 800 euros — a chamada geração do salário mínimo — naturalmente não é atrativo", afirma Carlos Silva.

Para Gonçalo Lobo Xavier, aquilo que falta em Portugal não é só mão de obra: "é cabeça de obra". O membro do Grupo I do CESE explica que, na indústria, um dos setores que melhor conhece, "falta mão de obra qualificada — é aquilo que eu chamo cabeça de obra, porque estamos a falar de técnicos especialistas em várias áreas."

"O caso mais paradigmático é o setor industrial mais exportador do país, a metalomecânica, para o qual eu trabalhei, onde faltam das pessoas com características muito específicas, onde se acrescenta valor na produção nacional. Estamos a falar de projetistas, de pessoas para manusear máquinas e equipamentos especiais, para moldes, para peças técnicas, projeto... A área de engenharia inversa, engenharia de produto", afirma Gonçalo ao SAPO24.

A pandemia veio demonstrar que a deslocalização de indústrias para outras geografias, com base na mão de obra barata, foi um erro que a Europa está a pagar caro Gonçalo Lobo Xavier

"Portanto faltam pessoas, que não tem que ser licenciados em engenharia, mas podem também ser técnicos, chefias intermédias, postos intermédios, que são muitíssimo bem pagos na indústria e onde não aparece mão de obra", diz.

"É uma questão crónica, que não é só uma questão portuguesa, é na indústria em geral. E isto são décadas de desinvestimento na indústria: a deslocalização da indústria para outras geografias, nomeadamente para a Ásia, provocou que na Europa deixássemos de produzir muitos produtos", explica, sublinhando que para chegar a esta conclusão "não é preciso ser um profundo conhecedor, isto não é 'rocket science' [engenharia espacial]."

Agora, "a pandemia veio demonstrar que a deslocalização de indústrias para outras geografias, com base na mão de obra barata, foi um erro que a Europa está a pagar caro. Portugal ainda manteve muita da sua indústria — têxtil, da confecção, da metalomecânica, cutelaria e produção de máquinas, tudo isso são indústrias de muito valor acrescentado, onde nós temos empresas muitíssimo boas mas não estamos a conseguir dar resposta porque não temos gente para trabalhar", garante Gonçalo Lobo Xavier.

Frisando que fala como membro do CESE, Gonçalo Lobo Xavier, que é também presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, diz que "o retalho está a levar uma transformação brutal do ponto de vista da digitalização de processos, da mudança de comportamento do consumidor para o online, mudança mesmo da existência de lojas que combinam uma experiência no chamado 'omnichannel' [vários formatos], que é experiência de compras online para depois ir buscar a loja — tudo isto obriga a um conjunto de recursos humanos com outras competências", explica.

Não falta mão de obra qualificada, deixámo-la é sair do país, porque continuamos a ter um setor empregador que paga salários baixosCarlos Silva

"Não basta vender é preciso saber de tecnologia, é preciso saber de digitalização, é preciso saber novos projetos e novas formas de comunicar. E aqui continuamos com um défice de pessoas, um défice de formação. Este 'match' [encontro] entre a procura e a necessidade de pessoas para a indústria, para o retalho, para os serviços, para a transformação digital, para a sustentabilidade ambiental, está a revolucionar o mercado de trabalho e nós não estamos a conseguir acompanhar estas mudanças."

Carlos Silva, contrapõem e insiste que há trabalhadores qualificados em Portugal que estão a sair do país, "que procuram, com a ajuda dos pais, com a ajuda da universidade, com ajuda hoje destes programas internacionais de intercâmbio e mobilidade, algo melhor. Não falta mão de obra qualificada, deixamo-la é sair do país, precisamente, porque continuamos a ter em Portugal um setor empregador que paga salários baixos e enquanto não alterarmos este paradigma dificilmente manteremos uma geração qualificada em Portugal — a geração mais qualificada sempre tem de vir para fora fazer o seu trabalho e tentar ver que o seu trabalho tem rendimentos mais atrativos do que no seu próprio país", contrapõe Carlos Silva.

Mas, em concreto, que carreiras e formação estarão os patrões dispostos a oferecer a quem chega agora ao mercado de trabalho? Sobre a formação, Gonçalo diz que "os próximos anos vão ser muito interessantes desse ponto de vista".

"Vamos ter muitos envelopes financeiros, como o próprio PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], a ajudar as empresas a fazerem o 'upskilling' [aumento das capacidades] e o 'reskilling' [mudança de capacidades] dos atuais colaboradores e dos futuros colaboradores", explica Gonçalo Lobo Xavier. "E nesse sentido não me parece que haja uma desculpa porque vai haver financiamento para a formação".

Nas engenharias e no design para a indústria, Gonçalo encontra "carreiras interessantes e bem pagas" com "muitas oportunidades", mesmo para áreas intermédias. "Uma pessoa que esteja no fim do décimo segundo ano e queira fazer uma carreira no mercado de trabalho de base industrial com um salário de entrada é bastante atrativo e com perspetiva de carreira internacional, claramente esta área da engenharia e da indústria da produção e manufatura industrial, onde há várias várias profissões, vários trabalhos a desenvolver", afirma Gonçalo Lobo Xavier.

"E, depois, tudo o que diga respeito ao digital — e no digital não me estou a referir a fazer sites, a transformação digital não é isso, não é só vender online: a transformação digital é tudo porque há o desafio do 'paperless' [sem papel] o desafio de desenvolvermos aplicações que vão melhorar a qualidade de vida das pessoas e das pessoas mais velhas, melhorar a experiência de compra, melhorar o contacto das pessoas com instituições públicas — tudo isso são pontos de desenvolvimento muito interessantes", diz Gonçalo Lobo Xavier.

"Acho que estamos a viver um momento absolutamente essencial e crítico onde os jovens têm de facto oportunidades num novo mundo e em novas profissões profissões que não existem e não existiam seguramente há 20 anos e que existem agora e estão a reinventar-se. Acho que é aqui uma grande uma grande oportunidade", defende Gonçalo Lobo Xavier.

O salário médio em Portugal continua a ser baixo e isso é muitas vezes impeditivo de reter os talentos Gonçalo Lobo Xavier

"Não estou a dizer que não haja espaço para as ciências sociais, pelo contrário, a combinação nas empresas com alguma dimensão de pessoas com muita experiência tecnológica e muito conhecimento técnico e a combinação de pessoas na área de História, Filosofia, Psicologia é de facto um ativo que está a ser muito muito procurado e que é determinante", acrescenta Gonçalo Lobo Xavier.

Esta procura das empresas, no entanto, esbarra numa constatação: Portugal nunca teve tantos jovens no ensino superior. Isto leva à questão: o que está a acontecer aos diplomados das universidades e politécnicos portugueses? Gonçalo acredita que a resposta está na "combinação de várias coisas". A primeira é que "estão a sair de Portugal" jovens acabados de formar. Depois, "a pandemia veio trazer uma retração enorme no investimento por parte das empresas na contratação — as empresas viram-se na obrigação de hesitar", explica. Por fim, "o salário médio em Portugal continua a ser baixo. Não estou a falar de salário mínimo, estou a falar do salário médio e de facto isso é muitas vezes impeditivo de reter os talentos", defende.

"A questão monetária é importante. Hoje, nas entrevistas para recrutamento, vemos que os jovens têm noção das suas capacidades mas também têm muitas exigências — que é perfeitamente legítimo: querem saber quantos dias vão poder trabalhar em casa, se há a capacidade de viajar e disponibilidade da empresa para este tipo de soluções híbridas; se lhes permitido e incentivado ter outras atividades paralelas para poder ter o seu equilíbrio mental."

As empresas têm de se renovar, têm de ter gente nova, que deve ser incorporada e acarinhada, mas tem de ser dada a oportunidade a estas pessoas para entrarem no jogo Gonçalo Lobo Xavier

Esta maior exigência dos candidatos acaba por ser também "um desafio muito interessante", diz ainda Gonçalo Lobo Xavier, acrescentando que "a forma de recrutamento não tem nada a ver com o que se fazia há cinco anos".

Questionado se os patrões portugueses têm disponibilidade e mente aberta para acolher a nova realidade, o membro do CESE diz que "os empresários que não tiverem esta mente aberta não vão conseguir evoluir e portanto só lhes resta ter a mente aberta para acolher gente nova. Aliás houve agora muito recentemente o estudo desenvolvido pelo professor Fernando Alexandre, da Universidade do Minho, para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, que diz exatamente isso: as empresas têm de se renovar, têm de ter gente nova, que deve ser incorporada e deve ser acarinhada, mas tem de ser dada a oportunidade a estas pessoas para entrarem no jogo."

Provámos que o aumento do salário mínimo é também aumentar o rendimento das famílias, aumentar o consumo e até é um motor da economia Ana Mendes Godinho

As mãos pagas pelo mínimo

É possível, no século XXI, viver num país europeu com 705 euros por mês? Foi esta a questão que o SAPO24 fez à ministra do Trabalho, que visitou Bruxelas durante o encontro do CESE. Ana Mendes Godinho apontou antes para o crescimento do valor nos últimos anos, defendendo que é preciso ser “equilibrado” no aumento do salário mínimo nacional.

“Fizemos um enorme esforço. Mas sim, creio que temos de crescer mais, isso é óbvio”, disse ainda a governante. “Provámos que o aumento do salário mínimo é também aumentar o rendimento das famílias, aumentar o consumo e até é um motor da economia.”

É possível [viver com o salário mínimo] mas vejo com muita, muita dificuldade. É algo que nos faz pensarGonçalo Lobo Xavier

À mesma pergunta, Gonçalo Lobo Xavier responde: "Tenho de admitir que penso muitas vezes como é que é possível. Como é que é possível e que perspetivas as pessoas têm. Repare, um agregado familiar com duas pessoas a ganhar o salário mínimo e com um ou dois filhos... É possível mas vejo com muita, muita dificuldade. É algo que nos faz pensar."

"O salário mínimo é de facto baixo, mas tem de estar indexado à produtividade. Por muito que veja com bons olhos o aumento do salário mínimo, é preciso compreender também o lado das empresas que têm de faturar mais para poder manter o nível de performance que as empresas têm de ter para se manterem à tona", diz, sublinhando que viver com o valor mínimo "é um esforço diabólico" e que o aumento do salário mínimo "deve ser valorizado pelos empresários".

"Mas é preciso perceber que os custos das empresas não são só os salários", alerta. "São os impostos, é toda uma miríade de problemas e de uma carga fiscal enorme que pesa. Mas não há outro caminho senão o do aumento do salário mínimo — de preferência aliado a um aumento de produtividade", acrescenta Gonçalo Lobo Xavier.

Questionado se alguma vez será possível a um trabalhador português, em Portugal, receber o mesmo salário que um trabalhador alemão, na Alemanha, a fazer exatamente as mesmas funções, Gonçalo diz ter a esperança de que sim — "assim a economia portuguesa se desenvolva, porque são grandezas incomparáveis. Posso devolver a pergunta: se alguma vez um cidadão português vai pagar o mesmo nível de impostos que o cidadão alemão e ter o mesmo nível de serviço? Acho que tem de estar tudo alinhado, temos de pugnar por aumentar os salários em Portugal, valorizar o trabalhador português e a qualidade do nosso trabalho porque a verdade é esta, os trabalhadores portugueses quando vão para outros países são altamente elogiados são muitíssimo bem remunerados e é por isso que, infelizmente, sai tanta gente de Portugal e não volta."

"Se eu não tivesse essa expectativa, não estaria aqui", responde, por seu lado, Carlos Silva. "Porque o facto de estarmos em instituições europeias permite que pressionemos os governos para a convergência, para a coesão social, política e económica." Admitindo que "é um caminho difícil", o sindicalista diz não saber se vão ser precisos mais 35 anos para "atingir, na sua plenitude, a média da União Europeia".

"Espero que consigamos mais depressa, mas mesmo assim é um caminho longo a percorrer, que tem que ser percorrido, leve o tempo que levar. Acredito que isso um dia possa acontecer — por ventura não será no meu tempo. Por isso é que eu digo: os políticos que hoje governam a União Europeia têm de perceber que há uma geração que agora vai entrar no mercado de trabalho e a geração a seguir, que tem outras expectativas. Muitos serão esses trabalhadores que vão levar prédios e limpar vidros, mas muitos desses jovens serão empresários — e nós temos é perceber que tem de haver uma formação, desde a escola à Academia, para incutir naqueles que têm espírito empreendedor e para aqueles que trabalharão por conta de outrem, que tem que haver aqui uma alteração total paradigma; é por decisão política, mas isto também tem de ser incutido nas discussões que a sociedade obrigatoriamente terá de fazer fazendo, para que Portugal possa fazer esta trajetória — que tem de ser feita — para se aproximar mais da média europeia", defende ainda Carlos Silva.

Então, mas afinal como se põem os patrões a pagar mais às pessoas? Carlos Silva "preferia que fosse através da negociação coletiva e das discussões do diálogo social. Eu sempre ouvi dizer e sou um daqueles que defendem que o diálogo social,, nomeadamente, nos países nórdicos é muito mais fluente e permite que entre empresas e entre sindicatos consigam granjear boas condições de trabalho e boas condições remuneratórias. Veja que, na questão do salário mínimo, há países que têm, como por exemplo o Luxemburgo, um salário mínimo de 2.200 euros. Portugal vai passar agora para os 705 — e a Bulgária tem 300 e qualquer coisa. Portanto, esta disparidade tão grande tem de ser discutida do ponto de vista económico, mas sobretudo do ponto de vista político. Foi isso que, com todo o respeito, fez o governo português, este que agora vai terminar as suas funções, nestes seis anos apostou claramente numa decisão política que, contrariamente àquilo que os empregadores numa forma geral vieram dizer, com aqueles os alertas habituais, com o apoio de organizações internacionais como a OCDE, que dizer 'bem, é perigoso subir o salário mínimo, que isso provoca desemprego, provoca fuga de quadros, vai encerrar as empresas...'", lembra Carlos Silva.

Se estivermos à espera da vontade dos patrões, bem podemos esperar sentados Carlos Silva

"Fugiram os quadros mas foi pelos baixos salários. Tem mesmo de ser uma decisão política e a decisão política foi tomada pelo governo, é evidente que de uma forma gradual, que tem de ter alguns alertas à sua volta e eu sou o secretário geral da UGT, que tem um papel preponderante na Concertação Social, porque é a única central sindical que faz acordos e só faz acordos se eles forem bons para os trabalhadores, não pode haver um acordo que seja só bom para uma parte: qualquer acordo tem de ser um conjunto de boas boas vontades que sirva a todos".

Para isso, mais do que acordos em Concertação Social, Carlos Silva diz ser necessário ter "política salarial", que "tem de vir através do salário mínimo nacional". A proposta da UGT, "dentro desta gradualidade" que marca a subida do salário mínimo em Portugal desde 2015, prevê "atingir em 2028 os 1.000 euros de salário mínimo". O líder da UGT reconhece que também os outros países vão subindo os seus salários mínimos, defendendo, por isso, uma subida mais em Portugal, que, "para chegar a essa média, ainda temos muito que andar".

Ainda assim, com esta trajetória, "é evidente que deixamos a cauda da Europa", afirma. "E isso naturalmente tem trazido preocupações aos empregadores, claro que tem. Mas há quem tenha proposto 850 euros já a dois anos — e para nós isso não é viável, é uma utopia que destruiria empresas e destruindo empresas destrói postos de trabalho, destrói empregos e destrói as expectativas de muitos milhares de pessoas", diz Carlos Silva.

Afinal, defende, a negociação coletiva "tem estado bloqueada" — "pela austeridade, quando a Comissão Europeia, o FMI e o BCE bloquearam a negociação coletiva". "Se estivermos à espera da vontade dos patrões, bem podemos esperar sentados", afirma ainda.

Com o salário mínimo a subir, o valor médio pago aos trabalhadores em Portugal fica mais perto do mínimo legalmente possível. "Em Portugal, ninguém recebe salários médios, porque o salário médio é apenas uma estatística, é uma referência e nós não estamos preocupados que o salário mínimo fique perto do médio", afirma ainda Carlos Silva.

Reduzir as coisas a 'tiveram muitos lucros e continuam a pagar esses salários', parece-me muito redutor Gonçalo Lobo Xavier

Já Gonçalo Lobo Xavier lembra que hoje "os negócios são todos baseados na eficiência na maior eficiência possível, na logística, em comprar bem — matérias primas e equipamentos —, em ter rácios financeiros equilibrados; uma empresa que não está assente em dívida está melhor preparada para estes choques — e há muito boas empresas assim".

Todavia, "para uma empresa que estiver muito alavancada e muito suportada em dívida financeira tem mais dificuldade em se adaptar", acrescenta.

Questionado sobre, no caso do retalho, os lucros elevados que não se convertem em aumentos salariais, Gonçalo Lobo Xavier — que sublinha falar como membro do CESE — contrapõe que "o negócio da distribuição alimentar é um negócio de eficiência e de volume" que emprega "90 mil pessoas no retalho alimentar, nos tais grandes supermercados como refere".

"Mas, no entanto, são estes mesmos supermercados que investem, que pegam nos lucros e investem; investem para manter as suas equipas, para dar formação, para reter talento. Reduzir este setor aos salários baixos é profundamente injusto", defende.

"Agora, é preciso gerir as expectativas das pessoas, a sua vontade de melhoria, de terem melhores capacidades e mais formação e o equilíbrio entre a competitividade e o desempenho das empresas. Reduzir as coisas a 'tiveram muitos lucros e continuam a pagar esses salários', parece-me muito redutor".

As mãos que vêm de fora

A questão do trabalho na Europa, porém, depara-se com uma antítese: se, por um lado, as empresas queixam-se da falta de mão de obra, numa altura em que a população do continente — mas sobretudo em países como Portugal, que perdeu 217.376 pessoas nos últimos dez anos — está cada vez mais envelhecida; por outro, todos os dias, há milhares de pessoas barradas nas fronteiras europeias, em fuga de conflitos armados ou da pobreza extrema nos continentes africano e asiático.

Num país a braços com a escassez de mão de obra para determinadas áreas técnicas, uma das soluções é precisamente a imigração Gonçalo Lobo Xavier

"Sem querer entrar em falsos moralismos ou procurar ser politicamente correto, acho que é preciso fazer uma análise crua e dura do estado do mercado laboral em Portugal: nós temos falta de pessoas em muitas áreas específicas, é um fenómeno que existe em Portugal como existe noutros sítios e noutros Estados-Membros. Temos falta de técnicos qualificados para certas áreas profissionais que os portugueses não querem e, portanto, num país que está a braços com a escassez de mão de obra para determinadas áreas técnicas, uma das soluções é precisamente a imigração", defende Gonçalo Lobo Xavier.

Gonçalo explica que os patrões têm defendido "mecanismos que sejam equilibrados. Por um lado, ninguém aqui quer medidas protecionistas na Europa, mas também não podemos ser 'naifs' [ingénuos] e tem de haver um equilíbrio entre realmente as necessidades de recrutamento que podem ser suprimidas com uma imigração organizada, transparente, e que seja ágil — há muitas áreas de trabalho, nos vários setores onde tenho de trabalhado, onde a presença de estrangeiros é fundamental para o funcionamento das empresas; há zonas de empresas que têm só os estrangeiros a trabalhar", diz.

Carlos Silva diz que também "a UGT vê com bons olhos a abertura das nossas fronteiras a outros cidadãos. Já agora, de acordo com as estatísticas, com o envelhecimento da população portuguesa, com a baixa natalidade, com a desertificação do Interior nós em 2050 ou 2060 seremos cerca de sete milhões e meio de habitantes se não houver uma alteração estrutural do país. Ora isso também também se consegue com a imigração".

"Quem quer lucrar, quem investe o seu dinheiro quer vê-lo rentabilizado rapidamente; portanto, o empresário que investe, que cria postos de trabalho, cria riqueza, ajuda ao crescimento e desenvolvimento da economia nacional, naturalmente precisa de trabalhadores com capacidade e com qualificações. Portanto tem de lhes pagar bem", defende Carlos Silva. "Mas a verdade é que estamos num momento em que não pagam bem, como nosso país é um país de baixos salários, como se diz em Portugal, 'enquanto o pau vai e vem, folgam as costas', portanto, enquanto não se altera o paradigma, precisamos de mão de obra", diz.

O país não pode fechar a porta à mão de obra imigrante — mas que tenha trabalho digno, salários decentes e que seja tratada em condições Carlos Silva

"Relembro que nos anos 1940, 50 e 60, centenas milhares de portugueses fugiram para a Europa para encontrar suas condições de vida, não era só a fugir do fascismo era fugir da pobreza e da falta de expectativas de futuro. Hoje, estamos num momento em que há empresários a defender uma maior abertura na entrada de cidadãos, venham do Brasil ou de África, ou seja, da CPLP ou não, acho que é importante que isso possa acontecer porque se enriquece a economia e ajudamos a resolver alguns problemas em simultâneo", acrescenta. Afinal, mesmo se na Europa já não se viva "o tempo radioso e não há 'amanhãs que cantam', é um lugar onde podemos encontrar algum futuro."

"Temos de ter mecanismos, legislação que seja transparente, ágil, que permita a legalização de estrangeiros a trabalhar em Portugal para áreas que são fundamentais. E isto tem de ser falado de forma clara e transparente, sem nenhum preconceito ideológico — porque existe muito preconceito ideológico nesta matéria — e sem medo, sem rodeios", acrescenta Gonçalo Lobo Xavier.

"A imigração transparente, equilibrada, justa e legal é importante para o mercado de trabalho, é importante para a sustentabilidade da Segurança Social e para a sustentabilidade do próprio país do ponto de vista da demografia e tem consequências muito positivas", diz ainda, sublinhando a necessidade de "um mecanismo de articulação entre o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Segurança Social, o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e as próprias empresas."

"O país não pode fechar a porta à possibilidade de recrutar a mão de obra imigrante — mas atenção: que tenha trabalho decente, tenha trabalho digno, salários decentes e que seja tratada em condições, não queremos ver outra vez aquilo aconteceu em Odemira, onde se foram descobrir contentores com mão de obra na agricultura em condições sub-humanas. Isso é inaceitável", defende Carlos Silva.

Afinal, um emprego é muito mais do que ir trabalhar e só garantindo condições dignas ao trabalhador se pode exigir dele o máximo. É Gonçalo Lobo Xavier, o representante dos patrões, quem explica que "para uma pessoa ser resiliente tem de estar em perfeitas condições de saúde física e mental, tem de estar satisfeita com o que está a fazer, tem de se sentir bem remunerada — portanto, a resiliência só existe se houver uma série de itens à volta do próprio trabalho, não é algo que se possa dizer 'tome lá cinco euros de resiliência e vá trabalhar'. Isso não existe".

*O SAPO24 viajou para Bruxelas a convite do Comité Económico e Social Europeu.