Em entrevista à Lusa, a propósito do lançamento do livro “Mudam-se os tempos, mantêm-se os desafios” (Ed. Bertrand Editora), o antigo governante afirmou que “o que está mal é estar a gastar mais do aquilo que temos”.

“Há um discurso mediático e político que eu acho que induz as pessoas em erro e que não promove um sentido de responsabilidade económica e financeira no país, que é o falarmos em austeridade”, disse, considerando que a “demonização da austeridade” dá a entender “que conforme estamos, estamos bem e o que vem aí é mau porque exige que ajustemos o que gastamos aquilo que temos”.

“Isto inverte completamente a perceção daquilo que devem ser as nossas prioridades em termos económicos e financeiros”, justificou.

Teixeira dos Santos, que foi o ministro responsável por chamar a ajuda externa aquando da crise económica e financeira em 2011, defendia esta posição quando questionado sobre o debate público aberto pela Comissão Europeia sobre a revisão das regras orçamentais, que as preocupações com o elevado peso da dívida não devem resultar do Tratado de Maastricht ou do Pacto de Estabilidade.

Fernando Teixeira dos Santos foi ministro de Estado e das Finanças, entre 2005 e 2011. Entre diversos cargos, entre 2000 e 2005, foi também presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), tendo sido entre 2016 e 2020 presidente da Comissão Executiva do Eurobic.

Não há "grande margem de manobra” para descer impostos

“Não vejo grande margem de manobra para descidas de impostos e vejo também necessidade de haver alguma prudência nesse domínio”, disse hoje em entrevista à Lusa.

Quando questionado sobre se uma redução dos impostos nos próximos três a quatro anos seria possível, Teixeira dos Santos afirmou não ver “grande margem de manobra”, porque o país atingiu “em 2019 uma situação de equilíbrio orçamental, que, entretanto, se desfez por causa das consequências que a pandemia teve sobre a economia e também sobre as finanças públicas”.

O ex-governante defendeu ser importante melhorar o desempenho orçamental “para criar condições para que isso seja possível”, considerando que uma redução da carga fiscal, “é bom para o investimento e para o trabalho dos portugueses”.

“Acho que a prioridade que temos que ter é a de repor esse equilíbrio orçamental. É importante que o equilíbrio orçamental seja reposto. Primeiro para assegurar que a poupança suficiente para o investimento na economia e segundo para assegurar condições de estabilidade financeira ao país”, justificou.

O antigo governante recordou a crise financeira que levou a intervenção da Troika, para defender que “ficou bem evidente a influência e a importância que a situação das finanças públicas tem no domínio financeiro e na estabilidade financeira do país”.

“É importante, principalmente, adotar políticas que fomentem o crescimento económico, porque se a economia crescer melhoramos a cobrança fiscal e melhorando a cobrança fiscal, então, aí sim podemos ganhar esse espaço necessário para a redução dos impostos”, disse.

No entanto, destacou também a importância da previsibilidade do quadro fiscal.

“É preciso que as pessoas possam saber com o que contar nesse domínio. Isso é muito importante para tomar decisões. Tem que se saber o que se pode esperar no futuro em termos dos encargos que vai ter que suportar com o Estado a este nível. Isto é fundamental”, disse.

Ex-ministro recomenda “prudência” no endividamento da economia

“É importante que tenhamos solidez financeira no país e estabilidade financeira, porque os juros acumulam à dívida. As perspetivas que temos para o futuro é de que este ambiente de taxas de juro baixas não vai manter-se durante muito tempo”, disse Teixeira dos Santos, que antecipa que as pressões inflacionistas deverão obrigar a algum ajustamento da política monetária, o que levará a “alguns” aumentos das taxas de juro.

Ainda que acredite que o Banco Central Europeu (BCE) irá ser prudente na transição, para evitar grandes perturbações, assinala ser “expectável que a prazo” o “aumento das taxas de juro vai ocorrer”.

“Temos também que pensar que as taxas de juro se têm mantido a nível baixo e, em particular, no domínio da dívida pública, porque o BCE tem vindo a intervir de forma muito significativa nos mercados da dívida pública. E não vai continuar indefinidamente com esta política”, disse.

Descartando que o BCE avance com uma subida das taxas de juro já este ano, antecipa que o banco central poderá começar a sinalizar e a preparar as expectativas dos agentes económicos para o ajustamento.

"A não ser que alguma coisa inesperada ocorra ao nível dos mercados financeiros internacionais ou da economia que force alguma mudança brusca da política, não é expectável neste momento e, portanto, podemos esperar que o BCE seja muito prudente neste domínio", defendeu.

Para o antigo ministro de Estado e das Finanças do governo socialista, face, contudo, à expectativa da futura alteração na política monetária do BCE, é preciso ser “mais prudentes principalmente no endividamento”.

“O Estado não se pode endividar mais e o setor privado também tem que ser prudente”, frisou, justificando que o setor privado “será porventura aquele que mais depressa poderá vir a sentir os efeitos negativos desta mudança”.

Teixeira dos Santos recorda que a dívida pública é contratada a médio longo prazo e durante algum tempo os encargos da dívida pública poderão manter-se relativamente baixos, mas no setor privado as famílias e as empresas têm taxas de juro variáveis.

“Havendo um aumento das taxas de curto prazo, as Euribor, por exemplo, isso repercute-se mais rapidamente no setor privado e os encargos financeiros do setor privado tenderão a aumentar mais depressa. Será este a sofrer primeiro o impacto do ajustamento da política monetária”, sublinhou.

Desta forma, “temos que ter muita prudência em tudo o que tem a ver com o endividamento da economia”, afirmou Teixeira dos Santos.

Quando questionado sobre se o aumento da inflação é um fenómeno temporário, conforme afirmado pela instituição liderada por Christine Lagarde, o antigo ministro aludiu ao impacto da pandemia nas cadeias de produção e aos estrangulamentos na oferta em mercados de matérias-primas e de produtos intermédios.

“Nesse sentido, isto tem um caráter transitório e estou de acordo com a leitura que o BCE faz de haver aqui uma componente transitória muito importante”, afirmou. No entanto, ressalvou que as adaptações tecnológicas e climáticas poderão vir também a refletir-se na inflação e poder vir a “ter um caráter mais permanente”.

Apesar de sublinhar que tal ainda não “está muito presente na inflação atual”, acredita “que vai condicionar a evolução dos preços a prazo”.

“Vamos ter que enveredar por um novo paradigma tecnológico associado às questões energéticas e à proteção do ambiente e da descarbonização, que vai ter um custo para a sociedade. Vai refletir-se nos preços dos bens e serviços e consequentemente vai levar a uma subida de preços”, exemplificou.

São precisos mais de 290 anos para igualar produtividade da zona euro

O antigo governante disse também que “não há possibilidade" de melhorar o nível de vida dos portugueses se não melhorar a produtividade. "Não há outra via, não há outro caminho. Não tenhamos ilusões quanto a isto”, defendeu.

“A correlação entre o nosso rendimento real e a produtividade é da ordem dos 98%/99%. Uma coisa anda a par da outra. Se o país quer melhorar o seu bem-estar, o seu nível de vida tem que melhorar a produtividade. Isto é um grande desafio a todos nós: ao Estado, às famílias, aos trabalhadores, aos empresários, a todos nós. É este o desafio que o país tem de enfrentar e, no meu entender, dar-lhe uma grande prioridade”, sublinhou.

Numa simulação integrada no livro que será lançado, respetivamente, em Lisboa e no Porto, em 19 e 20 de janeiro, Teixeira dos Santos calcula que, se se mantiverem as taxas de crescimento da produtividade em Portugal e na zona euro, serão necessários 45 anos para que o país atinja 60% da produtividade média dos países da moeda única e 154 anos para atingir os 75%.

"Temos de facto de fazer alguma coisa de muito significativo no progresso da nossa produtividade, porque senão continuaremos atrás da média europeia”, defendeu.

Os cálculos têm como níveis de partida a média do nível de produtividade observada entre 2015 e 2019, recordando que a produtividade do trabalho em Portugal representa cerca de 54% da média da zona euro e o seu crescimento médio anual entre 1999 e 2019 foi de 0,93%, superior ao valor médio registado nos países da moeda única, de 0,72% ao ano.

Teixeira dos Santos assinalou à Lusa que as taxas de crescimento da produtividade na última década são “muito baixas”, argumentando que “a crescer a esta média o progresso da produtividade é muito lento”.

É que, “à medida que nós progredimos, a zona euro também progride - pouco como nós, mas também progride”, explicou.

“Estamos a perseguir um alvo que está em movimento e vai demorar muito tempo a apanhá-lo”, frisou.

O ex-governante salientou que o país tem um baixo coeficiente de capital e trabalho. “Há pouco capital por trabalhador. Portanto os trabalhadores também não podem ser muito produtivos se não têm esses equipamentos, essas ferramentas, essas infraestruturas a apoiar o esforço produtivo. Isso tem a ver com um baixo nível de investimento na economia portuguesa, que faz com que o 'stock' de capital da economia seja reduzido”, disse.

Destacou, neste sentido, que historicamente o 'stock' de capital tende a aumentar, mas em Portugal “nos últimos anos está a diminuir, o que compromete o crescimento e a produtividade”.

De acordo com os cálculos do antigo ministro de Estado e das Finanças, inscritos no livro, se por exemplo, a produtividade de Portugal crescer, em média 2% ao ano, o país atingirá "60% da média europeia no final da década e demorará quase meio século a igualá-la”.

Ex-ministro espera que eleições tragam solução governativa

“Espero bem que saia destas eleições uma solução de governação para o país, que traga um período de estabilidade, até porque o país precisa de facto dessa estabilidade. Tem grandes desafios pela frente e não pode adiá-los”, afirmou em entrevista à Lusa.

Quando questionado se teme que o país enfrente um cenário de instabilidade que se refletisse em dificuldades em aprovar os próximos orçamentos do Estado, o ex-governante recusou tal cenário.

“Quero acreditar que isso não acontecerá. Nem faria sentido. Já teremos eleições antecipadas porque houve um Orçamento que não foi aprovado e não houve condições para o aprovar. Mal era que destas eleições resultasse uma situação política em que continuávamos a ter dificuldade em aprovar orçamentos”, disse.

Para Teixeira dos Santos, “tal era um sinal de que não valeu a pena ter-se dissolvido a Assembleia e feito eleições antecipadas”, defendendo que o país é o resultado de mais de 40 anos de um regime democrático “em que os principais partidos do centro, de facto, promoveram um conjunto de políticas públicas que são muito importantes”.

“O país quer essas políticas”, sublinhou, defendendo ser “importante que esses partidos, com as suas diferenças e com as suas estratégias políticas diferenciadas, sejam capazes de se entender quanto a um conjunto de aspectos que devem ser fundamentais preservar” no domínio das políticas públicas.

O antigo ministro considera que tal permite ao país perceber “que governe um ou governe outro, há coisas com que pode contar no futuro”.

Quando questionado sobre se uma solução de bloco central seria desejável para a estabilidade, Teixeira dos Santos disse não querer “discutir soluções concretas de governação”, considerando que “isso compete aos partidos”.

No entanto, “não tem que ser um governo central como já tivemos no passado em que os dois partidos têm que se entender para ter um governo. Não tem que ser esse figurino”, frisou.

“Quero acima de tudo acreditar na responsabilidade da nossa classe política em responder aos desafios que o país tem e encontrar soluções. É com esse sentido de responsabilidade que devem encontrar soluções, preservando as suas diferenças que são muito importantes”, vincou.

Salientou ainda que “os portugueses também têm que ter a perceção de que há alternativas a escolher e que podem escolher”, pelo que “os partidos têm aqui uma responsabilidade enorme”.

“Acho que isto requer um sentido de liderança e de serviço ao país muito importante ”, vincou.

*Por Ânia Ataíde, da agência Lusa