Em entrevista à agência Lusa, Raul Martins afirmou que o que a AHP quer para a TAP “é que seja rentável e que sirva o país”, sublinhando, porém, não querer uma TAP “pequenina”, mas sim “dimensionada à escala daquele que seja o turismo nacional”.

O presidente da AHP defendeu que o desenvolvimento da transportadora aérea nos últimos anos, com a gestão privada, “não era tanto servir o país turístico”, mas mais atingir objetivos de resultados, “que, afinal, foram negativos”.

No entanto, o responsável apontou que, dentro das opções da gestão anterior da TAP, a aposta no mercado dos Estados Unidos da América “foi um aspeto muito positivo”.

“É certo que esta nova administração da TAP que vier a ser concretizada o fará [a aposta no mercado americano], porque ela é, em termos financeiros, benéfica para a TAP, mas também é benéfica para o país, sendo certo que as rotas da América e do Brasil, em especial, não têm muita concorrência das ‘low cost’ [companhias de baixo custo]”, acrescentou.

Em relação à operação da companhia aérea no Porto, Raul Martins disse não compreender como é que aquela cidade foi colocada numa “situação de segunda opção” e entende que reduzir as ligações com o Porto foi uma decisão “pouco curial”.

“O Porto cresceu imenso em termos turísticos nos últimos anos, cresceu mais do que Lisboa, em percentagem”, sublinhou.

Porém, o presidente da AHP disse ter informação de que está a ser feito um levantamento pela TAP das necessidades do Porto em termos de operação – bem como da Madeira e dos Açores -, no âmbito do plano de reestruturação a apresentar à Comissão Europeia, que “vai fazer com que o Porto volte a ter a importância que deve em termos turísticos”.

“O facto de haver muitas ‘low cost’ a operar com muita intensidade para o Porto, ou para o Algarve, não quer dizer que a TAP não tenha a sua quota e o seu mercado, não só dos portugueses que se querem deslocar, mas também dos turistas que vêm para o norte”, acrescentou.

Numa audição na Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, em 15 de outubro, no parlamento, o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, disse que as quatro rotas criadas no aeroporto do Porto, para Amesterdão, Milão, Zurique e Ponta Delgada estão com "46% da lotação em média" e são "neste momento um prejuízo para a TAP".

O ministro revelou ainda que está a ser estudado o reforço da frota da TAP Express/Portugalia, para operar, a partir de Porto e Faro, para outros aeroportos da Europa, em "ligações ponto a ponto", para tentar que a TAP seja "mais competitiva", nomeadamente face às companhias aéreas 'low-cost'.

Em 2 de julho, o Governo anunciou que tinha chegado a acordo com os acionistas privados da TAP, passando a deter 72,5% do capital da companhia aérea, por 55 milhões de euros.

A Comissão Europeia aprovou em 10 de junho um "auxílio de emergência português" à companhia aérea TAP, um apoio estatal de até 1.200 milhões de euros para responder às "necessidades imediatas de liquidez" com condições predeterminadas para o seu reembolso, entre os quais a apresentação de um plano de reestruturação até meio de dezembro.

Governo tardou nos apoios e defende moratórias até 2022

“O Governo tomou as medidas tarde e é pena, porque nós chamamos à atenção a tempo”, disse o presidente da AHP, Raul Martins, em entrevista à agência Lusa, referindo-se às medidas de apoio disponibilizadas pelo executivo, para fazer face aos efeitos da pandemia de covid-19 no setor da hotelaria e turismo.

“A AHP, desde o princípio, chamou a atenção para o apoio que devia ser dado e as primeiras medidas que foram tomadas, ainda em abril, maio deste ano, não foram suficientes. O Governo corrigiu”, defendeu o responsável, acrescentando que o “Governo vai corrigindo” erros, depois de ouvir o setor.

Relativamente aos apoios, Raul Martins destacou uma das medidas que está prevista para o próximo ano e que determina o prolongamento das moratórias relacionadas com empréstimos bancários até setembro de 2021, apontando não ser suficiente.

“Infelizmente eu penso que não vão ser suficientes até setembro”, sublinhou o presidente da AHP, acrescentando que, segundo as previsões para a hotelaria, a nível mundial, 2021 “ainda vai ser um ano de prejuízo” e que em setembro as empresas não terão liquidez suficiente para fazer o pagamento das prestações em falta.

Assim, a AHP propôs novas medidas ao Governo, entre elas o prolongamento até março de 2022 das moratórias relacionadas com os pagamentos dos empréstimos bancários que se vençam, bem como com o pagamento dos reembolsos decorrentes dos financiamentos contratados no âmbito do PT2020.

Para Raul Martins, estas medidas não pesam no Orçamento do Estado e permitem aos hoteleiros “uma certa estabilidade nos apoios” até à retoma do setor, que admite não saber quando acontecerá.

O presidente da AHP disse, ainda, que Portugal não está a utilizar o total das verbas destinadas à requalificação de unidades hoteleiras, no âmbito do Compete 2020, cujo prazo terminava no final do ano, mas foi prolongado para 2023, porque a libertação daquelas verbas está condicionada a uma “pontuação mínima” que não pode ser ultrapassada.

Neste sentido, a AHP pediu também ao Governo que essa verba seja libertada, para permitir que os hotéis façam as suas obras de requalificação neste período de baixa procura, em que alguns deles têm as portas fechadas.

“Os apoios que vêm agora da Comissão Europeia, estes novos, já não têm esse condicionamento, é facto, mas estão muito direcionados para duas áreas que são a digitalização e a sustentabilidade e a eficácia energética”, ressalvou Raul Martins, alertando, no entanto, que os hotéis não vivem “só de digitalização e de energia mais ou menos verde”.

Como medida a médio e longo prazo, a AHP propôs também ao Governo a criação de um fundo de investimento imobiliário especificamente para o Turismo, gerido pelo Banco de Fomento, para “participar em sociedades que tenham dificuldades, ou que tenham desequilíbrio financeiro”, esclareceu o presidente, adiantando, porém, não acreditar que o Banco de Fomento abra portas no dia 04 de novembro.

Entre as propostas feitas pela AHP está, ainda, a anulação do Imposto Municipal Sobre Imóveis (IMI) de 2019, que é pago em 2020, uma medida que cabe às câmaras municipais tomar.

“Há câmaras que já estão a fazer isso e eu faço daqui um apelo para que as câmaras que tenham mais peso do turismo o façam, [porque] o ano que vem ainda é mau e isso era uma forma de aliviar a tesouraria”, afirmou Raul Martins.

A AHP adiantou que as suas novas propostas têm tido “bom eco” por parte do Governo, mas reiterou que “o tempo urge” e é necessário tomá-las atempadamente.

Cenário negro

Raul Martins revela que estimativa da associação anda atualmente numa quebra de receita a rondar os 70% este ano, que se traduzirá num valor superior ao estimado a meses do início da pandemia de covid-19.

A queda "anda pelos 70%, há [estimativas de] outros que andam nos 60%, mas com a evolução que estamos a ter na Europa e sem turistas dos outros continentes, só vejo que possa ser pior do que isso, não tenho outra expectativa", afirmou Raul Martins.

Em 04 de junho, a presidente executiva da AHP, Cristina Siza Vieira, disse que a associação estimava perdas de receita entre os 3,2 e os 3,6 mil milhões de euros este ano, bem como menos 24,8 a 46,4 milhões de dormidas.

Agora, Raul Martins lembra que, em junho, a AHP ainda tinha a expectativa de no mês seguinte "a situação retomava", mas que, entretanto, "houve hotéis que estavam para abrir" a partir de julho, e que "não abriram, nomeadamente nas cidades".

"A expectativa era de que em julho houvesse uma retoma […], ela não existiu e, portanto, a expectativa é de facto a redução ou a perda de receitas no turismo ser superior a essa" que tinha sido estimada inicialmente.

Sobre a ajuda que o mercado interno deu este verão às empresas do setor que se veem privadas de turistas estrangeiros ao nível dos últimos anos, o presidente da administração da AHP admite que o fluxo dos portugueses "a muitas [empresas] salvou".

"Salvou no sentido de que os prejuízos foram contidos ou não houve quase prejuízos. Repare, o Algarve, mais até em setembro do que em agosto - julho nesse aspeto não resultou muito -, mas em agosto já houve um crescimento razoável de turismo interno e em setembro houve, salvo erro, mais de 30% de aumento do turismo interno no Algarve", afirmou.

"Mas não só. Todo o interior (...), [este] não teve aumento, teve foi menos redução, quer dizer se o ano passado tinham tido uma ocupação de 60% este ano tiveram 50%. É muito melhor do que aquilo que aconteceu nas cidades", acrescentou.

Segundo o responsável, em Lisboa, por exemplo, a ocupação dos hotéis "já depois de julho" está numa média, "face à oferta, de 15% e há quem tenha menos", disse

"Estou a dizer da oferta, não é dos hotéis que estão abertos, mas como há hotéis que estão abertos e outros estão fechados, alguns conseguem chegar ali aos 30%, mas [a média] é 15%", explicou.

Já no Porto, Raul Martins, diz que "quanto muito 25%".

"As cidades foram as que sofreram mais porque as pessoas sabem que nas cidades há mais gente. Portanto, as pessoas querem ir para as zonas rurais onde há menos gente. Veja o que aconteceu agora no Algarve: Albufeira ficou deserta porque era onde se concentravam mais pessoas. No entanto as pessoas foram para outros lados onde havia menos possibilidade de haver um grande volume de pessoas".

Raul Martins acredita que "este paradigma" da hotelaria e do turismo "está a mudar", e até já estava, "mas agora mudou mais rapidamente e não vai voltar para trás".

"Não vamos voltar ao mesmo nível de aglomerações que tínhamos. As pessoas vão querer cada vez mais ir para sítios onde estejam mais recatadas por todas as razões e mais uma: agora aprenderam que isso até será mais interessante. Agora, haverá sempre os mais novos que querem ter mais gente", acredita.

"É natural, é humano, mas este paradigma que agora surge de procurar hotéis mais pequenos, procurar sítios com menos gente, mas que tenham atratividade" não vai mais desaparecer, sustenta.

Assim, há a convicção de não se vai "voltar à estaca anterior a 2019".

"Vai haver uma alteração das preferências dos turistas. Já havia, estas coisas dos passeios, das caminhadas (...) e agora há mais uma razão", a pandemia, conclui.