“Eu quero é vender, se é aqui ou na Expoeste tanto me faz”, diz Sandra Silvestre, há cerca de 11 anos vendedora na mesma praça onde em nova ajudava a mãe, que ali vendeu caldo verde durante meio século.
Mas a indiferença dura pouco e ao mesmo tempo que vai cortando a couve para a sopa lá admite que “já tinha saudades” do mercado no tabuleiro centenário que a pandemia da covid-19 a obrigou a abandonar em março.
Em abril, a câmara transferiu para a Expoeste — Pavilhão de Feiras o mercado que desde o século XV se realiza no centro da cidade e que se transformou num ex-libris turístico da cidade.
Quatro meses depois volta a ouvir-se na Praça da República o barulho da montagem dos toldos, iniciada às 05:00 da manhã, seguida do rebuliço que acompanha a chegada dos vendedores, a descarga dos produtos e a montagem das bancas.
Manda a tradição que toda esta azáfama se conclua até 07:00. Mas hoje, batiam as 09:00 e ainda a praça era vedada com 60 baias metálicas decoradas com imagens de hortícolas, mantendo apenas três entradas, controladas por seguranças que verificam quem entra e asseguram que só o faça depois de desinfetar as mãos.
“Estamos num exercício de adaptação às novas regras”, explica o vereador dos mercados, Pedro Raposo, que desde cedo verifica pormenores, ouve sugestões e avalia como corre o primeiro dia da praça.
O regresso “não foi consensual”, diz o vereador, lembrando que houve abaixo-assinados a defender a praça no seu local de origem e outros a defender a permanência na Expoeste.
Luís e Fernanda Mendes voltaram contrariados ao local que frequentam há mais de 20 anos.
Ele defendeu junto da câmara que a praça se mantivesse “até ao final do ano” na Expoeste, “onde há muito mais condições e as bancas não têm de ser montadas diariamente”.
Ela dispara argumentos: “logo no primeiro dia já estamos a trabalhar à chuva, a falta de estacionamento afasta os clientes e isso do turismo e das saudades é muito bom, mas passa depressa e daqui a uns tempos vai-se ver que o futuro pode não ser tão bom para nós”.
Vencidos, mas não convencidos pela decisão da autarquia, vão sugerindo outros espaços da cidade para juntar este mercado e o do peixe e outras utilizações como “venda de bolos típicos e artesanato” na praça centenária.
Do outro lado do tabuleiro, António Pereira concorda que o regresso “foi pior em termos de qualidade de vida” e que “até a clientela mudou”. Na Expoeste “eram mais donas de casa”, no tabuleiro, “mais restauração”, mas, certo é que “para primeiro dia, ainda por cima com chuva, está a correr bem e há muita gente a querer voltar à praça”.
Florinda Figueiredo, cliente da praça há mais de 40 anos, explica essa vontade pelo “sentimento de liberdade de comprar ao ar livre” e pela “qualidade dos produtos da região”. Mas, estendendo ainda os argumentos a favor da praça no centro da cidade à convicção de que “o comércio local se ressentiu muito nos últimos meses”.
“Já para não falar no valor turístico e nas pessoas, mesmo estrangeiros, que este movimento e colorido atraem”, acrescenta.
Como Lídia e António Nunes, moradores na Suíça, e que há 15 anos passam férias no concelho das Caldas da Rainha, no distrito de Leiria, e compram na praça.
“Enquanto cá estamos vimos à praça quase todos os dias”, dizem, desvalorizando a falta de estacionamento ou os rigores atmosféricos em favor de “um mercado único, com uma vida e uma qualidade” que não encontram noutros locais e que “tem de ser mantido como ex-libris turístico”.
Ou não fosse a praça um dos motivos que os levou a apaixonarem-se pela cidade e a comprar uma casa de férias, à qual voltam todos os anos”.
E não são os únicos, sublinha Lídia, acrescentando que os pais “moram em Lisboa e vêm muitas vezes de autocarro, de propósito, fazer compras a esta praça”.
Até ao final de agosto, vendedores e compradores têm garantido que na praça de sempre há agora que cumprir novas regras de distanciamento e de lotação limitada a 100 pessoas, controlada pelos seguranças através de uma aplicação móvel.
Depois disso, o vereador Pedro Raposo admite “retirar as baias e o tabuleiro voltar a ser completamente aberto, pelo menos de segunda a quinta-feira”. Mas isso “dependerá de como as pessoas se comportarem em termos de respeito das normas relativas à pandemia”.
Hoje, quarta-feira de chuva e com 50 vendedores no tabuleiro, “tudo está a correr bem”. Mas, afirma o vereador, “no sábado, dia de maior movimento e com cerca de uma centena de vendedores é que se vai ver que ajustes serão precisos” para que a praça da fruta não tenha de voltar a sair do centro da cidade.
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