Dedicada a documentar “a experiência da imigração” de portugueses para os Estados Unidos, a responsável da biblioteca e arquivo lusoamericana Ferreira Mendes, da Universidade de Massachusetts em Dartmouth, Sónia Pacheco, diz à Lusa que “o tipo de trabalho que atrai uma pessoa radicada já mudou”.
“Os portugueses, hoje em dia, não vêm atrás de qualquer trabalho. Quem imigra para os Estados Unidos (…) já vem com oferta de trabalho ou vem à procura de oportunidades, mas para uma área muito específica”, pelo que os portugueses estão agora a fixar-se em outros estados que tradicionalmente não recebiam tantos luso-americanos.
A arquivista e bibliotecária destaca que “antigamente as pessoas vinham para onde tinham familiares ou conhecidos, porque queriam manter aquela ligação com a comunidade portuguesa, mas também porque seria mais fácil arranjar trabalho onde há pessoas conhecidas”.
“Por bem ou por mal, já não se arranja trabalho dessa maneira”, acrescenta Sónia Pacheco, sublinhando que a imigração para os Estados Unidos agora é um “movimento muito intencional”, definido e “pró-ativo”, que só se decide quando se tem informação concreta do que se vai fazer.
Agora, os especialistas em engenharias podem ver-se mais atraídos a ir para o Texas, por exemplo, rico em petróleo, e onde “Elon Musk mudou tudo relacionado com a produção de carros”, aponta Sónia Pacheco.
Nascida na ilha da Terceira, Açores, Sónia Pacheco viveu no Canadá desde os 09 anos, em Oakville, onde a família materna estava radicada.
Fez estudos em Toronto e foi bibliotecária e arquivista em bibliotecas públicas canadianas, como a Biblioteca Pública de Toronto e a de Hamilton, antes de se tornar arquivista e bibliotecária do Ferreira Mendes Portuguese American Archives, na Universidade UMass Dartmouth, um cargo que mantém há mais de 12 anos.
Também historiadora, Sónia Pacheco afirma à Lusa que há bastantes diferenças com o passado no que respeita à imigração portuguesa para os Estados Unidos.
Podem servir de explicação a complicada política dos Estados Unidos, a lentidão da autorização para trabalhar no país, um processo de cidadania mais difícil do que anteriormente e novas oportunidades dentro da União Europeia e outras partes do mundo.
No fim do século XIX e início do século XX, a imigração portuguesa nos Estados Unidos era associada com o trabalho nas pescas e caça de baleias, nas áreas costeiras, e com a revolução industrial, principalmente no setor dos têxteis, mas teve um fim abrupto por força de uma lei norte-americana de 1924, que limitava o número de imigrantes admitidos.
A violenta erupção vulcânica dos Capelinhos, no Faial, Açores em 1957, provocou o início de uma nova onda de imigração portuguesa para os EUA, que terá levado centenas de milhares de pessoas a recomeçar vidas nos Estados Unidos entre 1960 e 1980, incentivados pela legislação norte-americana para refugiados açorianos, “Azorean Refugee Act”, e novas regras que beneficiavam a reunificação de famílias imigrantes.
“É muito mais fácil, hoje em dia, uma pessoa se radicar para um local onde não tem ninguém conhecido e manter contacto com o que é familiar. Não custa quase nada telefonar para Portugal ou outros estados”, sublinha Sónia Pacheco, acrescentando que as redes sociais também ajudam a manter o contacto com familiares, amigos ou colegas.
“Eu lembro-me de só falar com a minha avó no Canadá uma vez por mês, porque o custo do telefonema era astronómico e era ela que telefonava para nós. Essa realidade já não existe”, recorda.
O arquivo Ferreira Mendes, com o nome do fundador da primeira rádio portuguesa nos EUA Affonso Gil Mendes Ferreira, mantém uma extensa coleção de materiais, documentos, livros, jornais, postais ou fotografias relacionadas com a experiência coletiva e a história da imigração portuguesa nos Estados Unidos.
O arquivo cresce com doações de lusodescendentes, mas também pelo trabalho de Sónia Pacheco que identifica e apela a “uma pessoa ou um negócio ou uma agência ou instituições que tem ligações à comunidade portuguesa”.
Não é toda a comunidade lusófona que o arquivo Ferreira Mendes documenta, já que o material relacionado com as antigas colónias é dirigido para arquivos próprios desses países: “A relação colonial já não existe, eles merecem e a gente develhes a sua própria história”, conclui a historiadora.
Comentários