A queda do banco americano Silicon Valley Bank trouxe medos ao mercado, gerou a desconfiança dos investidores e criou a ansiedade da possibilidade de se poder esperar outra crise como a de 2008. O SAPO24 falou com o professor catedrático doutorado em finanças, João Duque, para perceber o cenário que levou a este colapso e o que lhe sucederá.
O reitor do ISEG fala numa "perversão total". É que o SVB comprou ativos seguros para aplicar o excesso de liquidez. "O sítio mais seguro para um banco como aquele colocar o excesso de liquidez é em títulos do tesouro emitidos pelo Estado americano" e foi exatamente isto que o conhecido banco no mundo das startups fez.
João Duque explica a queda com a subida das taxas de juro, por parte do próprio regulador. É que depois de o banco ter criado carteira de ativos que não era proporcional à estrutura de risco dos clientes, a subida das taxas de juro, levou à desvalorização dos ativos assustando o mercado. Desta forma os clientes do banco apressaram-se a levantar os seus depósitos. Assim, "há uma saída de depósitos e eles são obrigados a vender os títulos. Aí têm que assumir perdas, as perdas ao serem assumidas fragilizam ainda mais o banco. O banco precisa de capital e não consegue capital. Entra numa espiral viciosa."
Este caso do SVB acaba por ser muito paradigmático e Paolo Gentiloni, Presidente do Eurogrupo, tentou descansar os europeus dizendo, à entrada de uma reunião com os ministros europeus onde se discutiria o tema, “estamos a monitorizar a situação, em contacto próximo com o Banco Central Europeu, mas nesta altura não vemos nenhum risco real de contágio, directo ou indirecto”.
Também o doutorado em finanças, pela Universidade de Manchester, lembra que "o peso da banca nos Estados Unidos da América não tem, na economia do país, o peso que a banca tem na economia da Europa. Usam mais o mercado de capitais para financiar as empresas, nós usamos mais a banca."
Mas afinal o que devia ter feito este banco que acabou por escolher a opção mais segura? Devia ter aplicado os depósitos em ativos de curto prazo para que não desvalorizassem tanto? "Em primeiro lugar há muito menos oferta de títulos de curto prazo e há menos disponibilidade de obrigações indexadas à inflação, essas não seriam tão penalizadas com a subida das taxas de juro." Então como é que um banco faz a gestão do passivo dos depositantes? João Duque lembra que os bancos têm dificuldades recusar depósitos e que por isso, às vezes, "ficam na mão dos depositantes. A única questão que aqui se pode levantar é à gestão. Isto é, se se vê que há investidores que estão a ficar muito pesados no portfolio de depositantes, então tem que se ter cuidado no tipo de instrumentos onde se vai aplicar esse dinheiro, para fazer face a levantamentos deste setor. Estou a falar de excedentes de liquidez."
Acrescenta que a culpa não pode ser exclusiva da gestão do banco, "essa preocupação devia também ter sido acautelada pelo regulador. O regulador e a supervisão e acompanhamento que faz dos bancos devia levar a este tipo de análise. O regulador diz 'não tenho nada a ver com isto', mas tem também a ver com isto." E desdobra um exemplo para que se perceba o que está em causa "imagine que um banco tem um depositante que vale 80% dos depósitos de um banco. Um absurdo", justifica e continua traçando um cenário que culmina com essa instituição, e os seus depósitos, a abandonarem o banco. "O banco não pode aplicar assim o dinheiro em qualquer lado. Das duas uma ou pega no dinheiro e mete-o no Banco Central, e então não rende nada. Ou manda o investidor embora." O mais seguro, que foi o que o SVB fez, é "investir em títulos e os títulos mais seguros são obrigações do Estado Americano. Mas títulos com cupão fixo com subida das taxas de juro desvalorizam se não forem mantidos até à maturidade, e foi isto que aconteceu. Quando eles são obrigados a vender têm que liquidar ativos e assumir uma perda muito grande. Cavando a disponibilidade de capitais próprios e aumentando a desconfiança de outros clientes. O próprio branco, que depois precisou de uma injecão de capital, não consegue porque ninguém quer pôr lá dinheiro".
Embora não se esteja perante um caso de risco sistémico para a banca, é possível que bancos pequenos caiam. Sendo que nos EUA há 4746 pequenos bancos assegurados, e do outro lado do atlântico vive-se a mesma pressão para a concentração de bancos que há na Europa. O professor deixa um alerta ao quadro português, "eu acho perigoso do ponto de vista nacional a fusão de dois bancos portugueses por serem pequenos à escala europeia". E do ponto de vista da diversificação atira a uma das principais fontes de rendimento nacionais, "se por acaso houver um drama de turismo e tivermos uma perda de 10%, eu não sei o que acontece à banca. O que devíamos fazer era diversificar."
A queda do banco tomou a opinião pública de forma súbita. Nada a fazia prever, tanto que o SVB tinha feito há um mês um tweet congratulatório por fazer parte do ranking de anual de melhores bancos americanos da Forbes, por cinco anos consecutivos. E ainda estar nomeado para pertencer ao 'Financial All-Stars list'. A revista Forbes entretanto já juntou uma nota editorial à lista onde escreve: "Depois da publicação desta lista, a 16 de fevereiro de 2023, o SVB Financial Group’s Silicon Valley Bank colapsou e está controlado pelo FDIC desde 10 de março devido a uma corrida aos levantamentos".
João Duque assegura que é impossível que esta situação não vá "levantar questões à supervisão na própria área de gestão de liquidez. Esta área precisa de ser ainda mais afinada. Porque esta historia é no fundo perceber-se que razões podem em concreto ter levado este banco ao charco." E distingue esta situação do português BPP que "comprou obrigações de empresas que faliam e procurava alta remuneração. Estes queriam segurança."
Continua lembrando a fina teia de testes de esforço e controlo pela qual os bancos estão apertados, "neste momento os bancos são geridos não por aquilo que são, mas por aquilo que potencialmente podem ser. Há uma parafernália de testes a pensar o que pode ser o dia de amanhã. Só que às vezes o dia de amanha sai fora do espectro."
Afasta a ideia de uma falência efetiva do banco, "o banco não vai à falência, porque é muito mais complicado fechar um banco do que geri-lo com uma nova estrutura." Lembrando que Portugal é o único caso de um banco em resolução na Europa, aludindo ao caso do banco mau, BES. Garante que uma falência de um banco "é um drama. Um banco é um portfolio de milhões de contratos. Eles vão governar o banco até ele ser comprado por outro." Aliás como se pode ler mal se entra no site do SVB, um alerta informa o visitante que aquela instituição está aberta, que o dinheiro dos clientes está protegido que estes continuam com acesso aos seus depósitos. Mas que agora se encontram debaixo do controlo do FDIC, o equivalente americano ao fundo de garantia de depósitos.
Quanto a soluções o especialista em finanças teria proposto uma, alertando não saber se do ponto vista legal seria possível, e sem conhecer a estrutura total do problema. O caminho passava por perceber quanto é que o banco tinha de títulos do tesouro, supondo que tinham 10 biliões e que no mercado valiam oito biliões. A solução seria emprestar dinheiro "não comprar, emprestar. Porque se se comprar os títulos por oito biliões o banco tem que assumir uma perda de dois biliões, e teria sido a mesma coisa." Assim o banco mantinha os títulos "como garantia" porque "este empréstimo vai ser amortizado à medida que estes 10 biliões vencem, porque é suposto que o Estado americano vá pagar estes 10 biliões. E à medida que pagar, é amortizado o empréstimo. Se sobrasse algum seria lucro do banco, daqui a sete ou oito anos. E assim tinham ficado com dinheiro." No fim volta a ressalvar "agora estou a dizer isto não conhecendo a estrutura do balanço, que títulos eles tinham e se os capitais próprios aguentavam mais um empréstimo."
Deixa a ideia que para a estabilidade mundial "esta seria a solução sem dramas, digam o que disseram, ontem provocaram um susto colossal no mundo inteiro. Ao tomarem esta potencial solução estariam a evitar que o mundo inteiro tivesse um ataque cardíaco."
O presidente norte-americano, Joe Biden, veio imediatamente tranquilizar o mercado, "pequenas empresas de todo o país que possuem contas nesses bancos podem respirar melhor sabendo que poderão pagar aos seus funcionários e pagar as suas contas", e os contribuintes Biden, "nenhuma perda será suportada pelos contribuintes", garantiu.
João Duque associa estas afirmações à subida das bitcoin, uma vez que muitas empresas deste setor tinham depósitos no banco e assim passou a mensagem à população de que "estariam garantidas" e que portanto seria uma boa altura de investimento.
Mas esta não foi a única consequência atípica no mercado americano, "já começou a histeria de dizer que a FED (Sistema de Reserva Federal) não tem coragem de subir taxas de juro porque já rebentaram um banco". O professor lembra que "num ambiente inflacionista é uma coisa nova. Como é que se vai fazer política monetária contra a inflação tirando o principal instrumento? Agora vamos combater a inflação, mas sem antibiótico porque fizemos uma reação ao antibiótico. Imagino que o FED não vá subir como estava, mas que vá fazer um compasso de espera, adiando a política sem a suspender dizendo que suspendê-la é pôr em risco o combate da inflação."
Tal como aconteceu noutras alturas da vida económica dos EUA há um fator novidade. "Isto vai ser uma coisa nova. É mais uma nova etapa. Estou para ver agora como é que se vão safar desta." João Duque ensaia previsões do que poderá acontecer, "podem tentar fazer outra coisa que é aumentar as reservas obrigatórias dos bancos. Isto quer dizer que os bancos têm menos capacidade de concessão de crédito. O que quer dizer que não é porque sobem as taxas diretoras que subirão as taxas de juro. É simplesmente porque eles dificultam a capacidade de concessão de crédito. Se o mercado funcionar bem, a capacidade de concessão resulta sempre da mesma maneira: quem quer dinheiro está disposto a pagar mais por ele, desde que as oportunidades de negocio o justifiquem."
Mas no fim reconhece que a solução passará sempre por mexer nas taxas de juro. "Isto vai sempre lá dar, pode ir é por outro caminho." E continua a explicação, "o efeito subida de taxa de juro pode ser por se abrir o spread entre bom crédito e mau crédito, em vez de abrir tudo em paralelo. Em bom rigor, esta história começa porque há uma subida das taxas de juro aplicáveis aos títulos do tesouro que os desvaloriza."
"Imagine que eu concebo um instrumento mantendo estas taxas, apenas subindo as taxas de outros instrumentos no mercado. Imagine que eu consigo manipular os mercados fazendo com que apenas as taxas de qualidade inferior variem e não as taxas do tesouro." O reitor do ISEG continua a explorar os vários cenários possíveis para uma realidade que ainda é desconhecida.
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