Quando 79% do continente está em situação de seca severa e extrema, e 18 de 60 albufeiras têm disponibilidades inferiores a 40% (a do Sado a mais preocupante, apenas 23,4%), a região do interior alentejano é que mais preocupa, embora o Governo admita que seja possível conciliar o abastecimento público com a utilização agrícola até ao fim da campanha, “por volta de 15 de setembro”.
“Agora com a cultura do tomate e do melão a terminar vamos ter também uma melhoria, porque vai haver menos consumo agrícola”, disse à lusa o secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins.
Questionado pela Lusa sobre se Portugal não deveria pedir apoio da União Europeia, através dos fundos específicos para desastres naturais, Carlos Martins afiançou que o país não está num estado tão crítico que o justifique, até porque o Ministério da Agricultura antecipou transferências de Bruxelas.
“E do ponto de vista do abastecimento público ainda não estamos numa situação tão crítica ou dramática que nos leve a pedir apoios complementares”, disse o responsável, lembrando que estão a ser feitas novas captações de água, ou que o Governo está atento ao evoluir da situação, ou que criou um Plano de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca (a 19 de julho).
“Manteremos a regularidade das nossas reuniões, a próxima em Évora, porque vamos continuar focados naquelas regiões com problemas mais críticos ao nível do que pode ser o abastecimento público”, mas para já, mesmo no Alentejo, “não antecipamos grandes problemas”, disse à lusa.
João Diniz, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) não está tão otimista. “A cada dia que passa agrava-se a situação. O secretário de Estado está excessivamente otimista”, diz à Lusa, acrescentando: “não é agricultor, não está preocupado, mas devia estar”.
No entender do responsável a situação é excecional e carece de medidas excecionais. João Diniz fala de algumas, fala da necessidade de pedir apoio a Bruxelas, e garante que metade da colheita de cereais de sequeiro está perdida.
“O Governo está comodamente sentado em cima das medidas de rotina e isto já é uma situação excecional, de grande gravidade”. João Diniz alerta para o processo em curso de “desertificação ambiental”, a vegetação a desaparecer, a erosão, a situação crítica dos agricultores.
“Se não chover, setembro será dos piores meses dos últimos 70 anos”, diz, lembrando depois a seca de 2005, quando também foram muitos os meses sem chuva.
Nelson Geada, presidente da Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Água, embora falando à Lusa em local e momento diferente, parece ouvir João Diniz: “Estamos numa situação muito grave e não estamos pela primeira vez. Em 2005 houve uma situação similar a esta e não nos serviu de lição”.
Em 2005, com todo o país em seca severa ou extrema, o Governo classificava a situação como a mais grave dos últimos 60 anos. A sul do Tejo a Associação de Criadores de Ovinos dizia recolher 120 animais mortos por dia, a produção de cereais caiu 60% e a de vinho (no Alentejo) 30%. No sudoeste alentejano a produção de mel perdeu-se quase toda.
Foi o ano de milhares de agricultores em Lisboa contra a falta de medidas de apoio, foram as ajudas de quase 500 milhões para a agricultura, foram os apoios excecionais da União Europeia, foram 100 mil pessoas afetadas (falta de água), foram centenas de toneladas de peixes retirados de barragens (vivos mas também mortos).
“Não nos serviu de lição, não nos precavemos o suficiente”, diz agora Nelson Geada, considerando que a solução passa primeiro pelo entendimento entre todas as entidades que gerem a água. “Porque quando a água falta não é ao ministro, é ao cidadão comum e normalmente o mais pobre”.
E porque a tendência é de agravamento, devido às alterações climáticas, diz o responsável que “não faz sentido que um município com água não a possa repartir porque não existem ligações”. É preciso, e urgente, que o país se comece a “preparar para o futuro”.
E o futuro não passará por pedir água aos céus, como lembrou João Diniz.
Em 1995, quando uma época de seca matou peixes de albufeiras, motivou protestos e medidas urgentes e apoios de milhões de contos, as primeiras chuvas mereceram destaques na imprensa. Em novembro desse ano, em Évora noticiava-se a primeira semana de chuva diária.
Fora preciso esperar sete meses pela chuva. Em abril desse ano, em Selmes, Vidigueira, centenas de pessoas tinham participado numa procissão para pedir a Deus o dom da chuva. Já tinha sido assim nos três anos antes. Nessa altura o Alentejo teve quatro anos de seca.
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